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Novas diretrizes do COI para atletas trans privilegiam inclusão, mas especialistas temem distorções

Meses após a primeira participação de uma atleta trans em Jogos Olímpicos — a neozelandesa Laurel Hubbard competiu em Tóquio-2020 no levantamento de peso —, os holofotes miraram a nadadora americana Lia Thomas, da Universidade da Pensilvânia, que se destacou na competição universitária do país, em março, reacendendo a eterna polêmica da vantagem da mulher trans em relação à cisgênero. Entre um evento e outro, o Comitê Olímpico Internacional (COI) lançou, oficialmente, o novo documento da entidade para a inclusão e não discriminação de gênero, que vem dividindo opiniões entre especialistas no assunto desde a área médica às teorias sociais.

Entre os pontos positivos apontados por alguns está a visão mais inclusiva do COI, que retira das suas diretrizes a obrigatoriedade de testes e níveis pré determinados de testosterona (principal marcador biológico utilizado para avaliar possíveis ganhos atléticos entre os gêneros), recomenda a aceitação de todos de acordo com a sua identidade de gênero e orienta que cada esporte tenha sua própria política de inclusão de acordo com as características da modalidade. O documento foi elaborado após consulta de mais de 250 pessoas e entidades de diversas áreas do conhecimento.

“Com a estrutura do COI dizendo que nenhum atleta tem uma vantagem inerente por causa de quem eles são, os órgãos nacionais e as federações internacionais deveriam priorizar a inclusão em vez de procurar maneiras de manter as pessoas fora do esporte. Se adotarmos essa abordagem, o cenário do esporte pode mudar de forma muito positiva em termos de inclusão”, acredita o ativista e triatleta trans americano Chris Mosier.

Por outro lado, as políticas de inclusão a cargo das federações internacionais e órgãos nacionais podem criar mais distorções sem um padrão estabelecido pelo COI. Alguns cientistas da Federação Internacional de Medicina Esportiva alegam que o documento da entidade tira força dos princípios médicos e científicos, tornando o esporte mais injusto.

“O COI considerou apenas questões de direitos humanos e não questões biológicas. Assim, eles produziram um documento que pode ser ignorado por muitos órgãos governamentais esportivos. O COI corre o risco de se tornar irrelevante em futuras discussões sobre como lidar com o assunto porque está preocupado apenas com os direitos humanos”,  contesta a corredora trans Joanna Harper, que publicou a primeira análise de desempenho de atletas transgêneros em 2015.

Alguns órgãos já estão em movimento para modificar suas diretrizes. A USA Swimming (responsável pela natação nos Estados Unidos) endureceu seus critérios para atletas trans no início deste ano, pouco antes das competições universitárias. Agora, a entidade exige testes de testosterona abaixo de 5nmol/l — até o novo documento o COI estabelecia 10nmol/l — nos últimos 36 meses.

A FINA (Federação Internacional de Natação), por exemplo, exige os exames dos últimos 12 meses, mas desde janeiro vem debatendo a mudança das diretrizes de inclusão de atletas trans.

Dentro desses parâmetros, Lia Thomas, de 22 anos, não poderia participar das competições. Mas a NCAA, organizadora dos esportes universitários, decidiu adotar as diretrizes da FINA para não mudar as regras no meio da temporada. O caso de Lia, que não é federada pela USA Swimming e encerra a universidade este ano, abriu portas para discussões políticas em diversos estados conservadores que querem proibir a participação de atletas trans no esporte por meio de lei.

“Esse último documento melhora a abordagem. É quase um pedido de desculpas do COI. Mas há problemas ao deixar margem para investigações de performance após as provas e não ter uma certeza de fiscalização por parte do COI. Alguns vão ter olhar discriminatório e o COI vai permitir. Além disso, a entidade continua pensando apenas no sistema binário, que exclui a diversidade de corpos “, diz Waleska Vigo, doutoranda pela Escola de Educação Física e Esporte da USP e integrante do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO-USP).

O endocrinologista e consultor da Autoridade Brasileira do Controle de Dopagem (ABCD), Rogério Friedman, reconhece que não há estudos definitivos que estabeleçam critérios únicos. Ele considera que estabelecer parâmetros por esporte, levando em consideração as particularidades de cada um, é o melhor caminho.

“O debate não se encerra com esse documento. É dinâmico e estará sempre sendo reavaliado. Mas o caminho escolhido é o da inclusão, que é o princípio do esporte: justo e inclusivo”.

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Fonte: Folha PE

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