- Author, Frank Gardner
- Role, Correspondente de segurança da BBC
Apesar das tentativas do presidente Vladimir Putin e da mídia controlada pelo Estado russo de atribuir a culpa pelo ataque mortal ao teatro de Moscou na sexta-feira à Ucrânia, mais detalhes estão surgindo sobre o grupo jihadista IS-K, que afirmou estar por trás do incidente.
O que é IS-K?
O IS-K é uma abreviação de Estado Islâmico-Khorasan – uma filial regional do grupo Estado Islâmico, que foi designado como uma organização terrorista por governos em todo o mundo. Ele está focado no Afeganistão, Irã, Paquistão e na Ásia Central.
O grupo se autodenominou Khorasan em referência a uma parte de um califado islâmico histórico que abrangia partes dos atuais Irã, Afeganistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão.
O IS-K existe há nove anos, mas nos últimos meses emergiu como a filial mais perigosa do grupo Estado Islâmico, com um alcance longo e uma reputação de extrema brutalidade e crueldade. Junto com o que resta da liderança mais ampla do grupo na Síria e no Iraque, o IS-K aspira a um califado islâmico pan-nacional governado por uma interpretação ultra-estrita da Sharia, a lei islâmica.
No Afeganistão, o grupo está travando uma insurgência esporádica, mas ainda mortal, contra os governantes do país, o Talebã, aos quais se opõe por motivos ideológicos.
O IS-K já realizou ataques antes?
Em 2021, o grupo foi responsável pela evacuação caótica do aeroporto de Cabul com um atentado suicida, matando 170 afegãos e 13 militares dos EUA. No ano seguinte, o alvo foi a embaixada russa em Cabul, matando pelo menos seis pessoas e ferindo outras.
O grupo realizou ataques indiscriminados em uma maternidade, estações de ônibus e policiais. Em janeiro deste ano, o IS-K realizou um atentado duplo em um santuário em Kerman, no Irã, matando quase 100 iranianos.
Na Rússia, realizou inúmeros ataques de pequena escala, sendo o mais recente em 2020 – e já neste ano o FSB, o serviço de segurança interna da Rússia, afirma ter impedido vários planos terroristas.
Quem são os responsáveis pelo ataque em Moscou?
De acordo com a mídia estatal russa, os quatro homens capturados e acusados são todos tadjiques da república da Ásia Central do Tajiquistão, que costumava fazer parte da União Soviética.
É evidente pela aparência machucada e contundida deles no tribunal que foram interrogados de forma especialmente cruel, chegando ao ponto de tortura.
O problema disso é que, de acordo com as normas internacionais, suas confissões serão inúteis – as pessoas dizem qualquer coisa para fazer a dor parar, inclusive confessar uma narrativa que simplesmente não é verdadeira.
Relatos indicam que um dos homens foi visto realizando vigilância do local no início de março, por volta do momento em que os EUA alertaram a Rússia sobre uma ameaça iminente de ataque terrorista em um espaço público – um aviso que o Kremlin descartou na época como “propaganda”.
Outro relatório afirma que pelo menos dois dos agressores chegaram recentemente à Rússia, sugerindo que se tratava de um “grupo de ataque” enviado pelo IS-K, em vez de uma célula adormecida de residentes.
Por que eles atacaram a Rússia?
Existem várias razões.
O IS-K considera a maior parte do mundo como seus inimigos. A Rússia está entre os principais, juntamente com os Estados Unidos, Europa, Israel, judeus, cristãos, muçulmanos xiitas, Talebã e todos os governantes dos estados de maioria muçulmana, que eles consideram “apóstatas”.
A hostilidade do Estado Islâmico contra a Rússia remonta às guerras chechenas nos anos 1990 e início dos anos 2000, quando as forças de Moscou devastaram a capital chechena, Grozny.
Mais recentemente, a Rússia entrou na guerra civil síria ao lado de seu aliado, o presidente Bashar al-Assad, e a força aérea russa realizou inúmeros bombardeios contra posições rebeldes e civis, matando um grande número de combatentes do grupo Estado Islâmico e ligados à Al-Qaeda.
No Afeganistão, o IS-K vê a Rússia como aliada do Talebã, razão pela qual atacaram a embaixada russa em Cabul em 2022. Eles também guardam ressentimento pelos 10 anos de brutal ocupação soviética daquele país de 1979 a 1989.
Há também a situação dentro da própria Rússia. O IS-K considera a Rússia muito cristã e em um vídeo postado após o ataque em Moscou, fala sobre matar cristãos.
Os trabalhadores migrantes tadjiques e de outras partes da Ásia Central às vezes são alvo de assédio e suspeita pelo FSB, enquanto o serviço busca evitar ataques terroristas.
Por fim, a Rússia – uma nação atualmente distraída por sua guerra em larga escala com seu vizinho Ucrânia – pode simplesmente ter sido um alvo conveniente de oportunidade para o IS-K, um local onde as armas estavam disponíveis e a guarda de seu inimigo estava baixa.
O que ainda não sabemos sobre o ataque a Moscou?
Ainda há várias perguntas sem resposta sobre todo esse episódio. Por exemplo, por que os agressores puderam circular livremente por quase uma hora pelo Crocus Hall sem nenhum senso aparente de urgência?
Em um país onde a polícia e os serviços especiais, especialmente o FSB, são onipresentes, esses atiradores se comportaram como se soubessem que não seriam interrompidos por uma equipe de elite da polícia.
Além disso, há as armas – não apenas pistolas, mas poderosos fuzis automáticos modernos. Como eles conseguiram adquiri-los e contrabandeá-los sem serem detectados para o local?
Sua rápida captura também é surpreendente. Ao contrário de muitos atiradores jihadistas em um ataque como esse, esses homens não estavam usando coletes ou cintos suicidas, no estilo daqueles que preferem a morte à captura. E mesmo assim, não demorou muito para as autoridades russas – as mesmas autoridades russas que falharam em impedir o pior plano terrorista em 20 anos se desenrolando debaixo de seus narizes – prenderem os suspeitos e levá-los a julgamento.
Tudo isso está levando alguns analistas a especularem sobre algum tipo de suposto “trabalho interno” do Kremlin, ou uma “operação de bandeira falsa” para angariar apoio popular para a guerra na Ucrânia. No entanto, não há evidências concretas para apoiar essa teoria e os serviços de inteligência dos EUA confirmaram que, em sua visão, o Estado Islâmico esteve por trás desse ataque horrendo.
Fonte: BBC
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