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Ricardo Lewandowski foi anunciado para liderar o Ministério da Justiça, substituindo Flávio Dino

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski será o novo titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública, anunciou nesta quinta-feira (11/1) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A confirmação ocorre depois do atual ministro da Justiça e senador licenciado, Flávio Dino, ser aprovado para assumir vaga no STF aberta pela aposentadoria da ex-ministra Rosa Weber. A posse de Dino está prevista para 22 de fevereiro.

O anúncio foi feito no Palácio do Planalto. Lula estava acompanhado de Lewandowski, Dino, e da primeira-dama Janja.

Segundo o presidente, a nomeação será publicada em 19 de janeiro e o novo ministro tomará posse em 1º de fevereiro.

“Eu só vou fazer o decreto da oficialização dele, a pedido dele, por conta de coisas particulares que ele tem que fazer, no dia 19. Acertamos que ele toma posse no dia 1º de fevereiro. Até lá, o companheiro Flávio Dino, que só vai tomar posse em 22 de fevereiro, ficará cumprindo a função da forma magistral que ele cumpriu até agora”, disse Lula.

Segundo o presidente, Lewandowski foi “um extraordinário ministro da Suprema Corte”.

“Eu acho que ganha o Ministério da Justiça, ganha a Suprema Corte e ganha o povo brasileiro com essa dupla que está aqui do meu lado, cada um na sua função”, afirmou.

Lewandowski foi ministro do STF de março de 2006 a abril de 2023, quando se aposentou um mês antes de completar 75 anos — idade máxima para o posto.

Em julho do ano passado, ele foi nomeado para o cargo de árbitro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, função que agora deixará para assumir o ministério.

Segurança pública, fonte de preocupação

O peso de assumir o posto ocupado por Dino, um dos ministros mais populares do governo, é pequeno diante dos vespeiros na área de segurança pública que ele vai herdar, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Segundo levantamento do Datafolha de setembro, 17% citaram a insegurança como o maior problema do Brasil — eram 6% em dezembro do ano passado.

Seis em cada dez brasileiros sentem insegurança ao caminhar pelas ruas das cidades onde moram, segundo o instituto: 34% dizem se sentir muito inseguros após o anoitecer e 26% dizem sentir um pouco de insegurança.

Uma pesquisa recente realizada pela Atlas Intel pediu aos entrevistados para avaliar a atual gestão em diversas áreas — e constatou que a segurança é também um calcanhar de aquiles do governo Lula.

Na segurança pública, só 36% aprovam o desempenho do governo, considerando-o bom ou ótimo. Na outra ponta, 47% o avaliaram como péssimo, 9% como ruim e 9% como regular.

Em comparação, 49% consideram como ótima ou boa a atuação do governo em direitos humanos e igualdade racial, 48% o aprovam em relações internacionais e 44% consideram a atuação em meio ambiente como boa ou ótima.

Mas a execução das propostas e resolução das crises de fato vão ficar a cargo do novo ministro.

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Flávio Dino foi indicado por Lula ao STF; posse está prevista para 22 de fevereiro

Tanto no Rio de Janeiro quanto em outros Estados, como a Bahia, o governo teve que responder a crises agudas nas quais “a situação saiu completamente do controle”, diz Rafael Alcadipani da Silveira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para Alcadipani, embora esses episódios sejam resultados de décadas de falta de ações efetivas tanto do governo federal quanto dos Estados, a situação é especialmente delicada para o governo Lula porque o PT governa o Estado desde 2007.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a Bahia foi o Estado com o maior número de mortes violentas intencionais em 2022, com 6.659 ocorrências.

Embora tenha havido uma queda de 5,9% em relação a 2021, o Estado é o primeiro em números absolutos e tem a segunda maior taxa de mortes violentas do Brasil, com 47,1 casos por 100 mil habitantes, atrás apenas do Amapá, com 50,1 por 100 mil.

No ano passado, a Bahia também se tornou o Estado com o maior número de mortes causadas por ações policiais, com 1.464 casos — 28 por semana, em média, segundo o Anuário. Desde 2015, esse número quadruplicou.

No início outubro, o assassinato de três médicos — um deles irmão da deputada federal Samia Bonfim (PSOL-SP) — em um quiosque na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, também trouxe atenção para a situação no Estado.

No fim do mês, houve um ataque de milicianos a dezenas de ônibus e um trem, que foram incendiados.

O Rio sofre no fogo cruzado da disputa entre o tráfico e a milícia — que hoje controla grande parte do território do Estado.

Atendendo a um pedido do governador Cláudio Castro, o Ministério da Justiça enviou 300 agentes da Força Nacional e 270 da Polícia Rodoviária Federal ao Rio para uma operação no Complexo da Maré, região conflagrada pela atuação de milícias e facções criminosas do tráfico de drogas.

Para Alcadipani, a necessidade de ter de responder a essas emergências dificultou a implementação de planos e mudanças mais estruturais pelo Ministério da Justiça.

“O que foi feito foi muito às pressas, agindo para dar uma resposta às crises, mas sem resolver o problema”, afirma o pesquisador.

“O que falta agora é de fato implementar uma política de segurança pública.”

Para Alcadipani, o sucessor de Dino terá não só o desafio de articular o apoio aos Estados no combate a esses problemas mais imediatos, como também o de convencer a opinião pública de que é capaz de colocar em prática sua visão para a área.

“O plano de governo do próprio PT de tentar construir uma relação mais organizada com os Estados não foi seguido no começo desta gestão”, diz Alcadipani.

Segundo o pesquisador, o governo federal precisa coordenar uma política com os Estados para conseguir integrar os diversos órgãos de investigação de inteligência, como o Ministério Público, a Polícia Federal e as polícias locais.

“O ministro precisa se reunir com os secretários de Segurança dos diferentes Estados para entender como pode ampliar a cooperação entre as diferentes forças e aí ver como a coisa vai se desenvolvendo”, diz Alcadipani.

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Integrar as policiais estaduais é um dos desafios do governo federal

Crime organizado e plano de segurança

Integrar os órgãos de inteligência é um dos pontos principais do Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc), que o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) anunciou no início de outubro, em meio às crises no Rio e na Bahia.

Dino disse que o plano estava “sendo construído há meses” e que “não é uma resposta às crises”, mas que “é útil ao enfrentamento” delas.

O projeto de combate ao crime organizado tem um planejamento até 2026, e o governo diz que ele contará com investimentos de R$ 900 milhões.

Segundo o governo, o plano nacional também inclui ações para aumentar a “eficiência dos órgãos policiais”, “melhorar o trabalho em portos, aeroportos e fronteiras” e melhorar o sistema de Justiça e “a cooperação entre os entes” da República.

O desafio de quem assumir a pasta será colocar esse programa em prática.

“Reconheço que há um esforço grande nesse sentido, mas é hora de se dedicar a mudar a governança do aparato de segurança pública no país.”

O especialista disse que o governo deveria implementar mecanismos para melhorar a atuação do chamado “policiamento de proximidade”, normalmente realizado pelas polícias militares ou guardas municipais.

“O governo poderia oferecer formação e repasses adicionais para isso. Outra coisa que o governo deve fazer é propor uma mudança nas carreiras policiais e na escala de trabalho”, afirmou.

“Só que isso passa pelo Congresso. O ponto é que só o Ministério da Justiça teria força para pautar essa discussão no Parlamento.”

O MJSP afirmou que vem alinhando “ações propositivas e ações reativas” para que se tenha “uma política completa de Segurança Pública” e listou as principais iniciativas da pasta.

Em nota enviada à BBC antes do anúncio de Dino para o STF, o ministério negou que realize ações pontuais, defendendo que “na verdade, são operações integradas com os Estados ou com as Forças Armadas, longamente planejadas e trazendo muitos benefícios”.

“Como exemplo, lembramos a redução do desmatamento na Amazônia, a diminuição de homicídios em relação ao ano passado, assim como o recorde de bloqueio de bens das quadrilhas, descapitalizando-as”, afirmou o ministério.

O ministério também afirmou que “trabalhou nas reestruturações das carreiras da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Penal” que tramitam no Congresso.

“Comunicação oficial já foi enviada às casas legislativas solicitando prioridade na análise e votação dos textos”, disse a pasta.

Segurança na internet

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Crises como os ônibus incendiados no Rio de Janeiro demandaram resposta do ministério

Entre os outros temas com os quais Lewandowski terá de lidar estão o combate às milícias digitais (organizações que espalham notícias falsas deliberadamente), a proteção de direitos na internet e a regulação do setor.

A necessidade de uma política voltada para esse tema veio à tona nos últimos anos, principalmente após questões polêmicas como a profusão de mentiras e desinformação pelas redes sociais durante a pandemia de covid-19 e a organização pela internet dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, quando extremistas invadiram e depredaram prédios dos Três Poderes em Brasília.

Depois de 8 de janeiro, a base do governo lançou da chamada PL das Fake News, sob relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), mas a tramitação foi paralisada após pressão das grandes empresas de tecnologia e acusações de que a lei promoveria censura.

Dino é um dos defensores do projeto e da regularização da internet — o que o colocou em confronto direto com essas plataformas.

“A farmácia na esquina é regulada. O açougue, supermercado e bancos também são. Mas as plataformas, porque são big techs, não podem ter regularização?”, disse ele em um evento em maio no Piauí.

Sob Dino, o ministério criou uma Secretaria de Direitos Digitais, sob o comando da advogada Estela Aranha, que tem a missão de tornar o ambiente digital mais seguro, incluindo a proteção de crianças e o apoio a vítimas de crimes digitais.

O próximo ministro terá de avançar o tema da regulação da internet — e enfrentar ou não as big techs.

*Com reportagem de Letícia Mori, Leandro Prazeres e Mariana Schreiber.