- Author, Sue Mitchell e Ben Milne
- Role, BBC News
Em 2012, Carolyn Stephens despediu-se do pai viúvo de 78 anos enquanto ele partia para o Chipre de férias junto com um grupo de idosos.
Vincent Stephens estava confortavelmente aposentado após uma carreira de sucesso como engenheiro elétrico.
Ao retornar, ele apresentou Carolyn a Iris, uma mulher de 75 anos com quem fez amizade nas férias.
Carolyn, sua única filha, rapidamente ficou preocupada com esse novo relacionamento.
Em 2014, Vincent vendeu sua casa, em uma vila no Condado de Suffolk, na Inglaterra, onde morava desde a aposentadoria, e comprou uma nova casa a 48 km de distância, em Norfolk, para ficar perto de Iris.
Carolyn suspeitava que Iris estava tentando separá-lo de sua família, bem como da rede de amizades que ele construiu ao longo dos anos em Suffolk.
“Na verdade, foi muito angustiante para meu pai”, diz ela.
“Lembro-me de uma conversa em que ela gritava com ele dizendo que meu pai não me amava. E ele dizia ‘sim, claro que amo, ela é minha filha – claro que a amo’.”
Vincent disse à filha que não conseguia entender por que ela e Iris não se davam bem.
O cunhado de Vincent, Brian, diz que Vincent parecia feliz com Iris quando eles começaram a ficar juntos, mas que ficou preocupado ao ver como Carolyn estava sendo expulsa da vida do pai.
“Ele amava tanto sua filha, então, como ele se sentiu quando eles perderam contato, eu não sei, mas vi como Carolyn estava preocupada com isso”, diz Brian.
A cunhada de Vincent, Sheila, também tinha dúvidas sobre Iris.
“Ela não era muito amigável, e não sei se ela pensava que [a família de Vincent] competia com ela pela atenção dele”, diz
“Mas ela parecia ter muito ciúme do relacionamento de Carolyn com o pai.”
Carolyn também estava preocupada com a deterioração do estado mental do pai e com o fato de ele apresentar sinais precoces de demência.
“Papai ficou mais frágil. Ele estava se esquecendo de fazer o seguro do carro, faltando a compromissos.”
O preocupante declínio mental de Vincent
Em 2018, Carolyn acompanhou Vincent a uma consulta com o médico da família, que avaliou um possível declínio cognitivo.
O teste foi inconclusivo, mas havia motivos de preocupação, e o médico recomendou uma investigação mais aprofundada.
Mas Vincent não compareceu para uma segunda consulta, e os acompanhamentos seguintes foram cancelados.
James Warner, médico especialista na área, diz que este é um problema comum.
“A maioria das pessoas com demência não sabe que tem demência”, diz ele.
“Então, elas não vão ao médico dizer que algo está errado.”
Enquanto isso, uma rápida sequência de acontecimentos causava um temor crescente em Carolyn.
Vincent foi morar com Iris e, algumas semanas depois, ela o levou a um cartório para se casarem.
No entanto, a cerimônia não aconteceu porque o escrivão estava muito preocupado com a saúde mental de Vincent.
“Ele não conseguia responder nem mesmo a perguntas básicas sobre seu próprio endereço, a data de nascimento da noiva, onde ou quando deveria se casar”, diz Carolyn.
Mesmo assim, naquela mesma semana, Carolyn soube que Iris havia conseguido uma procuração para representar Vincent.
Ela agora tinha o direito legal de agir em seu nome tanto em assuntos financeiros e patrimoniais, como em questões de saúde e bem-estar.
Qualquer pessoa que cede uma procuração deve ter capacidade mental suficiente para compreender as consequências do que está fazendo e não deve ser coagida a assinar. Mas o sistema é passível de abusos, diz Warner.
“Tive um caso em que me pediram para avaliar a capacidade de alguém para assinar uma procuração duradoura para propriedades e finanças”, conta o médico.
“Minha conclusão foi que a pessoa não tinha capacidade mental. E a família disse: ‘Não se preocupe, vamos conseguir outra pessoa para autorizar’.”
Em poucos dias, a casa de Vincent foi colocada à venda. Mas o pior estava por vir – algo que Carolyn nunca havia previsto.
Iris reclamou à polícia que Carolyn estava assediando Vincent e que ele não queria mais nada com a filha.
“A polícia [me disse] que eu não poderia entrar em contato com meu pai novamente, porque estava abusando dele”, diz Carolyn.
“Liguei de volta e perguntei: vocês podem me dizer exatamente o que eu supostamente fiz? E eles não conseguiam.”
Carolyn estava preocupada com o bem-estar do pai, mas a ligação da polícia – e a ameaça de novas medidas contra ela – a deixou receosa de ligar para ele.
No início de 2019, ela recebeu um email do pai informando que ele havia sido hospitalizado após uma queda.
Nem Carolyn, nem nenhum membro da família, foram informados sobre o acidente.
Durante uma visita a Vincent no hospital, ela testemunhou Iris lhe dizendo que ele tinha que escolher entre a família ou ela.
‘Fiquei sem saber se ele estava vivo por anos’
Pouco depois, Carolyn foi informada de que – apesar de ter sido diagnosticado com demência enquanto estava no hospital – o pai havia assinado um documento impedindo que qualquer informação fosse compartilhada com a filha.
Alguns meses depois, ela foi informada de que a casa dele havia sido vendida, e seus bens havia sido retirados dali.
Nos anos seguintes, a família e os amigos de Carolyn tentaram ligar para a casa de Iris para falar com Vincent.
Ouviam sempre que ele havia saído, estava dormindo ou que não queria conversar – e, então, o telefone era geralmente desligado na cara deles.
“Enviamos cartões de aniversário e de Natal, na esperança de que chegassem a ele”, diz Carolyn.
“Soubemos mais tarde que nenhum desses cartões jamais chegou até ele. Ele não tinha ideia de que as pessoas ainda estavam tentando contatá-lo.”
Carolyn não viu nem teve notícias do pai por quase quatro anos. Durante algum tempo, ela não sabia se ele estava vivo.
Em maio de 2022, Carolyn descobriu que Iris havia morrido. Os familiares tentaram entrar em contato com a família dela para descobrir onde Vincent estava, sem sucesso.
Quando o escrivão confirmou a morte de Iris para Carolyn, ela viu que seu pai não estava mais listado como morando no endereço dela. Mas onde ele estava?
Sheila ligou novamente para a casa de Iris, e um homem disse que “não poderia ajudá-la”.
A família alertou a Unidade Nacional de Pessoas Desaparecidas do Reino Unido, e Carolyn iniciou sua própria busca por Vincent.
A cada três meses, ela verificava a nova atualização do registro nacional de óbitos na esperança de não ver ali o nome de seu pai. “Foi angustiante”, diz ela.
“Mas eu tinha que continuar procurando. Precisava saber se meu pai havia morrido, pelo menos isso seria um desfecho para essa história.”
Carolyn também começou a consultar o registro eleitoral.
Ela não conseguiu encontrar os dados do pai em nenhum lugar na internet, então, recorreu ao registro completo mais detalhado, mantido em papel na Biblioteca Britânica, em Londres.
Carolyn e seu marido começaram a vasculhar os nomes e endereços de todos em Norfolk – onde Vincent havia morado em seu último domicílio conhecido.
Com 700 mil eleitores registrados ali em 2022, não foi uma tarefa fácil.
O reencontro de pai e filha
Por quase uma semana, eles verificaram cada página dos registros, e, então, Carolyn viu finalmente o nome do pai associado a “uma pequena casa de repouso no meio do nada”.
Carolyn diz que foi um dos momentos mais felizes de sua vida: “Os bibliotecários tiveram que me dizer para ficar quieta… porque eu estava correndo e gritando: ‘Eu o encontrei, eu o encontrei!'”
Ela descobriu que Vincent havia sido colocado em uma casa de repouso assim que as restrições de circulação por conta da pandemia de covid-19 começaram.
Mais tarde, ele foi transferido para outro lar de idosos.
Quando Carolyn chegou, ela quase não viu nenhum objeto pessoal no quarto dele, e a equipe disse que ele recebia poucas visitas.
“Restava apenas uma única pintura vinda da casa dele, não tinha uma única foto da família”, diz ela.
“Os funcionários da casa de repouso não sabiam de seu amor pela ópera, não faziam ideia de que ele tinha uma filha e uma enorme rede de pessoas que o amavam e estavam muito preocupadas com ele.”
Quando o pai dela a viu, ele balançou os braços no ar e gritou: “Surpreso!” – foi tudo o que ele conseguiu dizer.
Sua demência estava tão avançada que ele não conseguia se comunicar de outra forma. Mas foi o suficiente para Carolyn, que correu até a cama dele e o abraçou.
“Nunca vou esquecer aquilo. Eu estava muito nervosa porque pensei que ele poderia não me reconhecer depois de todo aquele tempo”, diz ela.
“Mas ele não conseguia parar de sorrir, ele tinha um sorriso enorme, sabe. Foi simplesmente adorável. Foi inacreditável, realmente.”
Carolyn continua tentando entender o que aconteceu em todos aqueles anos.
Em 2012, Vincent tinha uma poupança de 50 mil libras (R$ 308 mil) e uma casa no valor de 250 mil libras (R$ 1,5 milhão).
Quando foi encontrado em 2022, ele não tinha casa, tinha poucos bens e 83 mil libras (R$ 512 mil) no banco.
A BBC procurou a família de Iris para comentar sobre o caso, mas não recebeu resposta.
A experiência do que aconteceu com o pai levou Carolyn a acreditar que são necessárias proteções legais mais robustas para idosos vulneráveis.
Carolyn diz que, se seu pai tivesse sido capaz de antecipar e planejar o que poderia acontecer com ele ou se tivesse sido diagnosticado de forma precoce e talvez feito uma procuração antecipada em seu favor para protegê-lo, teria sido mais difícil afastá-lo dela e da família.
Ela também está preocupada de que uma nova Lei do Poder de Procuração, que visa agilizar o processo na Inglaterra e País de Gales, possa tornar os idosos britânicos mais vulneráveis.
Vincent morreu em junho deste ano, seis meses após se reunir com a filha.
“Conseguimos fazer um memorial muito simples no mesmo local onde mamãe está enterrada”, diz Carolyn.
“Quase parecia que estes últimos cinco anos não tinham acontecido.”
Ela diz que as pessoas perguntam como ela seguiu em frente ao longo desse período. Ela diz que foi porque Vincent era seu pai.
“Eu não iria deixá-lo morrer pensando que eu tinha parado de querer vê-lo e de me preocupar com ele”, diz ela.
“Ele cuidou de mim durante toda minha vida, e eu nunca quis que ele pensasse que o abandonei.”
Fonte: BBC
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