- Author, Bernd Debusmann Jr
- Role, BBC News em Washington
À primeira vista, o Condado de Starr, no Texas, é um lugar tranquilo.
Suas colinas, suavemente onduladas, estão cobertas de arbustos. Muitos de seus vilarejos parecem tirados de filmes do Velho Oeste.
Mas a fronteira com o México nunca está longe. Nos dias tranquilos, em povoados como Roma, os moradores podem ouvir conversas, crianças brincando e até galos cantando no outro lado do Rio Grande.
Por décadas, o Condado, que é próximo do rio e do acesso a estradas, é um ponto de passagem concorrido por imigrantes — e agora, o local está no centro do acalorado debate sobre a segurança das fronteiras americanas.
Em outubro, o governo do presidente Joe Biden anunciou que construiria mais um trecho de muro na fronteira com extensão de 32 km — um plano que contrasta fortemente com a declaração de 2020 do então candidato Joe Biden de que não construiria mais o muro caso eleito.
Embora o governo Biden afirme que o novo trecho está sendo construído a seu contragosto, devido a verbas que já haviam sido destinadas para tal pelo governo anterior em 2019, o anúncio provocou mais uma vez um intenso debate sobre a controversa medida de controle fronteiriço que era uma marca do presidente Donald Trump.
No total, o antigo presidente ordenou a renovação ou o fortalecimento de cerca de 740 km do muro, embora apenas 80 km fossem novos.
Desde que deixou o cargo, Trump e alguns parlamentares republicanos têm pedido mais investimentos no muro, face ao aumento do número de imigrantes na fronteira sul.
O debate inclui a pergunta: os muros na fronteira são eficazes para o objetivo a que se propõem, ou seja, frear a imigração?
O que dizem dados e especialistas
Dados do Departamento de Segurança Interna divulgados no final de 2020 afirmaram que novos trechos do muro chegaram a reduzir a entrada ilegal em alguns pontos em quase 90%.
Estudos de outras instituições, entretanto, sugeriram resultados mais modestos.
Uma análise de dados feita pelo Cato Institute, por exemplo, destacou que a Patrulha da Fronteira registrou mais apreensões e travessias ilegais mesmo antes do fim do mandato de Trump — o que, segundo o instituto, sugere que o muro não teve sucesso em conter a imigração.
Uma outra pesquisa, publicada na revista científica American Economic Review: Applied Economics, concluiu que as barreiras fronteiriças reduziram a imigração em 35%. No entanto, o estudo não encontrou dados que mostrem que o muro seja mais eficaz do que investir na contratação de mais agentes de fronteira.
Doris Meissner, ex-comissária do extinto Serviço de Imigração e Naturalização dos EUA, disse à BBC que as barreiras podem ser eficazes para “redirecionar” os fluxos de imigrantes para áreas que são mais fáceis de patrulhar.
“A ideia de ter uma barreira lá [no Condado de Starr] é que os agentes e veículos da Patrulha da Fronteira não precisem se espalhar por distâncias enormes, mas por distâncias que as pessoas atravessam”, explicou Meissner, que agora é membro sênior no Migration Policy Institute, com sede em Washington DC. “Isso parece ser o que estão pensando com esta proposta.”
‘Não é intransponível’
O próprio termo “muro” pode não ser tão exato. No seu site, a Patrulha da Fronteira descreve as barreiras fronteiriças incluindo tudo, desde cercas com estacas a diques de concreto e aço.
Há também as “barreiras da Normandia”, grandes barricadas de metal projetadas exclusivamente para impedir intrusões de veículos, mas transitáveis para pessoas a pé.
De acordo com o órgão, a construção do novo trecho de muro consistirá em painéis de vedação de aço de 5,4 m colocados em barreiras portáteis de concreto, reforçados por “tecnologia de detecção” e iluminação.
Mas especialistas apontam que mesmo os trechos com barreiras altas e sólidas não são de forma alguma impenetráveis. Os migrantes muitas vezes encontram maneiras de escalar as barreiras usando escadas ou cordas ou rompendo-as.
“Na verdade, é apenas mais um obstáculo. Provavelmente, levará apenas mais alguns minutos para chegar aos EUA”, diz Adam Isacson, pesquisador do Washington Office on Latin America.
“Esta não é de forma alguma uma barreira intransponível. É mais difícil para as crianças, os idosos ou as pessoas com deficiência. Muitas pessoas morrem ou ficam gravemente feridas ao cair dela. Mas ela não parece deter as pessoas.”
Os muros, acrescenta Isaacson, também são “irrelevantes se o objetivo é entregar-se” e procurar asilo formalmente — objetivo que nos últimos meses constituiu uma “maioria significativa” do perfil de imigrantes.
Uma vez atravessada a fronteira, os requerentes de asilo estão legalmente autorizados a contestar a deportação.
Ao longo da fronteira, onde as comunidades estão há muito habituadas a ficar na linha da frente do debate sobre a imigração, as notícias da extensão do muro suscitaram sentimentos mistos.
Vários moradores de cidades fronteiriças disseram à BBC que, embora queiram um controle de fronteira forte, opõem-se a um muro. Outros estão abertos à ideia, mas preocupados com a forma como isso será implementado.
A ativista Jessie Fuentes, moradora de Eagle Pass, diz que “lutou muito” contra os esforços anteriores para a ampliação do muro, mas no final das contas sentiu que as barreiras foram “bem projetadas” e “estabelecidas estrategicamente”.
“As cercas têm um propósito”, afirma ela. “Se vai ajudar a Patrulha da Fronteira a controlar ou a estabelecer uma rota onde os migrantes possam encontrar abrigo ou alívio, então isso é uma coisa boa… Mas isso não deve fazer as pessoas pensarem que estamos isolando tudo. “
Alex Garcia, morador do condado de Webb (vizinho do condado de Starr), diz que “compreende” a necessidade de uma barreira, mas está preocupado com o impacto ambiental dela e com a possibilidade dos imigrantes “se machucarem” ao tentarem atravessá-la.
Como proposta, os muros fronteiriços são anteriores ao presidente Biden e ao ex-presidente Trump. Todos os presidentes recentes dos EUA construíram ou reforçaram trechos de barreiras ao longo da fronteira, incluindo 205 km durante a administração de Barack Obama.
Estas barreiras, observam os especialistas, tiveram pouco impacto a longo prazo nos fluxos migratórios e nos fatores que, em última análise, determinam a quantidade de imigrantes que chegam à fronteira entre os EUA e o México.
Arturo Sarukhan, que serviu como embaixador do México nos EUA entre 2007 e 2013, diz que “não se pode forçar a saída de uma crise migratória”.
“Não é possível enfrentar os desafios do século 21 com soluções do século 1 a.C.”, afirma.
“O único efeito que isto terá é aumentar ainda mais os lucros do contrabando e do tráfico de pessoas pelo crime organizado. É brincar de Whack-a-Mole [um jogo] com os fluxos migratórios e padrões de travessia para os EUA em direção a rotas e regiões fronteiriças mais perigosas”.
Fonte: BBC
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