A laqueadura é um procedimento de esterilização feito em pessoas com o aparelho reprodutor feminino. A cirurgia interrompe o caminho entre o ovário e o útero com o corte das trompas. Isso impede o contato do óvulo com o espermatozoide e, consequentemente, uma gravidez.
Recentemente, começaram a valer novas regras para laqueadura e vasectomia (no aparelho reprodutor masculino) com a atualização da lei do planejamento familiar:
. A idade mínima passou de 25 para 21 anos;
. Quem tem pelo menos 2 filhos vivos também está autorizado, independentemente da idade;
. Foi dispensada a autorização do cônjuge para realizar a cirurgia;
. Pessoas sem filhos podem fazer a esterilização, desde que tenham a idade mínima;
. Mães podem fazer laqueadura imediatamente após o parto;
. É necessário esperar 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico.
Mulheres que não possuem filhos vêm relatando dificuldades para solicitar a laqueadura e ter acesso à cirurgia, tanto em consultórios particulares como no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as reclamações, estão a má interpretação da lei por profissionais de saúde e o desencorajamento por parte de médicos, que se negam a fazer o procedimento.
Entenda em seis pontos o processo para solicitar a esterilização de acordo com a lei e como é feita a cirurgia:
1. Para quem a laqueadura é indicada?
2. Como é feito o pedido?
3. A assinatura de um termo
4. O planejamento familiar
5. Em quanto tempo ocorre a cirurgia?
6. Como é a cirurgia?
1. Para quem a laqueadura é indicada?
A realização da laqueadura depende de cada pessoa, do seu histórico de saúde até dos seus objetivos de vida naquele momento. Isso porque é um procedimento irreversível e, apesar de ser considerado simples, há riscos como qualquer outra cirurgia. Confira a opinião de especialistas ouvidas pelo g1:
Ginecologista Mayra Boldrini: “Cada paciente tem as suas peculiaridades, como em relação ao ciclo menstrual, a quantidade de cólica, o histórico familiar… Tudo isso pode afetar a decisão. Não existe um método ideal para todas. Existe o método ideal para aquela mulher específica”.
Ginecologista e obstetra Ana Teresa Derraik: “A laqueadura é recomendada para aquelas que, depois de serem esclarecidas sobre todos os métodos contraceptivos disponíveis, serem informadas sobre complicações, efeitos colaterais, falhas, forma de usar, e tiverem garantido o acesso a esses métodos, se mantiverem firmes e seguras de que não querem mais de forma alguma engravidar”.
Ginecologista e sexóloga Rayanne Pinheiro: “A esterilização feminina pode, sim, ser um excelente método para um grande público de mulheres. Para mulheres que têm muito clara a decisão de que não desejam mais gestar, para mulheres que não querem ou por algum motivo de saúde não podem se expor a hormônios, para aquelas mulheres que têm pouco acesso a serviços de saúde, a esterilização pode ser um método muito definidor na vida delas”.
A eficácia da laqueadura como método contraceptivo fica acima de 99%, mas, a cada mil mulheres laqueadas, cinco podem engravidar pela forma natural. Além disso, a ginecologista Mayra Boldrini orienta que a pessoa siga se prevenindo contra infecções durante a relação sexual.
“Independentemente do método contraceptivo que a paciente escolha, nós sempre orientamos a manter o uso do preservativo, porque ele é o único método que protege efetivamente contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)”, diz a médica, que atende no Hospital Vergueiro, em São Paulo (SP).
2. Como é feito o pedido?
Pessoas interessadas em fazer a laqueadura devem manifestar o interesse junto ao médico ou diretamente no posto de saúde.
Ginecologistas explicam que o papel dos profissionais de saúde é informar e aconselhar a pessoa sobre a laqueadura e a possibilidade de adoção de outros métodos contraceptivos, com base em evidências científicas e no quadro de saúde da paciente.
“A gente tem que explicar todas as abordagens e quais são os riscos da cirurgia. É um procedimento seguro, mas possui riscos como qualquer outra cirurgia. Isso não deve servir para desencorajá-la, mas para mostrar como funciona”, afirma Mayra.
De acordo com a ginecologista e sexóloga Rayanne Pinheiro, o médico deve orientar a paciente e a escolha deve ser pactuada entre ambos, mas a decisão final é da mulher.
“Antigamente, a contracepção era algo muito determinado pelo médico. Use isso ou aquilo. Hoje não. Hoje, a gente precisa aconselhar a mulher e mostrar todos os métodos que são possíveis e quais seriam contraindicados no caso dela”, diz Rayanne.
Em muitos casos, o trâmite trava logo no começo: mulheres, principalmente as que não têm filhos e não querem ser mães, afirmam que foram desencorajadas a fazer o procedimento. Há também relatos de quem nem sequer conseguiu abrir o processo. Leia as histórias aqui.
3. Assinatura de termo
Se a pessoa quiser seguir com o processo para fazer a laqueadura, é preciso assinar um termo de consentimento. No documento, a paciente confirma que recebeu todas as informações necessárias sobre o método contraceptivo e a cirurgia. Ele também serve como uma garantia da manifestação de interesse e o cumprimento do intervalo de 60 dias até o procedimento cirúrgico, como diz a legislação.
4. Planejamento familiar
Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), ocorre o chamado planejamento familiar. A pessoa que manifestou o desejo em fazer a laqueadura participa de conversas com caráter educativo e explicativo sobre métodos contraceptivos. O bate-papo é feito com profissionais de saúde, com médicos, enfermeiros e psicólogos, entre outros.
“Nesse período, pode ser abordada a possibilidade de ela fazer uso de outros métodos reversíveis e que seja esclarecido que são métodos seguros. É muito importante que essa mulher tenha o poder de escolha e o domínio das informações. A gente, como profissional de saúde, precisa ter esse papel de esclarecimento”, afirma a médica Rayanne Pinheiro.
A pessoa também se prepara para a cirurgia com a realização de exames, como o papanicolau.
5. Em quanto tempo ocorre a cirurgia?
A espera mínima é de 60 dias, de acordo com a lei. Após esse período obrigatório, depende muito.
Nos planos de saúde, há relatos de mulheres que conseguiram fazer a laqueadura três ou quatro meses depois de entrar com o pedido.
Na rede pública, o processo pode ser mais demorado. A laqueadura é considerada uma cirurgia eletiva, ou seja, não tem caráter de urgência. E, para isso, há uma fila de espera no SUS, que varia conforme a cidade. Dependendo da localidade, o processo é mais rápido ou mais lento. Em um caso ouvido pelo g1, a espera estava em 360 dias.
6. Como é a cirurgia?
De acordo com a médica ginecologista e obstetra Ana Teresa Derraik, diretora da Maternidade Santa Cruz da Serra (RJ) e membra da Rede Feminista de Ginecologista e Obstetras, a laqueadura pode ser feita de três formas:
. por videolaparoscopia: quando são feitos três cortes bem pequenos na barriga para entrada do equipamento de vídeo e de instrumentos cirúrgicos para a realização da ligadura das trompas. É o procedimento menos invasivo;
. por laparotomia: quando é feita um único corte, mas um pouco maior, no abdômen da paciente. A cirurgia é feita com a visualização direta das trompas;
. ou por histeroscopia: feita sem cortes, por via vaginal.
“Há ainda a possibilidade de utilizarmos a técnica de Sauter, que é a laqueadura realizada após o parto normal. Como o útero está ainda aumentado, as trompas podem ser acessadas com uma incisão pequena feita no umbigo”, afirma Ana Teresa.
As tubas são “estranguladas” de diferentes formas, com o uso de aneis de plástico, com fios de sutura ou com cauterização. A escolha vai depender do material à disposição no momento da cirurgia. Não há impactos na eficácia do método.
De 2019 a 2022, foram realizados 324.272 procedimentos de laqueadura no SUS. Desses, 218.926 em mulheres entre 25 a 35 anos. A média de idade das mulheres que realizaram o procedimento é de 30 a 34 anos.
No caso de mulheres sem filhos ou com o status não informado, o número de laqueaduras praticamente dobrou nos últimos quatro anos: em 2019, foram 653 cirurgias. Em 2022, o número saltou para 1.241.
A quantidade de cirurgias é maior entre mulheres que tem dois filhos: foram mais de 43 mil procedimentos no ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde.