- Author, Marcos González Díaz
- Role, Correspondente da BBC News Mundo no México e América Central
El Salvador deixou de ser um dos países mais violentos do mundo. A nação centro-americana chegou a receber o concurso Miss Universo e os astros de futebol da equipe do argentino Lionel Messi.
O país certamente passou por muitas mudanças nos últimos anos. Agora, ele ocupa as manchetes internacionais com eventos que poucos poderiam imaginar que seriam realizados no chamado “Pequeno Polegar das Américas”.
A principal razão dessas transformações é a pacificação do país, atingida com a chamada “guerra contra as gangues”, liderada pelo presidente Nayib Bukele, que tentará a reeleição no domingo (4/2) – apesar de acusações de que sua candidatura infringiria a Constituição salvadorenha.
Sua estratégia de segurança é considerada tão bem sucedida quanto polêmica. Ela reduziu os homicídios aos níveis mínimos históricos do país, mas também gerou milhares de denúncias de supostas violações de direitos humanos.
Por outro lado, os índices de popularidade de Bukele não têm precedentes no país. Ele lidera as últimas pesquisas com 70 a 80% das intenções de voto.
Consciente da sua vantagem estratosférica sobre os demais candidatos, Bukele sequer apresenta um programa formal público de ideias e propostas de campanha. Ele não tem dúvidas de que as conquistas do seu primeiro mandato respaldam e garantem o apoio da maioria do povo salvadorenho.
“Somos um novo El Salvador, com uma nova história que começamos a escrever em 2019 [o ano da sua eleição]”, destaca Bukele. “O país é totalmente reconhecido por pessoas de todas as nações, que confirmam o nosso potencial.”
Mas como El Salvador mudou tanto desde que Bukele assumiu a presidência, há quase cinco anos? E o que se pode esperar de um hipotético, mas quase certo, segundo mandato?
Recordes de segurança
A principal mudança verificada durante o governo de Bukele, sem dúvida, é a redução de homicídios naquele que já foi um dos países mais violentos do mundo.
Dados do governo indicam que 2023 foi o ano mais seguro da história do país. Foram, em média, 0,4 homicídios por dia, o que coloca El Salvador como “o segundo país do continente americano e o primeiro da América Latina com o menor índice de homicídios, atrás apenas do Canadá”, diz o ministro da Segurança, Gustavo Villatoro.
Mas organizações como o Observatório Universitário de Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana de El Salvador criticaram os números do governo no passado. Eles acreditam que não há certeza de que estejam incluídas as mortes de supostos chefes de gangues em enfrentamentos com a polícia, ou aquelas ocorridas sob a custódia do Estado.
De qualquer forma, a realidade é que a maioria dos salvadorenhos garante que vive com mais tranquilidade, sem sofrer extorsões e podendo circular por regiões que, antes, eram tomadas pelas gangues que aterrorizaram o país durante décadas.
Oito em cada dez pessoas acreditam que El Salvador é um país mais seguro, ou não percebem um clima de medo, segundo um estudo publicado em janeiro pela Universidade Francisco Gavidia, de El Salvador.
O marco principal dessa estratégia foi o regime de exceção decretado no país em março de 2022. A decisão suspendeu as garantias constitucionais e multiplicou as denúncias de detenções arbitrárias sem ordem judicial e mortes sob a custódia do Estado.
“Este lugar não era nada seguro até que o presidente fez [o regime de exceção]. Acredito que o regime foi a melhor decisão que poderia ser tomada e que ele é o melhor presidente que já existiu”, afirmou a jovem Dennise durante uma visita da BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) ao bairro de La Campanera, nos arredores da capital do país, San Salvador, em março de 2023.
O bairro era um dos mais perigosos da capital e reduto da gangue chamada Barrio 18. Agora, é um exemplo de bairro recuperado.
A medida resultou, até o momento, na prisão de mais de 75 mil pessoas por supostos vínculos com as gangues. Destes, mais de 7 mil foram libertados, segundo os números do governo.
El Salvador se tornou o país com o maior índice de presos do mundo, o que ficou simbolizado pela construção do Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot) – a chamada “megaprisão”, definida por Bukele como a maior penitenciária do continente americano.
“A principal característica deste governo de Bukele foi uma séria deterioração democrática, acompanhada de políticas eficazes para reduzir a violência dos homicídios, mas à custa de atentar contra os pilares da democracia e de uma alta concentração de poder na sua figura”, resume Ana María Méndez-Dardón, diretora para a América Central do Escritório para Assuntos Latino-Americanos em Washington (WOLA, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Já a analista política e advogada salvadorenha Bessy Ríos concorda que “de fato, ele conseguiu controlar as gangues de forma muito impressionante, mas a um alto custo para a sociedade, que absorveu a narrativa de que foram suspensos os direitos ‘somente dos maus e não dos bons’.”
“E isso não é verdade: a suspensão de direitos em El Salvador atinge a todos”, afirma Ríos.
“Para o Executivo, funcionou o quid pro quo de ‘eu dou segurança em troca dos seus direitos humanos’. E é lamentável, porque as pessoas deveriam entender que o Estado não pode praticar extorsão e dar uma coisa em troca de outra. Ele deve garantir tanto os direitos humanos quanto a segurança”, diz ela, em entrevista à BBC News Mundo.
Turismo e megaprojetos
Com esta nova realidade, o governo de Bukele concentrou esforços para atrair a atenção para o país, demonstrando ao resto do mundo que El Salvador não é mais o país perigoso que era anos atrás e que muitas pessoas tinham medo de visitar.
Por isso, o pequeno país passou a sediar grandes eventos, como o concurso de Miss Universo e os Jogos Centro-Americanos e do Caribe.
Recentemente, o Inter Miami, de Lionel Messi, levou San Salvador à loucura, ao viajar para o país para enfrentar a seleção nacional de futebol em um jogo amistoso.
O turismo começou então a reagir. O aeroporto internacional da capital atendeu, no ano passado, cerca de 4,5 milhões de passageiros – um aumento de 32% sobre o ano de 2022.
De janeiro a setembro do ano passado, El Salvador passou a ser o quarto país do mundo com maior aumento da chegada de turistas internacionais (35%) em comparação com 2019, segundo a Organização Mundial do Turismo.
Neste sentido, o governo de Bukele apostou em iniciativas como a Cidade do Surfe, um projeto no litoral do país para tentar posicionar as praias de El Salvador como referência entre os turistas amantes do esporte.
Mas este projeto também já gerou os primeiros sinais de gentrificação da região e trouxe preços que dificilmente serão absorvidos pela população nacional.
“A zona costeira do país está sob ameaça de ser desalojada”, alerta o analista político César Artiga. “A especulação e a gentrificação são tão fortes que estão gerando terríveis focos de conflitos comunitários.”
No mais, a economia no mandato de Bukele foi marcada pela sua decisão de tornar El Salvador o primeiro país do mundo a adotar o bitcoin como moeda oficial. Mas, devido à falta de informações públicas sobre o assunto, a dificuldade de analisar o resultado dessa aposta é tão grande quanto a volatilidade da criptomoeda.
O que se sabe ao certo é que o uso do bitcoin nas ruas do país é totalmente ocasional.
Um estudo do Instituto Universitário de Opinião Pública da Universidade Centro-Americana, divulgado em janeiro deste ano, indica que 85% dos salvadorenhos não usaram o bitcoin em todo o ano de 2023.
Por fim, o país presenciou recentemente a construção de grandes megaprojetos financiados pela China.
Um deles é a Biblioteca Nacional, uma imponente urna de cristal com sete andares e 24 mil metros quadrados, que funciona todos os dias, 24 horas por dia, desde a sua inauguração, em novembro passado.
O que aconteceria em um segundo mandato?
A esta altura, a grande questão é o que espera El Salvador a partir de segunda-feira (5/2), após a mais que possível vitória de Bukele nas urnas.
Na falta de um plano de governo público, tudo parece indicar que ele apostará pela continuidade, reiterando a importância das áreas de segurança e construção de obras.
“Quero ver nosso país como uma nação desenvolvida e uma população que tem suas necessidades básicas atendidas (…). O que quero ver no final do meu mandato é pelo menos um processo de mudança irreversível, no qual El Salvador já esteja no caminho do progresso, sem que se possa detê-lo com facilidade”, declarou Bukele em conversa de áudio ao vivo organizada na sua conta no X (antigo Twitter), no início de janeiro.
Bukele também afirmou nesse encontro que apostará no aumento da construção de moradias. Ele disse que está ciente do grande aumento de preços no setor, que garantiu ser uma consequência do aumento do turismo e do retorno de cidadãos salvadorenhos no exterior, causado pela maior segurança interna do país.
Os especialistas consultados pela BBC News Mundo concordam que, solucionado o problema da violência, a economia seria um dos grandes desafios de um segundo governo Bukele. O preço da cesta básica aumentou, em média, quase US$ 54 (cerca de R$ 267) no país, entre 2019 e outubro de 2023. O salário mínimo em El Salvador é de US$ 365 (cerca de R$ 1,8 mil).
“Este governo gastou todo o dinheiro possível, endividou o país, sua economia continua vivendo das remessas do exterior, dos empréstimos (…). O país não progride, não há emprego, continua existindo pobreza… Isso irá prejudicar a popularidade do governo e ele sabe disso”, afirmou à BBC News Mundo José Miguel Cruz, diretor de pesquisas do Centro Kimberly Green para a América Latina e o Caribe da Universidade Internacional da Flórida, nos Estados Unidos.
A previsão do Banco Mundial para El Salvador em 2023 indicava um crescimento econômico de 2,8%, mas o Fundo Monetário Internacional posicionou sua previsão em 2,2% – o menor de toda a América Central.
“Somos o país que menos cresce e também o que atrai menos investimentos estrangeiros diretos”, concorda o acadêmico Óscar Picardo, diretor do Instituto de Ciências, Tecnologia e Inovação da Universidade Francisco Gavidia.
Segundo ele, “em dois ou três anos, existem compromissos financeiros muito importantes e não sabemos de onde tirar o dinheiro, pois o país é muito limitado e vulnerável”.
“Acredito que este seja o grande desafio que pode fazer cair o castelo de cartas, se não for resolvida a questão econômica”, acrescenta Picardo.
Bessy Ríos acredita que Bukele continuará trabalhando para atrair investimentos internacionais.
“O problema é que a mão de obra salvadorenha é mal qualificada”, afirma ela. “É muito difícil mudar uma população formada para trabalhar na indústria de transformação para que passe a produzir chips e produtos de tecnologia sem apostar na educação. Conseguir empresas que venham pagar bons salários depende da formação profissional.”
César Artiga é o coordenador da equipe que promove no país o Acordo de Escazú, um tratado que obriga os Estados centro-americanos e da área do Caribe a proteger os defensores do meio ambiente. Ele acredita que, neste segundo mandato, as grandes obras e megaprojetos terão importância especial para o governo de Bukele, como o aeroporto do Pacífico em La Unión e o novo estádio nacional, já em construção.
“Isso me preocupa porque vai criar uma tendência perigosa”, afirma. “Com a flexibilização das normas ambientais, já estamos vendo o surgimento de muitos conflitos territoriais, pois existem ameaças muito fortes de desapropriação de terras em todo o país.”
Outra mudança ocorrerá em maio, quando entra em vigor a redução já aprovada de 262 para 44 municípios.
Segundo o governo, a medida vai permitir uma economia de US$ 250 bilhões (cerca de R$ 1,24 trilhão) por ano, mas seus críticos acreditam que o objetivo é concentrar ainda mais poder na figura do governo central.
Além disso, a próxima legislatura será a primeira com 60 deputados em vez de 84. Os opositores também observam esta redução como uma tática de Bukele para aumentar o seu controle.
Em relação à sua famosa “guerra contra as gangues”, Bukele insiste, em mensagens publicadas nas suas redes sociais, na necessidade de “proteger as conquistas no setor de segurança”. Por isso, não são esperadas mudanças no regime de exceção, que está por completar dois anos.
“Ele manterá o regime de exceção porque, do meu ponto de vista, ele deixou de ser uma ferramenta para ser a própria política de segurança”, segundo Ríos. “Eles continuam vendendo o temor de que, se o regime for retirado, os chefes das gangues saem; como se as demais transformações legais que eles fizeram não fossem funcionar.”
“Ele insistiu em projetar uma imagem de Make El Salvador Great Again”, afirma Méndez-Dardón – ou “Tornar El Salvador Grande Novamente”, uma referência ao slogan de Donald Trump nos Estados Unidos.
Mas, neste novo mandato, “a prioridade deveria ser restabelecer os direitos humanos e as garantias constitucionais no país”, segundo ela.
“O Estado de Direito foi praticamente destruído e é preciso resolver o grave problema dessas políticas de segurança. Ao lado das questões financeiras e econômicas, estes são os problemas sérios do país que estão sendo deixados de lado”, conclui a diretora da WOLA.
Mas Bukele desconsidera as críticas internacionais. “El Salvador está renascendo”, proclama o presidente.
“Devemos acreditar na nossa capacidade, como os demais países já fazem. Pessoas de outros países já acreditam na nossa capacidade. Devemos nos sentir orgulhosos de tudo o que conseguimos em tão pouco tempo”, afirma ele, à espera de conseguir um novo mandato.
*Com colaboração de Leire Ventas, correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles (EUA).
Fonte: BBC
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