- Author, Série “Witness History”
- Role, BBC
Sessenta anos atrás, três jovens ativistas do Congresso de Igualdade Racial (CORE, na sigla em inglês) desapareceram no Estado do Mississippi, nos Estados Unidos.
O afro-americano James Chaney (de 21 anos), do Mississippi, e os nova-iorquinos Andrew Goodman e Michael Schwerner foram até a cidade de Longdale, para conversar com os membros de uma igreja local.
Chaney e Schwerner haviam estado ali poucas semanas antes. Eles incentivaram a congregação a se registrar para votar – um dos direitos negados com frequência pelos moradores brancos da cidade.
“Vocês foram escravos por muito tempo”, disse Schwerner, na ocasião. “Nós podemos ajudar vocês a se ajudarem.”
Naquela época, o grupo racista Ku Klux Klan (KKK) desfrutava de grande popularidade, devido à sua rejeição às políticas de integração social. E, pouco tempo depois, os cavaleiros brancos da KKK incendiaram e destruíram a igreja, não sem antes agredir os seus fiéis.
No dia 21 de junho de 1964, Chaney, Goodman e Schwerner foram investigar o que havia acontecido. E eles logo desapareceram.
No dia seguinte, o FBI recebeu informações sobre um carro em chamas perto de uma rodovia.
O então diretor do órgão, John Edgar Hoover (1895-1972), ordenou a busca. O procurador-geral Robert Kennedy (1925-1968) – irmão do presidente John F. Kennedy (1917-1963), recentemente assassinado, e obstinado defensor dos direitos civis – enviou mais 150 agentes do Estado americano de Nova Orleans.
O carro foi encontrado ainda fumegando e a investigação prosseguiu, já que não havia sinal dos seus passageiros.
O temido desfecho só seria confirmado seis semanas depois. Os corpos dos ativistas foram finalmente descobertos, depois que um informante avisou que eles haviam sido enterrados em terras agrícolas da região.
O caso comoveu os Estados Unidos e recebeu do FBI o nome de “Mississipi em Chamas” (Mississippi Burning, em inglês). E o que os supremacistas brancos não esperavam é que o crime ajudaria a levar à vitória o movimento dos direitos civis.
Mas como foi a experiência das famílias envolvidas em um evento como este? Para dar uma ideia, o irmão mais novo de Andrew Goodman, David, contou sua história para a BBC.
‘Era sua natureza’
“Andrew era um menino muito popular e gostava de rir, ir a festas e dançar”, conta David. “Ele não gritava nem era agressivo, mas sim uma pessoa muito tranquila.”
“Ele era forte, bonito e realmente acreditava no que você, eu e a maioria das pessoas chamaríamos de justiça, de forma que, se alguém praticasse bullying batendo em uma criança menor, ele intervinha. Era sua natureza.”
O sentido de justiça de Andrew Goodman vinha da sua família de classe média de Nova York, sempre politicamente ativa.
“Ele era o filho do meio e o mais interessado em temas sociais”, segundo seu irmão.
“De vez em quando, surgem pessoas que querem fazer algo prático. Acredito que esta é uma questão chave no caso de Andy”, explica David. “Ele queria colaborar com a mudança, mesmo que fosse com um grão de areia na proverbial praia da vida.”
“Este é um conceito muito importante na nossa família. ‘Gente comum fazendo coisas extraordinárias’, como gostava de dizer meu avô sobre se levantar de manhã e fazer alguma coisa. Não precisava ser a maior coisa do mundo, mas apenas algo positivo.”
A oportunidade que Andrew Goodman teve de fazer algo positivo chegou no mês de junho de 1964.
Aquele período ficaria conhecido como o Verão da Liberdade, quando estudantes universitários brancos viajaram do norte dos Estados Unidos para ajudar a registrar os eleitores negros no sul do país.
Seus pais tinham consciência do perigo, devido à fúria da Ku Klux Klan contra a política federal favorável à integração racial. Mas eles decidiram permitir que ele fosse.
“Eles perceberam que tudo o que haviam nos ensinado era para servir ao interesse público”, explica David, “e não podiam dizer que não queriam que ele fosse, já que era do interesse público que as pessoas tivessem o direito ao voto e exercessem esse direito.”
“Mas eles estavam divididos, como acredito que todos os pais estivessem.”
Andrew Goodman e seus colegas desapareceram apenas um dia depois de chegarem ao Mississippi. E, quando o carro em que eles viajavam apareceu queimado, a família manteve a esperança.
“Foi como: ‘precisamos encontrá-lo’. Não nos ocorreu que ele estivesse morto”, conta o irmão. “Acontece que o mataram em 21 de junho, mas só o encontraram em 4 de agosto. Foram 44 dias.”
“Sua mente mantém você afastado do horror da provável realidade. Estava ali, mas estava muito, muito, muito no fundo da mente. Ninguém o mencionava, exceto por alguns jornais. Nós os líamos e simplesmente não queríamos acreditar.”
O que entendeu o presidente
O caso despertou o interesse da imprensa em escala nunca vista em ataques anteriores contra os defensores dos direitos civis.
“Foi enorme”, relembra David. “Havia repórteres acampados em frente ao nosso prédio e a polícia ficava ali 24 horas por dia, só para controlar as multidões.”
Para David Goodman, o motivo era que dois dos desaparecidos eram brancos.
“Aquilo comoveu os brancos dos Estados Unidos, pois a sensação era: ‘como isso pôde acontecer com jovens brancos?'”, afirma ele. “Esta é uma parte da história que não é contada com tanta frequência.”
“Quando a maioria observa os seus sendo atacados, os alertas soam e eles dizem: ‘Veja, isso poderia acontecer com meus filhos ou comigo’. Acho que isso faz com que as pessoas fiquem mais conscientes.”
“Isso cria uma atmosfera para a mudança”, prossegue ele. “E foi uma sensibilidade compreendida pelo presidente. Ele era um político esperto e usou aquilo para conseguir a aprovação da Lei dos Direitos Civis.”
“É uma espécie de milagre que ela tenha sido aprovada. Mas foi e mudou o nosso país.”
O presidente americano Lyndon Johnson (1908-1973) promulgou a Lei dos Direitos Civis em 2 de julho de 1964, quando Andrew Goodman e seus dois companheiros ainda estavam desaparecidos.
Um mês depois, Johnson recebeu uma ligação do subdiretor do FBI, Cartha DeLoach (1920-2013):
DeLoach: “O sr. Hoover quis que eu ligasse para o sr. imediatamente e dissesse que o FBI encontrou três corpos a seis milhas [9,6 km] a sudoeste de Filadélfia, Mississippi. Um grupo de agentes de busca encontrou os corpos há cerca de 15 minutos, enquanto eles cavavam no bosque e no matagal […].”
Presidente: “Quando irão fazer o anúncio?”
DeLoach: “Dentro de 10 minutos, sr., se estiver de acordo.”
Presidente: “Se puderem, esperem cerca de 15 minutos. Preciso notificar as famílias.”
“O dia 4 de agosto era véspera do 50º aniversário do meu pai”, relembra David. “Por isso, meus pais saíram para um concerto – eles gostavam de música – e eu estava sozinho em casa.”
“O telefone tocou, eu atendi e a voz do outro lado disse:”
Presidente: “Com quem falo?”
David: “Com David Goodman.”
Presidente: “Ah, você é o irmão de Andy, certo?”
David: “Sim.”
Presidente: “Onde estão seus pais? Gostaria de falar com eles. Sou o presidente Johnson.”
David: “Eles saíram.”
“Houve uma pausa no telefone. Depois, ele disse: ‘Tenho más notícias para você. Encontramos o corpo do seu irmão.'”
A dor foi profunda.
“Foram 44 dias de suspense”, conta David. “Eu tinha 17 anos. Estava a duas semanas de começar a universidade. Meu pai morreu duas semanas antes da minha formatura. Aquilo o destruiu.”
O que aconteceu
O FBI prendeu 18 moradores do Mississippi pelos assassinatos. Eram membros da Ku Klux Klan, que cometeram o crime, e da polícia local, que montou uma armadilha.
O carro em que viajavam os ativistas era conhecido como um dos veículos do CORE e Schwerner estava na mira.
Confissões revelaram que eles haviam sido presos, supostamente por excesso de velocidade, enquanto dirigiam pelo condado de Neshoba.
O xerife de Filadélfia (Mississippi) os manteve na prisão, enquanto ligava para Edgar Ray Killen (1925-2018), um dos líderes da KKK local. O xerife deu o tempo necessário para que Killen organizasse a chegada de dois carros cheios de membros do grupo à vizinhança.
Com tudo preparado, ele liberou os ativistas da prisão, ordenando que eles saíssem da cidade, e se juntou à perseguição.
Quando alcançaram os três ativistas, eles os obrigaram a entrar nos seus carros e os levaram para outro lugar, onde foram mortos a tiros.
Os responsáveis foram levados à justiça. Mas, devido à resistência local, foram julgados apenas por crimes menores. Foi preciso esperar até 2005 para que Killen, acusado de orquestrar os assassinatos, fosse finalmente condenado.
Andrew Goodman se tornou um herói do movimento dos direitos civis e seu irmão David acredita que ele seja um exemplo de coragem moral até hoje.
“Foi uma história de terror e de um mal arraigado em nosso país”, segundo ele. “Não existe nada que possamos fazer para mudar o passado, mas existem coisas que podemos fazer hoje e aprender com o passado em todos os nossos países.”
“Acredito que esta é uma história que ressoa em todo o mundo, todo o tempo. Se você acredita que todas as pessoas são iguais, você pode, em algum momento, ser convocado enquanto cidadão para lutar pelo que acredita.”
Fonte: BBC
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