• Nathalia Passarinho – @npassarinho
  • Da BBC News Brasil em Londres

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Tatiana Gonzaga ia votar em Bolsonaro em 2018, mas desistiu após ver declarações dele sobre mulheres e negros

A fé evangélica é central da vida de Tatiana Gonzaga, de 20 anos, que frequenta a Assembleia de Deus, em Santíssimo, no Rio de Janeiro. A mãe dela foi missionária, o pai era pastor e a irmã lidera o grupo de jovens da igreja. Influenciadora digital com mais de 300 mil seguidores no TikTok e quase 90 mil no Instagram, ela usa as redes sociais para falar de moda, fazer vídeos de humor e também desmistificar estigmas sobre evangélicos.

“As pessoas têm essa ideia de que evangélico tem que usar coque, saia abaixo do joelho, e não é assim”, diz ela. Tatiana não se esquiva de temas polêmicos e de se posicionar publicamente sobre política. Em 2018, planejava votar em Bolsonaro, ao saber que havia um candidato que se apresentava como cristão e tinha Deus no slogan de campanha, mas mudou de ideia depois que uma professora sugeriu que pesquisasse mais sobre o então candidato à Presidência.

A jovem conta que, ao procurar mais informações sobre Bolsonaro, ficou impactada por dois vídeos em particular: um em que ele sugere que mulheres não devem ganhar o mesmo salário que homens porque engravidam e outro em que ele declarou, numa palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, que quilombolas “não servem nem para procriar”.

“Não adianta você se dizer cristão e não fazer o bem. Eu vi que ele é uma pessoa que apoia causas que eu não apoio, um tipo de homem que rebaixa uma mulher por ser mulher, que é preconceituoso com outras pessoas de outras religiões”, diz.

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‘Não adianta você se dizer cristão e não fazer o bem’, defende Tatiana

“Daí eu percebi que não faz sentido votar em alguém pelo simples fato de ele se dizer cristão. Ele pode se dizer cristão e não seguir os preceitos, não agir como cristão.”

Tatiana diz que na eleição de 2022 pretende votar em Lula.

“De todos os candidatos que estão aí, Lula é o que mais se aproxima dos preceitos cristãos, que tem uma preocupação com o pobre.”

“Eu procuro um candidato que queira realmente mudar o quadro que está o país, porque literalmente virou um caos. As pessoas estão comprando osso para comer em casa, é desumano. Quero uma pessoa que fique indignada, porque muitas pessoas estão sendo realmente esquecidas por serem pretas e por serem pobres.”

O poder das mulheres evangélicas

Tatiana se enquadra no perfil majoritário de evangélicos no Brasil. É jovem, mulher e negra. Segundo pesquisa Datafolha de 2020, 58% dos evangélicos são mulheres, 59% são pretos ou pardos e mais de 60% têm entre 14 e 44 anos.

É só entrar na casa de Tatiana para perceber três coisas: a união da família, a forte presença da fé evangélica e o estímulo ao pensamento crítico. “Lá na nossa Igreja, temos um grupo jovem e a gente é bem liberal. A gente discute bastante sobre assuntos polêmicos e cada um dá a sua opinião. É claro que tem aquelas divergências, mas com respeito”, conta.

“Sobre aborto, por exemplo, eu não posso simplesmente apontar o dedo na cara de uma menina que foi abusada sexualmente, que engravidou e que quer tirar aquela criança por conta de um trauma muito grande. Não posso dizer: ‘você não vai fazer isso porque você vai pro inferno’ ou dizer que ela precisa seguir o que eu acredito. Precisamos ter em conta os direitos humanos e chegar a um consenso.”

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Tatiana se enquadra no perfil majoritário de evagélicos no Brasil. É jovem, mulher e negra

Segundo especialistas, mulheres como Tatiana terão papel decisivo na eleição presidencial. Em 2018, quase 70% dos evangélicos votaram em Jair Bolsonaro — apoio maciço que ajudou a alimentar a ideia de que seriam um grupo quase homogêneo, que vota em bloco. Naquele ano, os evangélicos definiram o resultado, dando 11 milhões de votos a mais a Bolsonaro na disputa com o candidato do PT, Fernando Haddad.

Mas, neste ano, pesquisas de intenção de voto mostram que a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa tem provocado rachas nesse eleitorado — homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre os dois candidatos.

Pesquisa Genial/Quaest divulgada em 11 de maio mostra que 33% apoiam Bolsonaro, enquanto 31% pretendem votar no petista. Outras 27% não querem nem Lula nem Bolsonaro.

“3ª via não apareceu, pelo menos Bolsonaro fala em família”

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Luciene, de Salvador, chegou a depositar esperanças na chamada terceira via, mas agora está decidida a repetir o voto em Bolsonaro

Como muitos eleitores, Luciene Pereira, de 49 anos, chegou a depositar as esperanças na chamada terceira via, após se decepcionar com a gestão de Bolsonaro na pandemia. Moradora de Salvador e frequentadora da Assembleia de Deus, ela votou no atual presidente em 2018 e, agora, procurava uma alternativa a ele e Lula.

“Como presidente de uma nação, Bolsonaro podia usar a mídia para dar um conforto às famílias que estavam perdendo seus entes queridos. Muitas vezes, a gente se sentia abandonado, tipo solto, como se não tivesse ninguém por nós. A gente sentia como se ele estivesse legislando contra nós brasileiros, ele sendo o nosso presidente.”

Mas Luciene diz que os candidatos da chamada terceira via não apresentaram propostas convincentes. Por isso, vai repetir o voto em Bolsonaro. “O que nos prende, o que nos move, é a família. E, de uma forma ou de outra, se é verdadeiro nele ou não, Bolsonaro fala de família. Você não vê nenhum outro candidato se posicionar em relação à família, entende?.”

A preocupação em “proteger a família” é, de fato, central na fala de todas as mulheres com quem a BBC News Brasil conversou, apesar de declararem voto em candidatos diferentes. A ideia de proteção à família não está necessariamente associada a uma oposição a direitos LGBT – vai muito além da chamada pauta da moralidade. Ao serem perguntadas sobre que tipo de proteção desejam, as mulheres entrevistadas enfatizaram desejo por mais creches, melhores escolas, acesso à saúde e controle da violência.

“Saúde e violência são temas que nos preocupam muito. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde que é modelo no mundo. O que falta é aplicar bem as políticas públicas que a gente tem, com fiscalização e ter verba para isso”, defende Luciene, que é assistente social.

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