Crédito, Vinícius C. Cláudio/Fiocruz/Promasto

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O Histiotus alienus capturado em 2018 no Paraná

Em 1916, um naturalista inglês que viajava pelo Sul do Brasil fez a primeira descrição do Histiotus alienus, um pequeno morcego. Desde então, a espécie nunca mais havia sido observada por outros especialistas.

Mas essa história ganhou uma reviravolta mais de um século depois. Em 2018, pesquisadores brasileiros capturaram um representante desse grupo de mamíferos voadores.

Após cinco anos de estudos e comparações, eles finalmente puderam concluir que o Histiotus alienus havia sido de fato redescoberto.

Segundo os especialistas, esse tipo de trabalho é fundamental para conhecer a biodiversidade brasileira — e reforça a necessidade de preservar biomas ameaçados, como a Mata Atlântica, o lar deste e de outros tipos de morcegos.

Conheça a seguir todos os detalhes do Histiotus alienus e como foi possível reencontrá-lo na natureza após um “sumiço” de mais de 100 anos.

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O primeiro encontro

O zoólogo inglês Michael Rogers Oldfield Thomas (1858–1929) é reconhecido como um dos maiores especialistas em mamíferos e um dos mais habilidosos taxidermistas de seu tempo.

Ao longo das décadas de carreira, ele descreveu mais de 2 mil espécies diferentes de animais. Sua vida profissional foi dedicada a preservar e construir a vasta coleção do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido.

Em 1916, ele fez uma excursão pelo Brasil. Na cidade de Joinville, em Santa Catarina, Thomas fez a captura de um morcego pequeno, com cerca de 12 centímetros da cabeça aos pés.

Thomas descreveu o achado e deu o nome Histiotus alienus à nova espécie.

Mas, como mencionado anteriormente, essa foi a única ocasião em que esse tipo de morcego foi observado por especialistas.

Durante 102 anos, o Histiotus alienus não foi mais visto. Até que um grupo de pesquisadores brasileiros entrou em cena em 2018.

Crédito, Domínio Público

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O explorador inglês Michael Rogers Oldfield Thomas

A redescoberta

A bióloga Liliani Marilia Tiepolo, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o projeto começou em 2017 a partir de um edital lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgãos vinculados ao Governo Federal.

A proposta do edital era usar o dinheiro obtido a partir de multas ambientais para financiar pesquisas sobre áreas de conservação brasileiras sobre as quais há pouco conhecimento científico.

Um dos locais escolhidos foi o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas, que fica entre os municípios de Palmas e General Carneiro, no Paraná.

“O objetivo era fazer ciência básica, construir um inventário da biodiversidade local e colher algumas informações na área de saúde pública”, descreve Tiepolo. A especialista acrescenta que, além da UFPR, o trabalho envolveu a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nesse tipo de pesquisa, os especialistas armam redes e outros sistemas de captura de animais. A ideia é observar de perto as espécies, para entender quais são os seres que vivem ali e como eles interagem naquele ecossistema.

É aí que entra em cena o biólogo Vinícius Cardoso Cláudio, pesquisador da Fiocruz Mata Atlântica e especialista em morcegos.

Durante uma incursão pelo território em 2018, o especialista armou as tais redes e capturou alguns animais.

“Sempre que armo as redes de neblina para morcegos, fico com aquela expectativa e curiosidade sobre o que vou capturar e descobrir”, diz ele.

Ao analisar um desses morcegos — justamente o personagem principal desta reportagem —, Cláudio logo identificou que ele pertencia ao gênero Histiotus, que abrange 11 espécies diferentes.

Esse grupo possui algumas características marcantes, como as orelhas em formato de vela e o corpo revestido por pêlos marrons. Todos eles se alimentam de insetos e vivem em boa parte da América do Sul.

Crédito, Vinícius C. Cláudio/Fiocruz/Promasto

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O Histiotus alienus tem cerca de 12 centímetros da cabeça aos pés

A princípio, os pesquisadores classificaram o ser alado como um Histiotus montanus. Mas algumas características físicas dele não batiam um representante deste grupo.

Daí veio a dúvida: qual era a espécie exata do pequeno mamífero voador? Será que ele poderia ser o raríssimo Histiotus alienus?

Para responder a questão, Cláudio levou quase cinco anos e precisou realizar algumas viagens Brasil adentro e mundo afora.

“Afinal, sabíamos muito pouco sobre essa espécie. Tudo o que imaginávamos sobre ela era uma extrapolação baseada nos hábitos e nas características de espécies semelhantes”, contextualiza ele.

A primeira parada do biólogo foi o Museu de História Natural de Londres. O local abriga o único exemplar do Histiotus alienus catalogado, aquele mesmo que foi capturado em 1916 na cidade de Joinville por Michael Rogers Oldfield Thomas.

Cláudio pode comparar os dois indivíduos capturados com mais de 100 anos de diferença para fazer comparações entre as características físicas deles.

Mas o trabalho não acabou ali. “Também precisei analisar indivíduos de outras coleções de museus para realmente ter certeza que estava diante de um Histiotus alienus, e não de outra espécie”, relata ele.

Com base nessas análises, o biólogo finalmente conseguiu concluir que estava diante de um Histiotus alienus mesmo. Um indivíduo da espécie foi finalmente encontrado, após a pioneira (e centenária) observação original.

Crédito, Getty Images

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O morcego foi redescoberto em regiões com matas de araucárias

O que a redescoberta representa?

Um primeiro detalhe que chama a atenção no trabalho recente é a diferença de localização entre a primeira e a segunda observação do Histiotus alienus. Em 1916, ele foi capturado em Joinville, Santa Catarina. Já em 2018, a detecção ocorreu em Palmas, no Paraná.

“Se traçarmos uma linha reta, Joinville e Palmas não são distantes. Mas, do ponto de vista de ambiente e ecossistema, falamos de lugares bem distintos”, observa Tiepolo.

“Joinville é uma cidade próxima da costa, cuja cobertura de florestas original era a Mata Atlântica propriamente dita, que se espalha desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte.”

“Já Palmas está a mais de mil metros de altitude e tem outro tipo de formação florestal, conhecida pelas matas de araucárias”, diferencia a bióloga.

Mas o que isso significa para o Histiotus alienus?

“Se a espécie consegue viver do nível do mar até o alto da montanha, com um inverno bem rigoroso, ela também pode ocorrer em outras regiões do país”, especula Tiepolo.

“Pelo menos é isso o que a gente espera”, complementa ela.

A esperança dos pesquisadores também se renova pelo fato de o Histiotus alienus estar entre as espécies criticamente ameaçadas de extinção.

Mais que isso, a redescoberta sinaliza o quanto a Mata Atlântica — um bioma severamente impactado pelas mudanças climáticas e pelas transformações causadas pelo uso da terra e pela ocupação humana — tem a oferecer.

“Poxa, como pode uma região tão ameaçada como a Mata Atlântica render tanta satisfação pra gente?”, questiona Tiepolo.

“Essa não foi a primeira descoberta que fizemos na região da pesquisa — e certamente não será a última.”

Segundo a pesquisadora, as incursões realizadas em Palmas a partir de 2017 renderam muitos dados, que agora precisam ser analisados e organizados com calma, a exemplo do que ocorreu no estudo com essa espécie rara de morcego.

“Atualmente, sobrou menos de 14% da Mata Atlântica original e ela está extremamente fragmentada”, calcula a bióloga.

“Portanto, registros como o do Histiotus alienus representam uma enorme alegria”, conclui ela.