A rede social X, o antigo Twitter, deve sair do ar no Brasil após decisão tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira (30/08).
Na quarta-feira (28/8), Moraes havia intimado o bilionário Elon Musk, dono do X desde outubro de 2022, a indicar um representante legal no Brasil no prazo de 24 horas. No caso de descumprimento, a rede social seria suspensa no país.
O Brasil é o sexto maior mercado do X no mundo, com 21,5 milhões de usuários, segundo a plataforma global de dados e estatísticas Statista. O país só fica atrás de EUA, Japão, Índia, Indonésia e Reino Unido.
Na ocasião, o bilionário justificou sua decisão de fechar a sede brasileira devido a “exigências de censura” do ministro do STF.
A rede social, porém, tinha permanecido no ar para os usuários.
Em nota, o X afirmou que Moraes tinha ameaçado o representante legal da empresa com prisão caso a rede social não cumprisse as ordens, classificadas como “censura”.
No dia 8 de agosto, Moraes havia determinado o bloqueio de sete perfis de bolsonaristas na rede social. Dentre eles, o do senador Marcos do Val (Podemos-ES). O X, porém, não cumpriu a decisão judicial. O despacho ainda determinava uma multa de R$ 20 mil por dia.
Essas multas teriam afetado, inclusive, a operação de outra empresa de Musk no Brasil, a Starlink, que fornece internet para usuários em várias regiões do país, de acordo com comunicado da empresa no X. Segundo a Starlink, suas contas foram bloqueadas por Moraes.
“Essa ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deve ser responsável pelas multas aplicadas — de forma inconstitucional — contra o X. Foi emitida em segredo e sem conceder à Starlink o devido processo legal garantido pela Constituição do Brasil”, diz o comunicado.
Ao comentar a notícia sobre o bloqueio de contas da Starlink, Musk disse que a medida é “ilegal” e escreveu que Moraes “é um criminoso declarado do pior tipo, disfarçado de juiz.”
Questionado pela BBC News Brasil, o STF afirmou “não ter a informação” sobre o caso da Starlink.
O que diz a lei brasileira
Musk é investigado no STF por acusações de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. O bilionário também foi incluído no chamado inquérito das milícias digitais, que também tem outros investigados.
Como proprietário do X, Elon Musk tem concordado em não retirar perfis de investigados do ar, acusando o STF de censura e fazendo declarações contra a Justiça brasileira.
Na intimação a Musk da última quarta-feira, Moraes faz menção ao Marco Civil da Internet, a lei 12.965/14.
No artigo 11, a lei brasileira diz que “qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira”.
O advogado Francisco Cruz, diretor-executivo do InternetLab, um centro de pesquisa com foco em direito e tecnologia, avalia que empresas de redes sociais não são exatamente obrigadas a ter um escritório no Brasil, mas são obrigadas a cumprir a lei brasileira.
“Quando o ministro do STF ou qualquer juiz no Brasil determina que um perfil seja suspenso, que uma postagem seja removida ou que informações sejam prestadas, a empresa tem que dar um jeito, especialmente se ela se enquadra no artigo 11 do Marco Civil”, explica Cruz.
Em 2023, Moraes já havia tomado atitude parecida. Ele determinou que o aplicativo de mensagens Telegram informasse ao STF seu representante legal no Brasil, sob risco de sair do ar. Na ocasião, o Telegram indicou um nome.
“A determinação para representação legal é objetiva, tem como meta o cumprimento das obrigações, tanto que o próprio ministro diz que a suspensão é até que sejam pagas as multas e obdecidas as ordens”, diz Francisco Cruz, do InternetLab.
Especialista em liberdade de expressão, o advogado constitucionalista André Marsiglia menciona que o Código Civil exige que empresas estrangeiras que atuem no Brasil precisam de fato manter um representante legal no país.
Mas, na avaliação de Marsiglia, a suspensão do X é “uma medida desproporcional”.
“A decisão não atinge apenas a plataforma, mas todos os seus usuários. Punir usuários para atingir Musk é desproporcional. E a desproporção é geralmente sinônimo de censura”, diz.
Para o advogado, embora a decisão de bloquear recursos da Starlink seja “controversa”, ela “não deixa de ser uma medida menos gravosa às pessoas e que, se tomada de forma cautelosa e cuidadosa, poderia ser adotada no lugar da suspensão do X”.
Musk x Moraes
A tensão entre o bilionário e o ministro vem se escalando nos últimos meses.
Desde 2022, Musk iniciou uma ofensiva pública a Moraes, acusando-o de censura e ameaçando descumprir ordens judiciais, incluindo o bloqueio de contas de investigados pelo STF.
Moraes incluiu então Musk no inquérito das milícias digitais em abril, e também abriu um novo inquérito para apurar se o empresário cometeu crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
“As redes sociais não são terra sem lei; não são terra de ninguém”, destacou Moraes na decisão, tomada após o dono do X fazer postagens na rede social que, segundo Moraes, são uma “campanha de desinformação” que instiga “desobediência e obstrução à Justiça”.
Na ocasião, Musk chamou Moraes de “ditador brutal” e disse que o ministro tem o presidente Lula “na coleira”.
Mas, para entender como a situação chegou a esse ponto, é preciso voltar a 2019.
Foi nesse ano que foi instaurado o chamado inquérito das fake news, que apura disseminação de conteúdos falsos com ofensas e ameaças que “atingem a honorabilidade e a segurança” do STF, de seus membros e de familiares. Moraes é o relator do inquérito.
Desde então, diversos perfis já foram suspensos ou tiveram sua suspensão decretada na rede social.
Moraes também autorizou em 2021 um inquérito para investigar indícios de atuação de uma milícia digital com o objetivo de atentar contra a democracia e o Estado democrático de direito.
Moraes ainda é relator do inquérito que apura os atos golpistas de 8 de janeiro.
Entre os alvos dessas investigações estão apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante sua presidência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre agosto de 2022 e junho de 2024, Moraes também tomou decisões contra usuários de redes sociais com a justificativa de coibir a disseminação de notícias falsas.
Bloqueios fora do Brasil
Entre os países que bloqueiam o acesso ao X atualmente estão China, Irã, Coreia do Norte, Rússia, Turcomenistão e Mianmar. O nível de controle à conexão à rede social varia de acordo com a nação.
Buna Santos, da organização Digital Action, ressalta que as circunstâncias em que os bloqueios ao Twitter acontecem em muitos outros países são diferentes das do Brasil atual.
A China, por exemplo, bloqueia alguns sites por considerar que eles vão contra “o ideal de um governo ou partido”, diz. “No Brasil, o bloqueio aconteceria dentro de um processo judicial e após repetidos descumprimentos de uma ordem”, avalia.
Em território chinês, a proibição faz parte de uma estratégia mais ampla de censura à internet, conhecida como ‘Grande Firewall’. Qualquer pessoa que tente acessar o X – assim como outras redes sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp – de um computador no país receberá uma mensagem de erro.
Muitos cidadãos usam ferramentas de VPN para burlar o bloqueio. VPN é a sigla em inglês para rede privada virtual, um mecanismo que funciona por meio da criação de uma ligação encriptada segura entre o dispositivo do usuário e um servidor remoto.
Isso permite que o usuário acesse a internet a partir da rede localizada em outro país e, portanto, sem as restrições locais.
Em outros países, como Nigéria, Turquia e Uganda, já foram reportados bloqueios temporários ao X.
Para o advogado Francisco Cruz, do centro de pesquisas InternetLab, entre os grandes mercados de internet no mundo, o Brasil tem sido reconhecido por levar esses conflitos com as redes sociais “a ferro e fogo”
“Cada país tem não só uma legislação diferente, mas um peso político diferente. O Brasil está num limiar, no sentido que o judiciário não se basta com uma resposta de ‘não posso cumprir ou não tenho escritório’, porque o país é um mercado relevante o suficiente no sentido de fazer barulho e fazer estrago a essas empresas”, avalia Cruz.
O advogado ressalta que poucos países têm esse “poder de barganha” como o do Brasil.
“Quando você olha para outros países, tem que ter cuidado, porque ou eles não têm essa força e essa capacidade de fazer valer essa ameaça [de tirar redes do ar] ou eles têm outra questão geopolítica [como Rússia e China]”, explica.
Nos EUA, por exemplo, o TikTok pode ser banido no país a menos que seu proprietário chinês, a ByteDance, venda a operação americana da empresa em um prazo até 2025.
Os legisladores americanos aprovaram a regra por temerem que o governo chinês possa ter acesso a dados dos 170 milhões de usuários dos EUA.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.