- Author, Jonathan Beale
- Role, BBC News
Um piloto russo tentou abater um avião de vigilância da força aérea real britânica (RAF) no ano passado achando que tinha permissão para disparar.
O piloto disparou dois mísseis e, segundo a BBC apurou, errou o primeiro disparo. Segundo informações da época, os dois disparos haviam falhado.
A Rússia alegou que o incidente, em setembro de 2022, foi causado por um “mau funcionamento técnico”.
O Ministério da Defesa do Reino Unido (MoD) aceitou publicamente a explicação russa.
Mas agora três importantes fontes de defesa com conhecimento do incidente disseram à BBC que as comunicações russas interceptadas pela aeronave RAF RC-135 Rivet Joint trazem um relato muito diferente da versão oficial.
O avião da RAF – com uma tripulação de até 30 pessoas – estava realizando uma missão de vigilância sobre o Mar Negro, no espaço aéreo internacional, em 29 de setembro do ano passado, quando encontrou dois caças russos SU-27.
As comunicações interceptadas mostram que um dos pilotos russos pensava ter recebido permissão para atacar a aeronave britânica, seguindo um comando ambíguo de uma estação terrestre russa.
No entanto, o segundo piloto russo não entendeu o recado da mesma forma. Ele protestou e xingou seu companheiro por disparar o míssil.
O Rivet Joint é carregado com sensores para interceptar comunicações. A tripulação da RAF tinha capacidade de ouvir a troca de mensagens que poderia ter resultado na morte de todos a bordo.
O MoD não vai divulgar detalhes dessas comunicações.
Respondendo a estas novas revelações, um porta-voz do Ministério da Defesa disse: “A nossa intenção sempre foi proteger a segurança das nossas operações, evitar escaladas desnecessárias e informar o público e a comunidade internacional”.
O que realmente aconteceu
Quando os dois SU-27 russos se aproximaram do avião espião da RAF, eles receberam uma comunicação do controlador da estação terrestre.
Uma fonte disse à BBC que as palavras que eles receberam foram no sentido de “você tem o alvo”.
Esta linguagem ambígua foi interpretada por um dos pilotos russos como permissão para disparar.
A linguagem informal demonstra um alto grau de falta de profissionalismo por parte dos envolvidos, disseram as fontes. Em contraste, os pilotos da Otan, a aliança militar do Ocidente, usam uma linguagem muito precisa quando pedem e recebem permissão para disparar.
O piloto russo lançou um míssil, que foi disparado com sucesso, mas não conseguiu atingir o alvo, segundo a BBC apurou. Foi uma erro, não um defeito.
Fontes de Defesa disseram à BBC que o incidente causou uma discussão entre os dois pilotos russos.
O piloto do segundo SU-27 não entendeu que tivesse permissão para disparar.
Ele teria xingado seu parceiro, perguntando o que ele pensava que estava fazendo.
Mesmo assim, o primeiro piloto ainda disparou outro míssil.
Fomos informados de que o segundo míssil simplesmente caiu da asa – sugerindo que a arma estava com defeito ou que o lançamento foi abortado.
A versão do Reino Unido
Três semanas depois, o governo do Reino Unido confirmou que o incidente ocorreu.
Depois de o Ministério da Defesa russo ter classificado o episódio como “mau funcionamento técnico”, o então secretário da Defesa, Ben Wallace, disse tratar-se de um “evento potencialmente perigoso”.
A fala foi dita a parlamentares em 20 de outubro.
Mas Wallace aceitou a explicação russa.
“Não consideramos que este incidente constitua uma escalada deliberada por parte dos russos, e a nossa análise concorda que foi devido a um mau funcionamento”, disse.
A versão dos EUA
No entanto, um vazamento de informações secretas revelou que os militares dos EUA usaram termos mais contundentes.
Numa série de documentos, publicados online pelo aviador norte-americano Jack Teixera, o incidente foi descrito como “quase um abate”.
“O incidente foi muito mais sério do que inicialmente retratado e poderia ter sido considerado um ato de guerra”, informou o jornal The New York Times.
De acordo com duas autoridades de defesa dos EUA, disse o jornal, o piloto russo interpretou mal uma ordem vinda de terra.
O piloto russo “disparou, mas o míssil não foi lançado corretamente”.
O jornal também citou um oficial de defesa não identificado dos EUA descrevendo o incidente “como muito, muito assustador”.
Em resposta ao relatório vazado de um “quase abate”, o Ministério da Defesa do Reino Unido emitiu outra declaração que acrescentou mais dúvida do que clareza.
O Ministério da Defesa alegou que “uma proporção significativa do conteúdo destes relatórios [dos documentos] é falsa, manipulada ou ambos”.
Por que o segredo?
A hesitação do Ministério da Defesa do Reino Unido em fornecer todos os detalhes pode ter várias razões.
Em primeiro lugar, não seria interessante para o Reino Unido divulgar a extensão da sua captura de informações e os detalhes das comunicações interceptadas.
Mais importante ainda, nenhum dos lados quer uma escalada que possa levar um membro da Otan a um confronto militar com a Rússia.
Mas o incidente mostra, mais uma vez, como uma falha e um erro de cálculo cometidos por um indivíduo pode desencadear um conflito mais amplo.
O Ministério da Defesa disse agora à BBC que “este incidente é um lembrete claro das consequências potenciais da bárbara invasão da Ucrânia por Putin”.
Esta não é a primeira vez que um piloto russo imprudente tem como alvo uma aeronave da Otan no espaço aéreo internacional.
Em março deste ano, um jato russo derrubou um drone de vigilância não tripulado dos EUA, que também sobrevoava o Mar Negro. No incidente, o piloto russo recebeu uma medalha, mas a maioria dos especialistas concorda que foi mais uma questão de sorte do que de habilidade ou julgamento.
Os eventos levantam sérias questões sobre a disciplina e o profissionalismo da Força Aérea Russa.
Apesar do quase abate, a aeronave da RAF continuou a realizar voos de vigilância sobre o Mar Negro – um testemunho da coragem das tripulações que quase passaram por um desastre.
Desde o incidente, estes voos de vigilância da RAF têm sido escoltados por caças Typhoon armados com mísseis.
O Reino Unido é o único aliado da Otan a realizar missões tripuladas no Mar Negro.
Fonte: BBC
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