- Andrea Dijkstra
- BBC News, Nairobi
Trabalhadores em casacos grossos movimentam caixas de flores de uma câmara fria para um contêiner refrigerado.
Depois de embaladas, essas flores viajarão centenas de quilômetros em uma “atmosfera controlada” entre Nairóbi, capital do Quênia, até a costa do país.
Depois de chegar a Mombasa, o maior porto do país africano, o carregamento entra em um navio para uma viagem à Europa de cerca de 30 dias.
Apesar de longa jornada, as flores ainda serão vendidas para comerciantes europeus com prazo de validade de cerca de uma semana. Como isso é possível?
A partida
“As flores serão mantidas a uma temperatura de 0,5°C durante toda a viagem”, diz Elizabeth Kimani, gerente de qualidade e padrões da Sian Flowers.
Além de controlar a temperatura, o sistema atmosférico do contêiner reduz o nível de oxigênio de 20% a 4%, enquanto aumenta o nível de dióxido de carbono vai de 0,4% a 4%.
Essa tecnologia faz parte do elaborado processo de preservação das flores pelo maior tempo possível.
“É dessa forma que toda a atividade nas flores é interrompida e, como resultado, elas entram em dormência”, diz Kimani.
Um sofisticado sistema de rastreamento permite que sejam monitorados a temperatura e os níveis de oxigênio e gás carbônico durante a viagem.
Mas as flores destinadas a uma viagem tão longa precisam de atenção especial logo que são colhidas.
“Colhemos no início da manhã quando ainda está frio”, explica Linda Murungi da Sian Flowers.
Rosas recém-cortadas, por exemplo, são mergulhadas em uma mistura química para protegê-las do fungo botrytis.
Depois disso, os talos são colocados em baldes para absorver uma solução de hidratação que as permite passar 30 dias sem água.
Eles também são colocados em uma solução que retarda o hormônio do crescimento, o etileno, que faz com que as flores envelheçam.
Concluído esse processo, são embaladas em caixas de papelão com furos na parte superior e inferior, que permitem a circulação do ar.
Exportação
O Quênia se tornou um dos maiores exportadores de flores do mundo graças à sua localização, altitudes elevadas e mão de obra relativamente barata.
O país compete no mercado de flores com a Colômbia e o Equador.
Há anos os dois países latino-americanos exportam cerca de 10% de suas flores por via marítima para a América do Norte e Europa.
Como essas flores viajam por um período de tempo muito menor, as empresas que exportam a partir da América Latina não precisam de atmosfera controlada ou tratamento pós-colheita.
Já os exportadores quenianos precisam de muito mais cuidado.
Não há rota de transporte direto para a Europa: os contêineres seguem em navios menores para o Oriente Médio para passarem para embarcações maiores.
“Todos os processos relacionados ao transporte marítimo exigem extrema precisão”, diz Jeroen van der Hulst, diretor da consultoria FlowerWatch.
“Um erro, e as flores podem virar fertilizante”, acrescenta.
A complexa jornada das flores quenianas enfrenta riscos, pois os contêineres às vezes perdem a janela de transferência.
O porto de Mombaça também é conhecido por atrasos e burocracia.
Outro desafio é que não existe a chamada “fila verde” para perecíveis: as flores entram na fila como todos os outros produtos.
As mudanças
Devido a esses desafios, os floricultores quenianos antes preferiam transportar suas flores por via aérea, mas mudaram de planos durante a pandemia.
De acordo com Harm-Jan Mostert, gerente de negócios para a África da Royal FloraHolland, gigante holandesa no mercado mundial do segmento, os agricultores viram o preço do frete aéreo disparar de US$ 1,80 por quilo em janeiro de 2020 para US$ 2,80 por quilo em junho de 2022.
A questão do transporte ficou tão difícil que alguns produtores destruíram parte de sua colheita.
“Só neste ano, mais de 300 contêineres com 10 toneladas de flores cada um foram exportados do Quênia pelo mar”, diz Van der Hulst.
“Essa é uma economia substancial equivalente a 30 aeronaves totalmente carregadas”, acrescenta.
Além de ser mais barato, o transporte marítimo pode reduzir as emissões de carbono em até 95%, de acordo com um estudo financiado pelo governo do Reino Unido em 2021.
Mas, claro, se você está preocupado com a pegada de carbono das flores, é melhor comprar um buquê cultivado perto de casa.
Novas variedades
Caminhando por sua estufa em Naivasha, Robin Letcher, da Royal De Ruiter East Africa, explica à BBC que os produtores de rosas também estão tentando desenvolver novas variedades.
“Essa variedade, por exemplo, tem pétalas mais firmes e menos sensíveis ao [fungo] botrytis, o que é bom para o transporte”, diz, apontando para rosas vermelhas.
No futuro, isso poderia reduzir potencialmente a necessidade de produtos químicos durante os tratamentos pós-colheita, embora ainda necessite de sete a dez anos para desenvolver isso com sucesso, acrescenta.
Muitos produtores ficam nervosos na hora do transporte.
“Um erro estúpido, uma greve no porto ou mau tempo podem realmente causar problemas”, explica Letcher.
No ano passado, por exemplo, um contêiner foi acidentalmente para Cingapura.
“Finalmente chegou à Holanda depois de 53 dias. Todas as flores tiveram que ser destruídas. Foi um desastre”, diz ele.
Os produtores também precisam lidar com a percepção do setor de que as flores enviadas por mar têm uma vida útil mais curta, principalmente no maior leilão de flores do mundo, que é realizado na Holanda.
Os clientes não notam muita diferença, de acordo com Kimani, que diz que as flores via mar são indistinguíveis das flores do frete aéreo, acrescentando que algumas de suas rosas viajam melhor pelo mar do que pelo ar.
“Embora o transporte aéreo leve apenas cerca de 12 horas, às vezes, há altas temperaturas durante a viagem, o que obviamente influencia negativamente as flores”, explica ele.
“No entanto, pelo mar, nossas flores estão continuamente adormecidas.”
A logística de movimentação dessas flores não é uma decisão fácil, pois os preços mudam constantemente.
Mas, a longo prazo, Moster prevê que o transporte marítimo representará pelo menos 20% das exportações de flores do Quênia, um setor que vale US$ 934 milhões (R$ 5 bilhões) por ano.
“Os preços do frete aéreo provavelmente nunca voltarão ao nível anterior à crise da covid-19, então, do ponto de vista do custo, o frete marítimo ainda é interessante”, diz Moster.
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