- Daniela Fernandes
- De Paris para a BBC News Brasil
Reeleito no domingo (24/4), o presidente francês, Emmanuel Macron, terá vários desafios em seu segundo mandato. Um dos principais será unir a França após estas eleições e obter apoio das classes mais populares, que preferiram majoritariamente votar em candidatos radicais de direita e de esquerda (nesse caso, no primeiro turno) ou se abster de votar. Disso depende a força da oposição que Macron poderá ter de enfrentar após as legislativas de junho e o avanço de medidas impopulares, como a reforma da aposentadoria.
Segundo resultados parciais do Ministério do Interior, Macron foi reeleito com 58,55% dos votos. Marine Le Pen, da direita radical, sua rival no segundo turno, obteve 41,45%, o melhor resultado já obtido pelo Reunião Nacional (também conhecido em português como Reagrupamento Nacional, ex-Frente Nacional) em uma votação.
A abstenção foi de 28%, uma das mais elevadas nas últimas décadas.
Apesar de ter vencido com uma vantagem considerável, ainda mais para um presidente em exercício, houve um avanço considerável da direita radical de Le Pen, que no segundo turno da eleição presidencial de 2017 havia obtido 33,9% dos votos.
A vitória de Macron com uma boa diferença sobre Le Pen foi possível graças sobretudo aos votos de parte do eleitorado de Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical – que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 22%. Como Le Pen, Mélenchon também atrai principalmente franceses com menor renda.
O objetivo desses eleitores da esquerda radical ao votar em Macron no segundo turno foi unicamente para barrar a ascensão de Le Pen ao poder. Mas uma parte minoritária do eleitorado de Mélenchon decidiu optar por Le Pen, no extremo oposto do espectro político, como uma forma de protesto contra Macron. O presidente tem sofrido inúmeras críticas por não ter se preocupado com a população de mais baixa renda.
Em seu discurso na noite de domingo, após a divulgação das projeções que indicaram sua vitória, realizado nos jardins do Champs de Mars, com a torre Eiffel ao fundo (em 2017, Macron havia escolhido a pirâmide do Louvre como cenário), o presidente reeleito reconheceu que a França está dividida e prometeu encontrar “respostas” aos franceses que expressaram “raiva e desacordos” ao votar em Le Pen ou que se abstiveram nas eleições.
Ele também reconheceu que parte dos eleitores votou nele “não para apoiar suas ideias, mas para barrar a extrema direita” e afirmou querer levar seu projeto “com força nos próximos anos, sendo depositário também das divisões e diferenças que foram exprimidas.”
Macron disse ainda no discurso que “não é o candidato de um campo, mas o presidente de todos” e prometeu reformular o método de governar a França, afirmando que os próximos anos não serão “uma continuidade” do atual mandato. Ele declarou também que “ninguém será deixado na beira do caminho.”
Reconciliar a França da classe média alta e dos grandes centros urbanos, além de aposentados de maior renda que constitui o eleitorado de Macron com a França mais popular, de regiões com maior nível de desemprego ou zonas rurais e pequenas localidades que opta por Le Pen (e periferias pobres, onde Mélenchon teve bom desempenho) é importante para um outro desafio de Macron: garantir maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho.
Maioria parlamentar
Tradicionalmente, nas eleições legislativas que ocorrem pouco depois das presidenciais, os franceses votam no partido do presidente que acaba de ser eleito para garantir a ele maioria no parlamento, o que facilita o início de seu governo. Em 2017, Macron, que nunca havia disputado uma eleição e tinha acabado de criar um partido, realizou a façanha de conquistar uma maioria parlamentar partindo do zero.
Mas desta vez, com a recomposição do cenário político francês nestas presidenciais, que consolidou, junto com o partido centrista de Macron, o República em Marcha, duas forças radicais – a de Le Pen e a de Mélenchon -, a tarefa pode ser bem mais complicada. O presidente enfrenta forte rejeição nessa parcela do eleitorado.
Em um discurso na noite de domingo, logo após a divulgação das projeções que indicaram a vitória de Macron, Mélenchou lançou um apelo para que os eleitores se mobilizem de maneira maciça nas legislativas, que ele vem chamando de “terceiro turno”, como forma de garantir uma derrota para o presidente no parlamento e, dessa forma, “mudar o rumo” da França.
Ele vem pedindo aos franceses para “elegê-lo primeiro-ministro”. Na realidade, é o presidente quem escolhe o premiê após as legislativas e não diretamente os eleitores. Mas se o chefe de Estado não obtiver maioria parlamentar, ele deverá nomear um primeiro-ministro do partido que obteve o maior número de cadeiras na votação. É a chamada “coabitação.” É isso que espera Mélenchon.
Marine Le Pen também já aproveitou o anúncio da vitória de Macron para lançar, em seu discurso na noite de domingo, a “batalha das legislativas”, após seu partido ter ultrapassado pela primeira vez a faixa de 40% dos votos, o que ela chamou de “grande vitória.”
Um outro desafio considerável para Macron será levar adiante sua reforma da aposentadoria, que prevê aumentar progressivamente a idade mínima dos atuais 62 para 64 ou 65 anos (inicialmente seu programa previa 65 anos, mas diante das contestações durante a campanha eleitoral, ele disse estar disposto a discutir com lideranças sindicais a possibilidade de limitar o aumento a 64 anos).
Após a crise dos coletes amarelos em 2018 e 2019, iniciada em razão do aumento de um tributo sobre combustíveis e que se transformou em grandes protestos, muitas vezes violentos, pela melhoria do poder aquisitivo da população, entre outras exigências, o governo teme uma nova mobilização social nas ruas contra o projeto de reforma da aposentadoria.
A medida será discutida no segundo semestre, após as eleições legislativas. Para garantir uma maior possibilidade de aceitação dessa reforma, Macron afirma que parte das economias geradas com o aumento da idade mínima servirá para financiar a correção das aposentadorias de acordo com a inflação (o que não ocorre na França) e que já poderia ser aplicada a partir de julho.
Dívida pública
O presidente Macron terá ainda o desafio de lidar com uma alta dívida pública, que representa cerca de 113% do PIB, e que aumentou em 600 bilhões de euros durante seu mandato. Quase um terço desses gastos suplementares é devido à política do “custe o que custar” durante a pandemia, onde o governo pagou salários durante períodos de lockdown, além de uma série de ajudas para empresas e exonerações fiscais. Além disso, com a redução da atividade econômica, as receitas do Estado também diminuíram.
Essa alta dívida pública pode reduzir a margem de manobra do governo para aplicar medidas voltadas para a melhoria do poder aquisitivo das pessoas de menor renda, no atual contexto de aumento da inflação.
Além disso, o cenário internacional, com a guerra na Ucrânia que se estende, é uma preocupação suplementar para Macron. “Estamos atravessando tempos trágicos”, disse Macron em seu discurso na noite de domingo ao se referir ao conflito.
Como diz o jornal Le Monde, ao que tudo indica, o chamado “estado de graça” vivido por um presidente francês quando ele é eleito, que geralmente dura alguns meses no início de seu mandato, não deve ocorrer nessa reeleição de Macron.
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