- Paula Rosas @melibea20
- BBC News Mundo
Todos foram dormir e deixaram o navio a cargo de um grumete. O que poderia dar errado?
Era véspera de Natal em 1492. Cristóvão Colombo (1451-1506) e suas três embarcações já haviam chegado ao Caribe e percorrido algumas de suas ilhas. A bordo do Santa Maria, na costa norte de Hispaniola, o explorador genovês logo foi descansar, pois na madrugada do dia seguinte planejara se encontrar com um cacique local, Guacanagarí.
Já havia passado da meia-noite, e o mar estava calmo.
Talvez por isso ninguém tenha se dado conta de que o barco estava se aproximando de um banco de areia.
Era tarde demais.
O Santa Maria encalhou, e este infeliz naufrágio deu origem ao primeiro assentamento europeu na América.
Arqueólogos e cientistas de todo o mundo procuram há décadas os restos desse forte que foi construído com a madeira do Santa Maria e que não durou nem um ano. Seu fim trágico, no qual nenhum de seus homens sobreviveu e alguns foram até crucificados, permanece um mistério até hoje.
O naufrágio
Mas voltemos ao momento em que a nau — o Santa Maria era uma nau, enquanto a Pinta e a Niña eram caravelas — afundou na costa do que hoje é o Haiti.
Aquela era uma noite de lua cheia. Os gritos do grumete acordaram a tripulação, muitos dos quais tentaram fugir em um barco para a Niña.
Colombo mandou serrar os mastros e retirar tudo o que fosse possível da Santa Maria para reduzir seu peso e tentar desencalhá-la.
Mas esta era a maré mais alta do ano, então o explorador logo se deu conta de que a Santa Maria não se salvaria, pois a água não voltaria a subir tanto. Colombo então enviou seu homem de confiança, Diego de Arana, em busca de ajuda ao povoado de Guacanagarí, que ficava a cerca de sete quilômetros de distância.
Guacanagarí foi um dos cinco caciques taíno de Hispaniola que mandaram, segundo os diários de Colombo, “muitas canoas, muito grandes e com muita gente, para descarregar tudo da nau”.
Teria sido lógico, após tremenda negligência, que Colombo tivesse mandado enforcar o mestre e o marinheiro que abandonou a guarda, segundo assinala a historiadora María Luisa Cazorla Poza em sua tese de doutorado “La nao Santa María, el naufragio que cambió la Historia” (“A nau Santa Maria, o naufrágio que mudou a História”), mas o explorador transformou seu infortúnio em oportunidade: a de estabelecer um primeiro povoado no que seria o Novo Mundo.
O naufrágio também deu origem à primeira aliança entre espanhóis e indígenas.
Dois dias antes de encalhar, Colombo enviara um grupo de homens para falar com Guacanagarí, que dominava o cacicazgo Merien, e eles lhe trouxeram notícias animadoras.
Em seus encontros com os nativos, os europeus haviam visto ornamentos de ouro e miçangas, e o explorador pensou que, embora a criação de um povoado não estivesse incluída nas capitulações (os documentos que os reis católicos acertaram com Colombo para a distribuição do benefícios trazidos pela expedição), o estabelecimento de um forte poderia ser útil para as viagens da coroa.
Aqueles que ficaram
Além disso, os homens que chegaram em três barcos não podiam voltar em dois: irremediavelmente, alguns teriam de ficar.
Colombo decidiu então construir uma fortificação que os abrigasse até que pudesse retornar no ano seguinte em uma segunda viagem. Daria a este assentamento o nome de La Navidad, em memória à data do acidente.
Para essa construção, foram utilizados madeira de carvalho, pregos e tudo o que pudesse ser aproveitado do Santa Maria, que jazia no seu túmulo no arrecife, bem como outras matérias-primas da área.
O forte tinha, segundo os próprios diários de Colombo, “torre e fortaleza, tudo, muito bem, e uma grande adega”.
Em poucos dias, os marinheiros desbravaram a área e cavaram um fosso que delimitaria o povoado, onde construíram uma torre fortificada e algumas cabanas para abrigar os homens.
Os espanhóis seriam vizinhos da cidade de Guacanagarí, que Colombo menciona em seus diários como tendo cerca de 2 mil habitantes.
Os taínos protegeriam os espanhóis e estes, por sua vez, defenderiam os indígenas de seus grandes rivais na ilha, os habitantes do Cibao, área no interior da Hispaniola. Estes eram canibais e seu líder era o temível Caonabo, marido da famosa princesa Anacaona.
Colombo, então, deixou 39 homens sob o comando de Diego de Arana, que atuaria como governador do forte. Pedro Gutiérrez e Rodrigo Escobedo permaneceriam como suplentes. Sua missão seria buscar ouro e, conforme o pacto firmado com Guacanagarí, proteger seus hospedeiros dos canibais.
Muitos ficaram por vontade própria, motivados pela promessa de riquezas e pelas recompensas que poderiam obter dos reis católicos. Entre eles estavam os especialistas do navio, como o carpinteiro, o ferreiro, o calafate e o físico (como era chamado o médico a bordo da embarcação).
Colombo, então, partiu para a Espanha a bordo da Niña em 4 de janeiro de 1493.
Após ser recebido com honras pelos reis de Castela e Aragão, o explorador foi incumbido de fazer uma segunda viagem, desta vez para colonizar aqueles novos territórios “das Índias” que havia descoberto.
A segunda viagem de Colombo
Colombo liderou então uma frota de 17 navios, 5 naus e 12 caravelas, com cerca de 1,5 mil pessoas a bordo que cruzaram o Atlântico e chegaram a Hispaniola após completar todo o arco das Pequenas Antilhas.
Mas não puderam acreditar no que viram quando chegaram.
Em 25 de novembro, Colombo enviou um barco a terra para estabelecer o primeiro contato. Os marinheiros encontraram os cadáveres de dois homens, um mais jovem que o outro, com uma corda amarrada no pescoço e os braços estendidos em algumas vigas em forma de cruz, embora não tenham conseguido constatar se eles eram parte do grupo de marinheiros da Santa Maria que permaneceram em La Navidad.
No dia seguinte encontraram mais dois mortos crucificados, e desta vez não tiveram mais dúvidas: os cadáveres tinham barbas, e os taínos não tinham barba.
Os tiros de canhão disparados dos barcos em saudação não obtiveram resposta do forte. Algo cheirava mal.
Finalmente, em 28 de novembro, os primeiros homens chegaram ao assentamento e encontraram um cenário de terror. Todos os homens estavam mortos, a maioria deles desfigurados, e o forte havia sido incendiado, conforme conta a historiadora e acadêmica Virginia Martín Jiménez em seu livro “El primer asentamiento castellano en América: el fuerte de Navidad” (“O primeiro assentamento castelhano na América: o forte de Navidad”).
Não havia vestígios de ouro e, pior, era possível que os espanhóis tivessem feito um novo inimigo porque os taínos que encontraram lhes disseram que aqueles que haviam permanecido em La Navidad tinham desobedecido às ordens de Colombo e sido desrespeitosos com suas esposas e com seus bens.
Hipóteses
Mas quem matou os espanhóis? Teriam sido os nativos de Guacanagarí? Eles mataram uns aos outros? Ou ainda: teriam sido os canibais de Caonabo?
Colombo encontrou-se então com Guacanagarí, que convalescia, segundo disse, de um ataque dos canibais que também havia causado a morte de espanhóis.
O explorador não pareceu muito convencido e pediu ao médico que o acompanhava, Diego Álvarez Chanca, que examinasse suas feridas.
O médico suspeitou que o cacique estava fingindo, e alguns dos marinheiros aconselharam o almirante a vingar a morte dos espanhóis.
Colombo, porém, ponderou a situação. Ele fingiu acreditar em Guacanagarí, que lhe pedia para atacar seu arqui-inimigo Caonabo, mas, no fundo, acreditava que os habitantes de La Navidad morreram por seu mau comportamento e, possivelmente, tinham sido mortos pelos taínos para forçar um ataque aos canibais.
Anos depois, o frade Bartolomé de las Casas relatou com base no depoimento de algumas testemunhas oculares que, depois que a Niña saiu, “eles (os espanhóis) começaram a brigar entre si e ter discussões, a se esfaquear, e cada um pegava as mulheres que queria e o ouro que poderia haver, e afastaram-se um do outro”, segundo sua obra “História das Índias”.
Alguns fugiram com as mulheres, segundo las Casas, para o território de Caonabo, onde acabaram mortos. O líder canibal então teria ido à fortaleza com muitos homens, ateou fogo nela e matou os que ficaram.
Independentemente de quem era a culpa pela morte de seus marinheiros, Colombo decidiu agir pragmaticamente e não vingá-las. Hispaniola estava cheia de oportunidades, e seu objetivo era fundar um assentamento mais estável.
Em 6 de janeiro, ele fundou “La Isabela”, em homenagem à rainha castelhana, que se tornou a primeira cidade espanhola na América.