- Dalia Ventura
- BBC News Mundo
Há 45 anos, em 25 de dezembro de 1977, o mundo se despedia do grande criador do icônico Carlitos, que com a mesma bengala com que enfrentou os caprichosos flagelos da vida transformou o novo meio de entretenimento do cinema em arte.
O lendário Charles Spencer Chaplin (1889-1977), amplamente considerado o maior comediante e uma das figuras mais importantes da história do cinema, morreu no início da manhã “de velhice”, segundo seu médico.
Nascido na pobreza, ele se tornou um artista imortal graças à sua brilhante humanização dos conflitos tragicômicos do homem com o destino.
Mais do que um comediante virtuoso, Chaplin era um ator, escritor, músico e diretor versátil que aperfeiçoou meticulosamente todos os aspectos de seus filmes.
O vagabundo mais famoso do mundo, um homenzinho bonitinho de bigode preto e andar bamboleante, vestido com calças largas e paletó justo, sapatos enormes e um chapeuzinho-coco, fazia rir milhões de pessoas e, em algumas ocasiões, trazia poucas lágrimas aos olhos, sem dizer uma palavra.
Quando o som chegou à sétima arte, a estrela silenciosa mostrou que tinha muito a dizer.
O discurso final do seu primeiro filme falado “O Grande Ditador” (1940) foi uma admirável e progressista defesa da democracia, que não se ouvia nos domínios do Terceiro Reich, nem na Itália nem na Espanha, pois Adolf Hitler, Benito Mussolini e Francisco Franco proibiram o filme, provando que Chaplin havia acertado em cheio.
Sua vida, porém, também foi marcada por polêmicas.
Expulso dos EUA
Fazer uma comédia sobre um líder nazista foi uma delas. Mais tarde, ele escreveria que estava determinado a fazê-lo porque era essencial rir de Hitler.
Mas ele havia se metido na política e, embora sua vida privada também alimentasse os tabloides, seria a política que lhe causaria mais problemas.
Seus discursos durante a 2ª Guerra Mundial, pedindo uma segunda Frente Ocidental com aliados soviéticos para derrotar Hitler, irritaram muitos conservadores.
Com o advento da Guerra Fria, suas amizades com figuras artísticas de destaque acusadas de simpatizar com a causa comunista o colocaram na mira das autoridades.
O deputado John E. Rankin, um legislador de direita do Mississippi (Estados Unidos), estava entre os que o denunciaram e exigiram sua deportação.
A vida de Chaplin “é prejudicial ao tecido moral da América”, disse Rankin, pedindo que ele fosse mantido “fora das telas americanas e que suas imagens repugnantes sejam mantidas fora dos olhos da juventude americana”.
Finalmente, em 1952, o ator, súdito britânico e em 1975 nomeado cavaleiro pela rainha Elizabeth 2ª, foi praticamente expulso dos Estados Unidos.
De nada valeu seu “efeito incalculável em transformar o cinema na forma de arte do século 20”, reconhecida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas daquele país 20 anos depois com um Oscar Honorário.
Embarcando em um navio com destino à Inglaterra, ele foi informado pelo Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos que sua reentrada naquele país seria negada a menos que estivesse disposto a responder às acusações “de natureza política e torpeza moral”.
Indignado e farto do assédio implacável das autoridades, os Chaplins se mudaram para a Suíça.
Foi lá que ele morreu aos 88 anos, poucas horas antes do início da tradicional festa de Natal de sua família.
Sua quarta esposa, Oona, filha do dramaturgo Eugene O’Neill, e sete de seus 11 filhos estavam com ele.
O andarilho que fez 81 filmes em uma vida cinematográfica que começou em 1914 e terminou em 1967 foi enterrado em uma cerimônia privada dois dias depois nas colinas acima do Lago de Genebra.
Mas isso, como antecipamos no título, não foi o fim da história.
Em uma coda que parecia ter sido escrita por ele para um de seus primeiros curtas de comédia, vários meses após sua morte, seu corpo foi apreendido por uma dupla de ladrões trapalhões.
Em março de 1978, eles desenterraram o caixão para forçar a viúva de Chaplin, Oona, a pagar 400 mil libras (equivalente a cerca de R$ 12 milhões em valores atuais).
Lady Chaplin havia herdado cerca de 12 milhões de libras (cerca de R$ 360 milhões em valores atuais) após a morte de seu marido.
Ela se recusou a pagar dizendo “Charlie teria achado ridículo” .
Em ligações subsequentes, os sequestradores ameaçaram ferir seus dois filhos mais novos.
A família manteve silêncio sobre os pedidos de resgate, mas isso não impediu que vários rumores circulassem sobre o caixão desaparecido.
Uma reportagem publicada à época especulou que o caixão havia sido desenterrado porque Chaplin era judeu e tinha sido enterrado em um cemitério gentio.
Enquanto isso, a polícia suíça montou uma operação na qual 200 quiosques telefônicos foram monitorados e o telefone dos Chaplins, grampeado.
Cinco semanas depois, os autores do sequestro foram localizados e presos.
O caixão foi encontrado mais tarde, enterrado em um milharal no Lago de Genebra.
Um porta-voz dos Chaplins disse: “A família está muito feliz e aliviada por esta provação ter acabado”.
O superintendente Gabriel Cettou, chefe da polícia de Genebra, disse à imprensa que os dois homens seriam acusados de tentativa de extorsão e perturbação da paz dos mortos.
Inspiração italiana
Quase um ano após a morte de Chaplin, em seu julgamento em 11 de dezembro de 1978, um refugiado polonês confessou a um tribunal suíço que desenterrou o corpo e tentou extorquir dinheiro da família do comediante.
Roman Wardas, um mecânico de automóveis de 24 anos, disse que não conseguiu um emprego e estava passando por momentos difíceis quando leu um artigo de jornal sobre um caso semelhante na Itália.
“Decidi esconder o corpo de Charlie Chaplin e resolver meus problemas”, explicou Wardas ao Tribunal Distrital de Vevey.
Ele acrescentou que pediu a seu amigo Gantscho Ganev, um búlgaro de 38 anos, que o ajudasse a desenterrar o caixão em Corsier-sur-Vevey, perto da mansão onde Chaplin morou por 23 anos.
“Particularmente, não me preocupei em interferir em um caixão”, disse ele.
“Ia escondê-lo mais fundo no mesmo buraco originalmente, mas estava chovendo e a terra ficou muito pesada.”
Foi por isso que ele foi levado no carro de Ganev e enterrado novamente no milharal.
O co-réu disse ao tribunal: “Não me importei em levantar o caixão. A morte não é tão importante de onde eu venho.”
Ganev esclareceu que depois de ajudar Wardas naquela noite, não se envolveu mais no assunto.
Segundo um relatório psiquiátrico solicitado pelo advogado de Ganev, o búlgaro, que concordou em fazer parte do plano de Wardas acreditando que os riscos eram mínimos, ficou alarmado com o impacto público do desaparecimento do caixão.
Wardas foi condenado a quatro anos e meio de trabalhos forçados por planejar a trama bizarra.
Seu cúmplice, descrito como um “homem musculoso” com um senso de responsabilidade limitado, recebeu uma pena suspensa (pena de substituição à prisão) de 18 meses.
O caixão de Charlie Chaplin foi reenterrado no cemitério original, desta vez em uma cova de concreto à prova de roubo.
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