O caso envolvendo Daniel Alves, acusado de estuprar uma mulher em uma boate na Espanha, no final do ano passado, levantou o debate sobre o comportamento de atletas em denúncias de violência sexual e de outros crimes relacionados a antigos companheiros de profissão. Um “código de silêncio” foi adotado. A falta de uma postura mais incisiva diante da situação tem gerado incômodo em parte do público – principalmente feminino. No jogo em questão, um lado tem optado por não entrar em campo.
De acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo, entre os anos de 2019 a 2021, foram registrados 240 boletins de ocorrência de crimes contra a mulher cometidos por atletas no estado de São Paulo. A maioria jogadores de futebol. Isso sem considerar a subnotificação das ocorrências e, claro, as que as vítimas preferem não divulgar.
“Cultura do estupro”
“O caso de Daniel é emblemático porque descredibiliza o discurso de que a mulher ‘só quer aparecer’. A vítima em momento algum mostrou o rosto, nem pediu compensação financeira. Ela quer a prisão. Mas é comum, em um esporte machista, ver pessoas tentando descredenciar a vítima. Isso acontece por idolatria ao acusado, por corporativismo dos atletas – que escolhem ficar em silêncio – ou pela compreensão do que chamamos de ‘cultua do estupro’, que se entende o corpo da mulher como público, existindo para servir aos homens”, afirmou a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, Soraya Barreto, autora também do livro “Mulheres no campo: o ethos da torcedora pernambucana”.
Como observado, Daniel Alves não é o primeiro atleta acusado de um crime sexual. Um dos casos mais recentes é o do atacante Robinho, também julgado por estupro – ele foi condenado pela Justiça da Itália, mas está em liberdade por conta da lei brasileira não permitir a extradição de pessoas nascidas no País.
Certeza da impunidade
“A certeza da impunidade é grande. Daniel, por exemplo, estava tão tranquilo que topou dar o depoimento na Espanha, achando que sairia sem qualquer problema. Não foi o que aconteceu lá, mas já aconteceu aqui. Por isso, seria importante ver o posicionamento público dos atletas. Ninguém está pedindo que eles façam o papel de juiz, mas sim participem do debate público para incentivar, por exemplo, que mais vítimas tenham segurança em denunciar. Uma das moças que estava no caso de Daniel disse que também sofreu assédio, mas não ia prestar queixa por achar que não teria atenção. Ela só resolveu fazer depois da coragem da amiga. Muitas mulheres sentem medo em denunciar alguém rico e famoso e esses atletas acabam se sentindo no direito de fazerem o que quiserem, sem risco de punição, justamente por terem dinheiro e fama”.
Segundo a pesquisadora, é preciso o mundo esportivo discutir temas sociais com mais frequência para que casos como o de Daniel não sejam esquecidos com o tempo. “Futebol é um mundo muito masculino e até os homens que possuem mais consciência se calam por conta do ambiente ser inóspito. Sabemos que alguns atletas são alinhados com pautas mais progressistas, como o atacante Richarlison, mas ainda falta um diálogo maior com os demais. A omissão também é uma escolha, assim como respostas prontas como ‘que seja feita justiça, independente do lado’. É preciso combater o machismo enraizado no esporte”, pontuou.
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Fonte: Folha PE