- Author, Laura Gozzi
- Role, BBC News
Esta história contém detalhes que alguns leitores podem considerar perturbadores.
“Sou um estuprador como os outros nesta sala”, disse, se referindo aos outros 50 réus acusados de violentar sua ex-esposa, Gisèle.
“Todos sabiam, não podem dizer o contrário”, disse ele.
Sobre sua ex-mulher, ele disse: “Ela não merecia isso”.
“Fui muito feliz com ela”, afirmou ele ainda ao tribunal.
Este foi o primeiro depoimento de Pelicot desde que seu julgamento começou, em 2 de setembro.
“É difícil para mim ouvir isso”, disse Gisèle, que teve a oportunidade de responder logo depois.
“Durante 50 anos, vivi com um homem que nunca imaginei que pudesse ser capaz disso. Confiei nele completamente.”
Pelicot, que é pai e avô, contou ao tribunal sobre experiências traumáticas que viveu durante a infância e disse que foi abusado por um enfermeiro quando tinha nove anos de idade.
Quando questionado sobre seu casamento com Gisèle, disse que considerou suicídio quando descobriu que ela estava tendo um caso. Ele disse que queria bater o carro contra uma fileira de árvores, mas não teve coragem. “Talvez eu devesse ter feito isso”, acrescentou.
O homem, que foi diagnosticado com uma infecção renal e pedras nos rins, esteve ausente do tribunal durante quase uma semana devido à doença. Mas deve dar seu testemunho completo ao longo desta terça, embora lhe sejam permitidas pausas frequentes.
Pelicot também falou sobre seus sentimentos por Gisèle, por quem ele disse ser “louco… eu a amava imensamente, e ainda a amo”.
“Eu a amei bem durante 40 anos e muito durante 10”, acrescentou, aparentemente referindo-se à década durante a qual a os abusos aconteceram.
Ele também foi questionado sobre os milhares de vídeos que gravou de homens abusando de sua esposa inconsciente. Estes foram encontrados pelos investigadores e foram fundamentais para localizar os 50 homens que agora também são acusados de estupro.
Pelicot reconheceu que filmou os homens em parte por “prazer”, mas também “como garantia, desde hoje é graças [aos vídeos] que conseguimos encontrar as pessoas que participaram nisto”.
O caso chocou a França, ainda mais porque o julgamento está sendo realizado em público.
Documentos apresentados ao tribunal indicam que Dominique Pélicot admitiu à polícia que sentia satisfação ao assistir outros homens fazendo sexo enquanto a esposa dele estava inconsciente.
Muitos réus no caso contestam a acusação de estupro contra eles, alegando que pensavam estar participando de uma brincadeira sexual consensual em grupo.
Mas Gisèle Pélicot disse ao tribunal que “nunca foi cúmplice” dos atos sexuais e nunca fingiu estar dormindo.
Ela renunciou ao seu direito ao anonimato para transferir a “vergonha” de volta para o acusado, disse sua equipe jurídica anteriormente.
Em seu primeiro depoimento no tribunal, no início de setembro, ela disse que estava falando por “todas as mulheres que foram drogadas sem saber… para que nenhuma mulher tenha que sofrer”.
Ela relembrou o momento em novembro de 2020 quando foi convidada pela polícia para comparecer a um interrogatório ao lado do marido.
Dominique havia sido pego recentemente tirando fotos debaixo da saia de mulheres em um supermercado. Gisèle disse ao tribunal que acreditava que o encontro com a polícia era uma formalidade relacionada ao incidente.
“Mas depois de uma hora, o policial disse: ‘Vou lhe mostrar algumas coisas que você não achará agradáveis’. Ele abriu uma pasta e me mostrou uma fotografia.”
“Não reconheci nem o homem nem a mulher dormindo na cama. O policial perguntou: Senhora, esta é sua cama e mesa de cabeceira?’”
“Foi difícil me reconhecer vestida de uma forma que não era familiar. Então ele me mostrou uma segunda foto e uma terceira”.
“Pedi para ele parar. Era insuportável. Eu estava inerte, na minha cama, e um homem estava me estuprando. Meu mundo desmoronou.”
Gisèle disse que até então o casamento deles tinha sido geralmente feliz. E que ela e o marido superaram uma série de dificuldades financeiras e de saúde. Ela disse que havia perdoado o upskirting (foto por baixo da saia) depois que ele prometeu a ela que tinha sido um incidente isolado.
“Tudo o que construímos juntos se foi. Nossos três filhos, sete netos. Costumávamos ser um casal ideal.”
“Eu só queria desaparecer. Mas tive que dizer aos meus filhos que o pai deles estava preso. Pedi ao meu genro para ficar ao lado da minha filha quando contei a ela que o pai dela tinha me estuprado e feito com que eu fosse estuprada por outros.”
“Ela soltou um uivo, cujo som ainda está gravado na minha mente.”
O tribunal ouviu nos últimos dias evidências da investigação, sobre como Dominique supostamente entrou em contato com homens por meio de sites de bate-papo sexual e os convidou para a casa dele em Mazan, uma cidade a nordeste de Avignon.
A polícia alega que os homens receberam instruções rígidas. Eles tiveram que estacionar a uma certa distância da casa para não chamar atenção e esperar até uma hora para que os medicamentos para dormir que ele havia dado a Gisèle fizessem efeito.
Eles alegam ainda que, uma vez em casa, os homens foram instruídos a se despir na cozinha e, em seguida, aquecer as mãos com água quente ou em um aquecedor. Tabaco e perfume não eram permitidos, pois poderiam acordar Gisèle. Preservativos não eram necessários.
Não houve transações financeiras.
De acordo com a investigação, Dominique assistiu e filmou os procedimentos, criando um arquivo no disco rígido com cerca de 4.000 fotos e vídeos. Foi como resultado do episódio de upskirting que a polícia encontrou os arquivos no computador dele.
A polícia diz ter evidências de cerca de 200 estupros realizados entre 2011 e 2020, inicialmente em sua casa fora de Paris, mas principalmente em Mazan, para onde se mudaram em 2013.
Os investigadores alegam que pouco mais da metade dos estupros foram realizados pelo marido. A maioria dos outros homens morava a apenas alguns quilômetros de distância.
Fonte: BBC
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