- Mariana Sanches
- Enviada da BBC News Brasil a Boston
“Não existe salvador da pátria. Precisamos das cabeças, não é a hora de ficar brigando em praça pública, de ficar dizendo ‘você é bobo, você é feio, você é chato'”, disse Luciano Huck a uma plateia de políticos, empresários e jovens brasileiros estudantes das prestigiosas universidades Harvard e MIT, em Boston, nos EUA, no sábado (09/04).
O apelo de Huck era em si o resumo do tom da 8ª edição da Brazil Conference, que juntou os cinco postulantes à terceira via nas eleições presidenciais de 2022 — Sergio Moro (União Brasil), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e Eduardo Leite (PSDB) — além do próprio apresentador, que anunciou no ano passado sua desistência da corrida eleitoral. Nenhum desses nomes conseguiu, até agora, superar os 10% de intenção de votos nas diferentes sondagens eleitorais este ano.
Diante de um eleitorado que, em 2018, deu quase 80% dos votos a Bolsonaro ainda no primeiro turno (e 87% no segundo, contra 13% para o petista Fernando Haddad), parte da elite financeira e intelectual do país tentava rascunhar uma candidatura viável e alternativa a Lula (PT), atual primeiro colocado nas pesquisas, e Jair Bolsonaro, que, em segundo, tenta a reeleição pelo PL.
E, na impossibilidade desse caminho alternativo, se preparavam para, nas palavras de um dos representantes dos patrocinadores na plateia, “tampar o nariz e votar no Lula mesmo”.
‘Novo presidente no ano que vem’
“Estamos em meio a um processo eleitoral e teremos um novo presidente no ano que vem”, disse o empresário e bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, nos últimos segundos de sua participação na Brazil Conference, ao dizer que nos próximos 12 meses espera ver mudanças no país.
“Meu objetivo básico no Brasil é tentar melhorar a educação. Estamos preparando um novo kit de como melhorar a educação no Brasil, que é o que acho que o Brasil mais precisa”, afirmou Lemann, no comando de uma mesa de debate na qual ele não era o único bilionário (dividia o espaço com Henrique Dubugras, que segundo a revista Forbes amealha hoje patrimônio de US$ 1,5 bilhão, enquanto Lemann possui US$ 16,2 bilhões).
Abordado pela BBC News Brasil, Lemann disse que preferia não falar e não chegou a dizer quem, afinal, ele desejava ver no Palácio do Planalto em 2023.
O diálogo, ao apertar as mãos do ex-juiz Sergio Moro à beira do palco, por exemplo, foi lacônico. Moro se apresenta como presidenciável, embora seu partido, o União Brasil, não confirme o nome do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro para o posto. “E aí? Saiu da Suíça pra dar palestra?”, perguntou o ex-juiz ao bilionário, que vive na região de Zurique. Lemann respondeu que gosta “dessa juventude”, se referindo aos estudantes brasileiros em Boston, e a isso se resumiu a interação dos dois naquele momento.
A Fundação Lemann é patrocinadora do evento, que, diferente de edições anteriores, não contou com a participação de nenhum representante da gestão Bolsonaro. Segundo envolvidos na organização da Brazil Conference, o presidente não foi convidado, já que sua presença esbarraria em um problema de ordem prática: o evento exigia que todos os participantes — tanto palestrantes quanto plateia — exibissem seus comprovantes de vacina contra a covid-19 no momento da entrega de credenciais. Bolsonaro nega que tenha sido imunizado.
Mas nomes como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da economia Paulo Guedes e a ministra da agricultura Thereza Cristina foram chamados a comparecer, porém não vieram.
Na ausência de quem o defendesse, o governo Bolsonaro se tornou alvo certo no evento.
“O Brasil perdeu a capacidade de liderar qualquer agenda internacional, o que é um pecado. Hoje a gente não é referência internacional em coisa nenhuma. O retrocesso que a gente teve no Brasil em meio ambiente nos últimos anos é abissal”, afirmou Luciano Huck, que já disse ter votado em branco em 2018 mas também já afirmou que Bolsonaro poderia ser uma “chance de ressignificar a política”. Huck criticou ainda o que chamou de “liberalismo Chicago anos 1980”, em referência a Guedes.
Já o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso qualificou a atual gestão como “negacionista” e “populista” e disse que a democracia está sob ataque no país.
“No Brasil houve comício na porta do Quartel General do Exército, pedindo a volta do regime militar, o fechamento do Congresso e Supremo. Isso não é natural. Houve uma manifestação no 7 de setembro com ofensa a pessoas, a instituições e afirmação de descumprimento de decisões judiciais, isso não é natural. No Brasil, houve e continua a haver ataques infundados à honestidade e integridade do processo eleitoral, e nunca se verificou fraude. Isso não é normal”, afirmou Barroso, sem citar diretamente Bolsonaro, mas mencionando atos dos quais o presidente foi protagonista.
O Padre Júlio Lancelotti, da pastoral do povo de rua de São Paulo, criticou o relacionamento de lideranças religiosas com o Executivo. Nos últimos dias, o titular do Ministério da Educação, Hamilton Ribeiro, foi trocado depois de denúncias de que dois pastores evangélicos tinham influência sobre a alocação de verbas públicas da pastas. Os envolvidos negam malfeitos.
“No Brasil, é importante que exista um Estado laico de verdade. Não é aceitável a teocracia. Não dá pra dizer Deus acima de todos. Deus não está acima de ninguém, ele está no meio de nós”, disse Lancelotti, em referência ao slogan eleitoral de Bolsonaro em 2018.
Qual Via?
Se pessoas de perfis tão distintos como o padre, o astro de TV e o ministro do STF concordaram sobre seu alvo, tarefa bem mais difícil foi encontrar um caminho único tanto para propostas como para o nome que representará a terceira via.
“O que eu mais ouvi nesses últimos dois meses foi que precisamos de uma terceira via, e tapinha nas costas. Se as pessoas não se mobilizarem, nós não teremos (terceira via). E serão mais quatro anos perdidos e com degeneração institucional”, disse Moro, durante sabatina em que se irritou ao ser questionado sobre troca de mensagens com os procuradores da Operação Lava Jato enquanto ele ainda era juiz do caso. Em junho do ano passado, Moro foi considerado suspeito pelo STF para julgar Lula e as condenações que levaram o ex-presidente à prisão foram anuladas.
Nas últimas semanas, Moro protagonizou uma troca de partidos — deixando o Podemos para se juntar ao União Brasil (fusão entre PSL e DEM) e, com o movimento, teve que, oficialmente, abrir mão oficialmente da candidatura presidencial, já que parte da agremiação negocia apoio com Ciro Gomes e até mesmo com Lula. Embora se diga “desprendido” de ambições pessoais, Moro nega que aceitará se lançar candidato a deputado federal. E lançou um novo site de campanha (cujo slogan é “Com o Cara e a Coragem”) em que tenta se apresentar ao eleitorado nacional para além da figura do juiz — embora suas propostas inevitavelmente sempre voltem para o combate à corrupção como prioridade.
“É especialmente importante que o candidato da terceira via seja um nome competitivo, o que a gente vinha vendo é que meu nome aparecia em terceiro lugar, então meu nome vai ter uma participação importante”, argumenta o ex-juiz, alfinetando os demais postulantes a titulares da terceira via.
“Quando falam que eu não pontuo (nas pesquisas eleitorais) é porque não apresentamos a cara do centro democrático ao Brasil. O centro democrático não pontua porque não tem nome, não tem cara, mas teremos. E me perdoe o juiz Moro, mas ele não é o pré-candidato do União Brasil”, rebateu a senadora Simone Tebet, pré-candidata presidencial pelo MDB, que aparece com até 1% das intenções de voto nas sondagens. Segundo Tebet, para quem a prioridade da terceira via deveria ser a erradicação da miséria no país, no dia 18 de maio, União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania definirão quem será seu candidato único, com base em pesquisas eleitorais.
Pesquisas são também o critério que Ciro pretende usar para convencer o União Brasil a patrocinar sua candidatura. Ciro, no entanto, rechaça qualquer possibilidade de compor chapa com Moro, a quem chamou de “bandido” durante sua sabatina na Brazil Conference.
Questionado se poderia oferecer uma versão “paz e amor” de si mesmo, em alusão à candidatura de Lula em 2002, Ciro respondeu em inglês: “Never!” (Nunca). “Eu falo o que eu quero, do jeito que eu quero, uso palavrão. Estou aqui exibindo a minha vida, tenho essa personalidade”, justificou-se. O pedetista afirmou que seu projeto é “transformar o Brasil em uma Espanha em 30 anos”, criticou Lula por ter dito que o aborto deveria ser legalizado por ser uma questão de saúde pública e questionou as gestões fiscais dos tucanos João Doria e Eduardo Leite.
Doria, ex-governador por São Paulo, foi o vencedor de prévias presidenciais do PSDB, que racharam o partido. Em sua sabatina, ele disse que “antes de entrar na vida pública, eu era um liberal, mas hoje, me confesso um liberal social” depois que, segundo ele, viu “a dimensão real da pobreza”, e a importância do Estado para reduzir as diferenças sociais.
Doria tentou minimizar a falta de apoio de sua legenda à empreitada presidencial. “O PSDB é um partido democrático, que não tem dono, e tem esse exercício dos que concordam e não concordam”. Chamou opiniões contrárias a ele entre os tucanos de “teses mais antigas e não contemporâneas” e citou haver uma busca por um “consenso” entre seu partido, o MDB e o União Brasil sem, porém, adiantar se abriria mão de sua candidatura em favor de um candidato único.
“Estou na pista para negócios”, declarou o ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), para a mesma plateia, menos de duas horas depois da sabatina de Doria. Embora derrotado pelo colega nas prévias, Leite fez circular no evento que seu nome está, sim, colocado para a presidência da República. Defendeu uma nova geração para programas de transferência de renda e “ajustes” ao teto de gastos, sem detalhar essas ideias. E disse que o investimento em matrizes energéticas limpas são o futuro do Brasil no século 21. Leite ganhou ao menos um endosso de peso. Huck sugeriu publicamente que Leite será seu candidato.
A aparente dificuldade de um consenso de ideias e nomes na terceira via foi bem traduzida por uma piada não ensaiada que o ator Antonio Tabet lançou fora do palco. Depois da exposição do ministro do STF Luis Roberto Barroso sobre o estado da democracia, Tabet comentou: “Gostei do seu programa de governo”. Barroso riu, mas rechaçou de pronto: “não sou, nem jamais serei candidato”.
“Quero ver o quadro de opções se estabelecer, ainda é cedo pra dizer. Mas sei que não quero que esse governo se reeleja”, disse reservadamente à BBC News Brasil um dos ilustres convidados da Brazil Conference, historicamente refratário ao PT, mas que parecia abrir uma brecha para a campanha petista em 2022.
Coube ao senador petista Jaques Wagner, um dos mais próximos auxiliares de Lula, tornar o ex-presidente uma figura mais palatável a esse grupo de eleitores pouco simpáticos ao PT mas decepcionados ou arrependidos com a escolha de Bolsonaro. Em sabatina na Brazil Conference, a estratégia de Wagner incluiu elogiar a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que “trouxe estabilidade econômica e responsabilidade fiscal ao país”, e tentar provar que a polarização entre PT e PSDB, que vigorou entre 1994 e 2014, foi o que ele qualificou como um “azar histórico” e não o resultado de diferenças irreconciliáveis.
“É preciso um governo de união nacional. O Lula sabe que esse não será um governo do PT apenas, mas de uma junção”, afirmou o senador petista, que garantiu aos presentes que o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, tucano histórico recém-filiado ao PSB, não foi convidado para vice para ser “um figurante na chapa”.
E relembrou que o primeiro governo do petista, eleito em 2002, teve no Banco Central o banqueiro Henrique Meirelles e no Ministério da Agricultura o ruralista Roberto Rodrigues.
Em um tom que fez lembrar a histórica Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, na qual Lula dava garantias às elites brasileiras de que respeitaria as regras do jogo, Jaques Wagner rechaçou a ideia – repetida por Moro – de que Lula fosse um “extremista” ou um “radical de esquerda”.
“Lula não é um cara formado dogmaticamente no campo da esquerda brasileira, não se formou lendo os livros que todo mundo lê na esquerda, ele se formou na vida. Ele é um cristão justiceiro social”, definiu o ex-governador da Bahia.
Ciente de que parte dos empresários e da elite teme que Lula possa tentar algum tipo de vingança no poder, Wagner reconheceu que Lula deixou a prisão, no Paraná, “mais ácido”, mas assegurou que o ex-presidente estaria disposto a conversar com todo mundo, “até com aqueles que riram da morte da Marisa (Letícia)”, em referência às piadas feitas por médicos quando a ex-primeira-dama teve o acidente vascular cerebral que lhe seria falta. “Não é da natureza dele o rancor, ele vai governar na generosidade que o caracteriza”, disse Wagner.
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