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Legenda da foto, Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em três circunstâncias

Um Projeto de Lei assinado por 32 deputados pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

A regra valeria inclusive para os casos em que o procedimento é autorizado pela legislação brasileira, como é o caso da gravidez decorrente de estupro.

O PL 1904/2024, cujo primeiro autor é o deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), acrescenta alguns parágrafos a quatro artigos do Código Penal Brasileiro, que foi instituído em 1940.

O Artigo 124 do Código Civil, por exemplo, já estabelece como crime “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”.

Mas, segundo a nova proposta em discussão na Câmara dos Deputados, “quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples”.

No dia 4 de junho, o deputado Eli Borges (PL/TO) — que também assina o documento — pediu que o projeto de lei fosse apreciado em regime de urgência.

Isso significa que a proposta seria votada diretamente pelo plenário da Câmara, sem a necessidade de debates e pareceres nas comissões temáticas do Congresso.

Esse pedido de apreciação em regime de urgência poderá ser incluído na pauta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), nos próximos dias.

Crédito, Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Legenda da foto, O deputado Sóstenes Cavalcante é um dos autores do projeto de lei

Vítimas de violência

O PL 1904/2024 pretende alterar alguns artigos do Código Penal, com o objetivo de impedir a realização de qualquer aborto quando a gestação passou de 22 semanas.

Atualmente, a lei brasileira permite o aborto em três situações:

  • Quando a gestação é fruto de um estupro;
  • Se a gravidez representa risco à vida da mulher;
  • Se o feto for anencéfalo, quadro caracterizado pela ausência do encéfalo e da calota craniana.

Em artigo publicado no site do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a médica Ana Costa, diretora executiva da instituição, classifica o projeto de lei como “uma reedição do ‘Estatuto do Estuprador’, que obriga mulheres a gestarem fruto de estupro, sob pena de prisão”.

O Cebes ainda destaca que o acesso tardio ao aborto legal “reflete a desigualdade e a iniquidade na assistência à saúde, impactando sobretudo crianças (10-14 anos), mulheres pobres, pretas e moradoras da zona rural”.

Um grupo de 18 entidades do setor também se uniram para criar a campanha “Criança Não é Mãe”, que caracteriza as mudanças propostas na lei como o “PL da Gravidez Infantil”.

Segundo os criadores do movimento, a alteração na legislação prejudicará principalmente as crianças menores de 14 anos, que representam o maior grupo que necessita dos serviços de aborto após o terceiro trimestre.

Segundo eles, nessa faixa etária — em que qualquer gravidez é fruto de um estupro presumido — há mais demora em descobrir ou mesmo identificar uma gestação.

Além disso, em dois terços dos casos, o autor do estupro é da própria família da menina — o que inibe a vítima de procurar serviços de saúde ou de denunciar o crime para as autoridades logo nas primeiras semanas de gravidez.

A campanha ainda destaca que a eventual mudança na lei significará que os envolvidos no aborto poderão ser condenados pelo crime de homicídio simples, com pena de prisão de até 20 anos.

Enquanto isso, a legislação estabelece uma pena de cerca de 10 anos — ou metade do tempo — para o crime de estupro.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022. Dessas, 88,7% das vítimas eram do sexo feminino e cerca 60% tinham no máximo 13 anos de idade.

Já o DataSUS contabiliza que, em 2019, cerca de 70 gestações foram interrompidas legalmente em crianças e adolescentes brasileiras com menos de 14 anos.

A campanha alerta que, se aprovado, o projeto “obrigará as meninas vítimas de violência a seguirem com a gestação” e isso significará um retrocesso “nos direitos sexuais e reprodutivos garantidos por lei desde 1940”.

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Legenda da foto, Diversas entidades se posicionaram contra o Projeto de Lei

O que dizem os apoiadores do projeto

O projeto em discussão na Câmara argumenta que o Código Penal, estabelecido em 1940, não estabelece esse limite de 22 semanas porque “um aborto de último trimestre era uma realidade impensável [naquela época] e, se fosse possível, ninguém o chamaria de aborto, mas de homicídio ou infanticídio”.

O texto do projeto ainda defende que, “para conceder às mulheres o direito de interromperem a gestação, independentemente da idade gestacional, e qualquer que seja o peso do nascituro, foi preciso subverter os princípios básicos do Estado de Direito, os mesmos que deram origem à Independência Americana e à democracia moderna”.

Segundo a proposta dos deputados, as pessoas envolvidas num aborto após as 22 semanas de gestação — como a mulher e o profissional de saúde — podem ser condenadas pelo crime de homicídio simples.

Atualmente, as penas por homicídio simples no Brasil variam de 6 a 20 anos de reclusão.

Nas redes sociais, o deputado Sóstenes Cavalcante escreveu que o PL 1904 “tem como objetivo considerar o aborto tardio como homicídio, reforçando a proteção à vida desde a concepção”.

Esse procedimento, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das etapas do aborto decorrente de estupro feito no último trimestre da gestação, usa medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto antes que ele seja retirado do útero.

Segundo Moraes, a resolução do CFM ultrapassava a competência regulamentar do conselho e impunha “tanto ao profissional de medicina quanto à gestante vítima de um estupro uma restrição de direitos não prevista em lei capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”.

O ministro do STF ainda lembrou que a legislação brasileira não estipula quaisquer limitações “circunstanciais, procedimentais ou temporais” para a realização do aborto previsto em lei.

A decisão de Moraes foi liminar e será discutida futuramente no plenário do Supremo. O CFM também recorreu do parecer do ministro.