- Alessandra Corrêa
- De Washington (EUA) para a BBC News Brasil
Um presidente derrotado nas urnas após apenas um mandato. Uma forte base de apoiadores fiéis, parte dos quais não se conformaram com o resultado das eleições. Investigações e processos judiciais.
A trajetória de Donald Trump nos últimos dois anos, desde que deixou a Casa Branca após sua tentativa fracassada de reeleição em 2020, e os rumos do trumpismo, o movimento político inspirado por ele, costumam ser comparados ao cenário no Brasil.
No momento em que o presidente Jair Bolsonaro deixa o governo, após perder a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), muitos se perguntam se o bolsonarismo no Brasil pode ter destino semelhante ao trumpismo nos Estados Unidos.
Para especialistas nos dois países, há várias semelhanças entre os dois movimentos, mas também diferenças importantes.
“O trumpismo é um movimento com um partido, que controla um partido (o Republicano). O bolsonarismo é só um movimento, que não tem partido nenhum, por conta da estrutura partidária do Brasil”, diz à BBC News Brasil o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky.
“Isso pode ser uma vantagem ou uma desvantagem, não há como saber. Pode ser que, justamente por não estar atrelado a nenhum partido, (o bolsonarismo) permaneça vivo por mais um tempo na sociedade brasileira”, observa Poggio, que é especialista em relações entre Estados Unidos e Brasil.
Derrotas recentes nos EUA
Nos Estados Unidos, Trump ainda mobiliza uma forte base de apoio, mas muitos acreditam que, quase dois anos depois de deixar a Casa Branca, sua influência vem diminuindo, e ele vem perdendo espaço para outros nomes no Partido Republicano. Isso ficou claro após as eleições de meio de mandato, realizadas em 8 de novembro.
Até meados de 2022, quando estavam sendo realizadas as primárias para decidir os candidatos republicanos nessas eleições, o poder de Trump parecia incontestável. Seu apoio foi decisivo em muitas das disputas entre republicanos pela indicação do partido para concorrer a cargos na Câmara, no Senado e nos governos estaduais.
No entanto, depois de garantirem a nomeação para representar o Partido Republicano na disputa, vários desses candidatos apoiados por Trump acabaram perdendo para os adversários democratas. “O que mostra a fraqueza do trumpismo na sociedade americana como um todo, apesar de continuar forte dentro do Partido Republicano”, afirma Poggio.
Apesar dos baixos índices de aprovação do presidente democrata Joe Biden, além do padrão histórico segundo o qual o partido que está na Casa Branca costuma sofrer perdas nas eleições de meio de mandato, os republicanos não conseguiram conquistar o comando do Senado. Na Câmara, o partido obteve maioria, mas com margem menor do que a esperada.
Entre os candidatos republicanos derrotados, estavam muitos dos que repetiam as alegações infundadas de Trump de que a eleição presidencial de 2020 foi roubada.
“O principal golpe no trumpismo não foi a derrota de Trump (em 2020). A derrota de Trump manteve o trumpismo vivo, até pela narrativa que ele conseguiu estabelecer. A grande derrota do trumpismo veio este ano, com as eleições de meio de mandato”, observa Poggio. “Acho que isso mudou completamente o clima político.”
Investigações
Ao mesmo tempo em que vê a força de sua influência ser colocada em dúvida por alguns, Trump também segue sendo alvo de diversas investigações e processos judiciais relacionados ao período em que esteve no poder. Uma das principais investigações é sobre o papel do líder americano em incitar apoiadores a questionarem a legitimidade da vitória de Biden e tentar mudar o resultado da eleição.
Tanto a derrota de Trump em 2020 quanto a de Bolsonaro em 2022 ocorreram em votações sem qualquer indício de irregularidade. No entanto, apoiadores dos dois presidentes, inconformados com os resultados, foram às ruas protestar.
No Brasil, muitos bolsonaristas chegaram a obstruir estradas em várias partes do país e se concentrar em frente a instalações militares. Nos Estados Unidos, as manifestações culminaram em violência, com a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso se reunia para contar os votos do Colégio Eleitoral e confirmar a vitória de Biden.
No último dia 19 de dezembro, depois de meses de investigações, uma comissão especial da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), formada por sete democratas e dois republicanos, acusou Trump de uma série de crimes federais relacionados ao ataque, entre eles o de incitar uma insurreição e o de obstruir procedimentos do Congresso.
De acordo com essa comissão, desde o dia da votação em 2020 Trump passou a disseminar “alegações falsas de fraude”, que “provocaram seus apoiadores a cometer violência em 6 de janeiro (de 2021)”. Segundo o relatório, após incitar seus apoiadores, Trump assistiu à invasão pela TV durante horas, sem tomar medidas para acalmar a situação.
A comissão também concluiu que Trump pressionou autoridades eleitorais estaduais, “de maneira ilegal e sem qualquer evidência (de irregularidade)”, para tentar reverter o resultado da eleição presidencial em seus Estados.
Em uma decisão sem precedentes, mas de implicações mais políticas do que legais, a comissão encaminhou ao Departamento de Justiça documentos e evidências recomendando que Trump seja processado criminalmente. Mas o departamento, que já realiza sua própria investigação sobre o episódio, não é obrigado a aceitar a recomendação.
Trump é alvo de várias outras investigações em andamento. Uma delas se refere à remoção de documentos do governo, muitos deles secretos, levados à residência de Trump na Flórida quando ele deixou a Casa Branca. Outra, na Geórgia, se concentra em supostos esforços para anular o resultado da eleição presidencial de 2020 naquele Estado. Há ainda investigações em Nova York relacionadas às operações da empresa da família de Trump.
O ex-presidente descarta todas essas investigações como uma “caça às bruxas” movida por seus adversários políticos e motivada por interesses partidários.
No Brasil, Bolsonaro também vem sendo foco de diversas investigações, entre elas sobre a divulgação de notícias falsas em relação à vacina contra a covid-19, sobre notícias falsas e ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre vazamento de dados sigilosos a respeito de ataque ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sobre interferência na polícia federal.
Ao deixar o governo, Bolsonaro perderá o foro privilegiado do qual desfruta como presidente, o que abriria a possibilidade de responder a processos na Justiça comum.
“Nos Estados Unidos, nós vimos algum apoio judicial a investigações (envolvendo Trump), mas tem sido muito lento. Imagino que, no Brasil, isso seria ainda mais lento”, diz à BBC News Brasil o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, em Washington, e autor de vários livros sobre a política brasileira.
“Devido à maneira como os tribunais operam no Brasil, enquanto é possível que haja investigações (levada adiante), essas seriam altamente políticas e politizadas, assim como ocorreu nos Estados Unidos”, afirma.
Taylor observa que o Judiciário brasileiro esteve “excepcionalmente ativo” nos últimos tempos, mas não acredita que isso se sustentará uma vez que Bolsonaro esteja fora do poder.
“Acho que, no calor do momento eleitoral (no Brasil), havia a visão de que os tribunais eleitorais precisavam agir muito rapidamente”, afirma, ao ressaltar que, passadas as eleições, sua expectativa é a de que o ritmo do Judiciário voltará ao que era antes.
“Mesmo que sejam oferecidas denúncias, o que vai depender do Ministério Público, ainda haveria um longo período entre qualquer acusação e uma sentença”, ressalta. “Sou um pouco cético em relação à possibilidade de que os tribunais sejam muito eficazes para conter o bolsonarismo no Brasil.”
Futuro
Nos Estados Unidos, ainda não está claro o impacto que as investigações em curso poderão ter sobre o futuro político de Trump. Na metade de novembro, uma semana após as eleições de meio de mandato, Trump anunciou que vai buscar a nomeação de seu partido para ser o candidato republicano à Presidência no pleito de 2024.
Enquanto alguns acreditam que as revelações a respeito do 6 de janeiro irão prejudicar suas chances, outros advertem que Trump mantém uma base de apoio robusta e não deve ser subestimado. Há inclusive quem aposte que o relatório da comissão especial da Câmara e a recomendação para que o ex-presidente seja processado poderão ter efeito contrário, ajudando a mobilizar seus eleitores.
Enquanto analistas e estrategistas debatem as chances do ex-presidente de voltar ao poder, novos nomes, como o do governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, vêm despontando. Algumas pesquisas de intenção de voto nas primárias já mostram DeSantis à frente, o que pode ameaçar os planos de Trump de ser o candidato de seu partido à Presidência.
“Se ele (Trump) tiver um desempenho muito ruim nas primárias, isso tudo afeta sem dúvida nenhuma Bolsonaro, cuja principal inspiração política é Donald Trump”, afirma Poggio, do Berea College.
Segundo Poggio, assim como o trumpismo nos Estados Unidos, o bolsonarismo no Brasil também deve permanecer vivo por algum tempo mas, eventualmente, pode perder força.
“Certamente não vai sumir mas, em algum momento, isso pode enfraquecer. Como foi o caso agora de Trump. Demorou dois anos para começarmos a ver sinais de enfraquecimento do trumpismo”, afirma. “Mas também não podemos descartar a possibilidade de Bolsonaro ser candidato de novo e inclusive vencer as eleições. Ou de Trump virar presidente de novo.”
Taylor, da American University, observa que pode haver uma continuação da extrema-direita, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, que não esteja mais centrada nas figuras de Trump e Bolsonaro.
“Há (no Brasil) uma corrente de ativismo de extrema-direita que precede Bolsonaro e, acredito, irá continuar após Bolsonaro.”
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