- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O mineiro Henrico Barboza, de 19 anos, vai votar pela primeira vez para presidente nas eleições de outubro deste ano.
Natural de Juiz de Fora e estudando para o vestibular, Henrico diz que já está decidido há algum tempo.
“Vou votar no ex-presidente Lula porque acredito no plano de governo dele em prol da democracia, do diálogo e do respeito pelas divergências”, diz o jovem que, além da simpatia pelo programa de Lula, é motivado por uma visão negativa do governo do atual mandatário e aspirante à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
“Além de provocar uma grave crise política e econômica em nosso país, o atual presidente causou uma grande crise institucional brigando com os poderes da República e contestando a urna eletrônica”, diz ele, que é de uma família católica que está dividida entre apoiadores do ex-presidente e eleitores de Jair Bolsonaro.
Conterrânea de Henrico, Julia Braga é natural de Formiga, no interior de Minas Gerais, e também votará pela primeira vez em 2022. Mas a jovem de 19 anos se define como parte de um estrato político totalmente oposto.
“Para mim, para que o Brasil chegue na mudança que tanto almejamos, mais quatro anos de governo do presidente Bolsonaro seriam essenciais”, diz a estudante de Medicina Veterinária.
“A liberdade, no contexto mais amplo da palavra, é uma das políticas defendidas por ele que mais me agrada, assim como os valores voltados à família, à fé e a defesa do direito de propriedade, do porte de armas e da criminalização do aborto”, afirma.
Henrico e Julia fazem parte dos quase 53 milhões de eleitores entre 16 e 34 anos aptos para votar em 2022.
Para cientistas políticos e analistas consultados pela BBC News Brasil, embora representem pouco mais de um terço do total de eleitores do país, os jovens podem ter impacto importante no resultado final da votação.
“Essa eleição tende a ser muito apertada, pois os dois principais candidatos têm alto grau de rejeição. E nesse cenário, grupos e minorias homogêneas podem fazer a diferença”, diz Leonardo Barreto, diretor da consultoria de risco político Vector Research.
O especialista explica ainda que a percepção dos eleitores mais novos sobre sua relevância no cenário atual pode motivar maior mobilização em torno de um objetivo comum.
“A literatura de ciência política diz que quanto mais um grupo acredita em sua capacidade de fazer a diferença, mais ele se mobiliza. Ao mesmo tempo, quando indivíduos não acreditam que podem mudar um resultado, a tendência é de se desmobilizar”, explica.
“Os jovens sozinhos, obviamente, não tem condições de garantir a vitória de um candidato, mas na somatória eles certamente farão a diferença, especialmente nesse contexto de alta rejeição ao atual presidente na ala”, diz Maria do Socorro Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Uma pesquisa Datafolha feita somente com jovens de 16 a 29 anos entre os dias 20 e 21 de julho em 12 capitais revelou que Bolsonaro tem a preferência de 20% dos eleitores desse universo, contra 51% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A rejeição do atual presidente no grupo é significativamente maior do que a do seu principal adversário: 67% dos jovens entrevistados afirmam que não votariam nele de jeito nenhum no 1º turno da disputa presidencial.
O nome do ex-presidente Lula, por outro lado, é o segundo mais rejeitado (32% não votariam de jeito nenhum).
Também do Datafolha, uma pesquisa realizada entre os dias 27 e 28 de julho de 2022 com 2.556 pessoas de diferentes idades em todo o Brasil mostrou que 52% dos eleitores entre 16 e 24 anos, quando apresentados aos nomes dos candidatos e pré-candidatos, responderam que pretendem votar em Lula, contra 24% que citaram Bolsonaro.
Já entre os jovens de 25 a 34 anos o candidato do PT aparece com 43% das intenções de voto, contra 30% do atual presidente.
Em termos gerais, 47% dos entrevistados disseram que pretendem votar em Lula e 29% em Bolsonaro. Em terceiro lugar está Ciro Gomes (PDT), com 8% das intenções de voto, seguido de Simone Tebet (MDB), com 2%.
Uma outra pesquisa, da Genial/Quaest, mediu a avaliação do atual governo entre diferentes grupos etários de todo o país. Entre os jovens de 16 e 24 anos, 46% dos entrevistados entre 28 e 31 de julho disseram ter uma visão negativa da atuação do mandatário, 32% regular e 20% positiva.
Já entre as pessoas de 25 e 34 anos, 42% avaliaram de forma negativa o governo, 29% regular e 27% positiva.
Considerando todos os entrevistados, independentemente da faixa etária, a pesquisa mostrou o ex-presidente Lula com 44% das intenções de voto contra 32% de Jair Bolsonaro no primeiro turno. Depois aparecem Ciro Gomes, com 5%; André Janones e Simone Tebet, com 2%; e Pablo Marçal, com 1%.
Interesse recorde?
Para Carolina Botelho, cientista política do Doxa (Laboratório de Estudos Eleitorais da Uerj) e do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Mackenzie, a força dos jovens se torna maior diante do recorde alcançado em 2022 no número de adolescentes entre 16 e 18 anos que tirou o título de eleitor.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país ganhou mais de 2 milhões novos eleitores nessa faixa de idade entre janeiro e abril deste ano, um aumento de 47,2% em relação ao mesmo período em 2018.
Para os jovens de 16 e 17 anos, o voto não é obrigatório. Mas o alistamento foi fortemente incentivado por campanhas nas redes sociais, que envolveram artistas brasileiros e até astros hollywoodianos.
“A mobilização para tirar o título de eleitor tende a ter um impacto mais prejudicial para a campanha de Jair Bolsonaro, pois quem liderou o movimento foram os setores mais progressistas da sociedade”, diz a cientista política.
“E mais importante: os jovens atenderam na mesma hora.”
O que explica a alta rejeição de Bolsonaro entre os jovens?
Segundo analistas consultados pela BBC News Brasil, as políticas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro para áreas como educação, geração de emprego e meio ambiente podem estar afastando o voto de eleitores jovens da candidatura do mandatário à reeleição.
“Especialmente em questões da vida prática, como educação e emprego, os jovens podem estar se sentido precarizados ou deixados de lado”, diz Carolina Botelho.
A pesquisadora chama atenção para o fato de que os jovens estão entre os grupos mais atingidos pelo desemprego — segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no primeiro trimestre de 2022, a maior taxa de desemprego, cujo valor atinge 36,4%, está no grupo de 14 a 17 anos, seguido da faixa etária de 18 a 24 anos com 22,8%.
“E não podemos esquecer que a maioria dos jovens brasileiros, que precisa dos serviços de educação pública, foi totalmente alijado durante a pandemia por falta de uma estrutura de política pública para atender esse setor”, diz Botelho.
Leonardo Barreto menciona ainda a assinatura pelo presidente da Medida Provisória 895/19, que criava uma carteirinha estudantil digital e retirava o monopólio da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) para emitir o documento, como uma ação que pode ter prejudicado sua imagem com grupos de estudantes.
A MP perdeu a validade por não ter sido analisada pelo Congresso Nacional no prazo regimental de 120 dias, mas pode ter “arrumado um pouco de briga com as entidades estudantis”, para Barreto.
Para o cientista político Francisco Fonseca, professor da FGV/Eaesp e da PUC-SP, as suspeitas de interferência e censura na produção do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), além do adiamentos da prova em 2020 por conta da covid-19, também podem contribuir para o cenário atual.
“Tudo que diz respeito ao ensino médio, ao acesso à universidade, bolsas de estudo e oportunidade de trabalho foi negligenciado pelo governo”, diz.
Maria do Socorro Braga cita também a posição da administração de Bolsonaro na área ambiental e cultural como outro fator que pode estar afastando os eleitores mais jovens de sua candidatura.
“A atuação do governo na área ecológica tem sido bastante criticada e esse tema interessa especialmente aos eleitores mais novos. Muitos ativistas relevantes do setor, inclusive, são bastante jovens”, afirma.
Progressistas ou conservadores?
Segundo o cientista político Leonardo Barreto, para além das ações tomadas durante os quatro anos de mandato de Bolsonaro, a rejeição entre os jovens pode ser ainda explicada por uma falta de alinhamento ideológico.
“Os jovens tendem a ser mais progressistas e de esquerda do que os adultos em qualquer lugar do mundo”, diz. “E por ser mais conservador nos costumes, Bolsonaro pode ter um diálogo mais complicado com esse grupo, especialmente com os mais progressistas.”
Barreto pondera, no entanto, que é possível que os eleitores mais progressistas estejam nas cidades grandes e capitais, enquanto os mais conservadores morem no interior.
É o caso de Julia Braga, que mora em Alfenas, no interior de Minas Gerais, para fazer faculdade. A cidade de cerca de 80 mil habitantes elegeu Jair Bolsonaro em 2018, com 68% dos votos válidos.
“Gosto da política voltada para o agronegócio defendida pelo presidente. Essa área sustenta a economia geral do nosso país”, diz a estudante, cuja família tem como principal fonte de renda o agronegócio. A religião, para ela, também é uma questão importante.
“Eu sou católica, minha fé sempre foi muito importante para mim e eu não deixo decisões passarem por cima dela de forma alguma”, afirma.
“O governo do atual presidente me representa como jovem. Mesmo sendo nova, tenho comigo as virtudes e valores que vieram da minha família e eu acredito que um governo que compartilha disso e é voltado para o bem-estar social já começa na frente”
Henrico Barboza vê em um governo Lula a realização de medidas mais próximas das prioridades dos jovens. “A juventude brasileira não quer a legalização do porte de armas, a juventude quer livros, a volta do ProUni, a retomada do povo nas universidades e mais políticas sociais”, afirma
O que mudou desde 2018?
Nem sempre o candidato petista teve a maioria da preferência dos jovens. Em novembro de 2017, cerca de um ano antes das eleições presidenciais que elegeram Bolsonaro, 60% dos eleitores que diziam pretender votar no atual presidente tinham entre 16 e 34 anos, segundo levantamento do Datafolha.
No mesmo período, 45% dos jovens na mesma faixa etária tinham intenção de escolher Lula nas urnas; a pesquisa foi realizada antes do registro da candidatura do ex-presidente ser rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Fernando Haddad ser anunciado oficialmente como adversário de Bolsonaro.
Para Leonardo Barreto, da Vector Research, a eleição de 2018 foi precedida por uma mobilização forte da juventude contra o governo do PT e a elite política do país em 2013, que culminou nas manifestações que ficaram conhecidas como ‘Jornadas de Junho’.
Segundo ele, esse movimento impulsionou o apoio dos setores mais jovens ao atual presidente.
“Pairava a ideia de que Bolsonaro era uma figura anti-sistema e muitos eleitores votaram em sua candidatura quase que como um protesto”, diz Barreto.
De lá para cá, principalmente na segunda metade do mandato, o analista diz que muitos passaram a acreditar que o presidente se associou “ao sistema”, principalmente ao se aliar ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para manter sua agenda e evitar processos de impeachment.
De acordo com o especialista, a candidatura atual de Bolsonaro, por meio de uma aliança “de centro-direita conservadora e tradicional da política brasileira” também pode estar contribuindo para a ideia de que ele não é mais um candidato anti-sistema.
O professor Francisco Fonseca cita ainda a influência da Operação Lava Jato como mais um fator que pode ter contribuído para a popularidade de Bolsonaro nas eleições de 2018. “A eleição 2018 foi muito atípica”, diz.
Segundo os cientistas políticos, os jovens que já declararam voto em Jair Bolsonaro tendem a cultivar uma identificação com o atual presidente que é, em grande parte, movida por ideologia.”Assim como muitos jovens rejeitam Bolsonaro por se identificarem mais com uma ideologia mais progressistas, os que votam no atual presidente tendem a se identificar com o conservadorismo”, afirma Leonardo Barreto.
“E nesse caso o conservadorismo entre esses jovens tende a estar muito associado à família, aos círculos sociais, à região onde eles moram e à intensidade da prática religiosa.””Além da questão religiosa, questões de cunho comportamental e de valores também associam alguns jovens ao Bolsonaro. Vejo que há uma ligação de alguns dos eleitores mais novos com a visão de mundo que ele pretende oferecer”, diz ainda Carolina Barreto.Além disso, segundo os especialistas, o fator renda pode influenciar no momento da escolha do candidato. “De forma geral, o atual presidente tende a ter mais apoio entre os jovens de famílias conservadoras e mais religiosas, mas também de classe média ou alta”, analisa Maria do Socorro Braga.
Visões “lulista” e “bolsonarista”
Para Maria do Socorro Braga, da UFSCar, há na atual divisão entre os dois primeiros candidatos nas pesquisas eleitorais “uma visão de dois ‘Brasils'”.
Entre os mais jovens, o antagonismo está visível também quando considerados o sexo dos eleitores.
Segundo a pesquisa do Datafolha realizada em 12 capitais brasileiras com eleitores de 16 a 29 anos, entre os homens, a intenção de votos em Lula estão em torno de 44%, com vantagem menor para Bolsonaro, que tem 24%.
Na fatia das mulheres jovens, o petista vai a 58%, com distância mais ampla para o nome do PL (16%).
O levantamento divulgado em 28 de julho também dividiu os jovens eleitores entrevistados de acordo com sua religião e perfil socioeconômico.
Entre os adolescentes e jovens evangélicos, Bolsonaro (36%) e Lula (30%) estão tecnicamente empatados, com vantagem numérica para o atual presidente, de acordo com o levantamento.
Dentro do grupo de jovens católicos entrevistados, Lula leva vantagem, com 53% dizendo que pretendem votar no ex-presidente, contra 18% em Bolsonaro.
Já quando considerado o nível socioeconômico, 53% dos eleitores entre 16 e 29 anos com renda familiar mensal de até dois salários mínimos dizem que pretendem votar em Lula, contra 18% em Bolsonaro.
Nas faixas de dois a cinco e cinco a dez salários mínimos a diferença entre os dois principais candidatos diminui um pouco, com 49% e 48% das intenções de voto para o petista contra 21% e 24% para o atual presidente, respectivamente.
Entre os que têm renda familiar de mais de dez salários, 41% dizem ter intenção de votar em Lula, contra 23% em Bolsonaro.
Contra o aborto e mais liberal
João Pedro Martin tem 20 anos e, além de ter declarado apoio à candidatura de Jair Bolsonaro, participa e organiza atos em favor do presidente em sua cidade, Promissão, no interior de São Paulo.
Ele se identifica como espírita e afirma que toda sua família pretende votar no candidato do PL.
“O presidente é contra o aborto e a legalização das drogas e favor da redução da maioridade penal, políticas que concordo”, diz o jovem, que também cita os conceitos de “liberdade econômica do atual governo” como positivos.
“Acredito que o que o presidente não conseguiu fazer durante esses quatro anos vai colocar em prática em um segundo mandato. A pandemia atrapalhou muito.”
O estudante de Direito afirma já ter apoiado algumas das ideias defendidas pela campanha do ex-presidente Lula e, inclusive, concorreu e foi eleito 1° suplente de vereador pelo PT nas eleições municipais de 2020.
“Sou envolvido com a política desde os meus 13 ou 14 anos, mas sempre fui mais à esquerda, creio que por influência de professores que admirava. Mas depois da pandemia passei a pesquisar mais e comecei a apoiar o presidente”, afirma João Pedro.
“Muitas pessoas diziam que Bolsonaro não olhava para os mais pobres, mas agora essas mesmas pessoas estão criticando a PEC Kamikaze”, disse à BBC News Brasil sobre a medida aprovada pelo Congresso que criou o reconhecimento do estado de emergência e permitiu ao governo turbinar benefícios sociais em ano eleitoral.
De direita, esquerda ou centro?
A pesquisa Datafolha realizada com jovens de 16 a 29 anos em 12 capitais brasileiras também questionou os entrevistados sobre sua identificação política e ideológica.
Entre os entrevistados, 32% disseram se considerar de esquerda, espectro que inclui os segmentos de extrema esquerda, esquerda, ou centro-esquerda. Já o segmento de centro agrega 30% dos adolescentes e jovens, e o de direita, incluindo extrema-direita, direita e centro-direita, abrange 33%.
Em relação aos candidatos escolhidos nas eleições, a pesquisa mostrou que o ex-presidente Lula tem 78% dos votos entre adolescentes e jovens que se consideram politicamente de esquerda. Bolsonaro tem 4% das intenções de voto e Ciro, 11%.
Entre os que se posicionam no centro do espectro político, o petista tem 40% das intenções de voto, e na sequência aparecem Ciro (19%) e Bolsonaro (14%).
Na parcela que se posiciona à direita no espectro político, o atual presidente tem 42%, em patamar próximo a Lula (35%), e em seguida aparece Ciro Gomes (7%).
Segundo Maria do Socorro Braga, os resultados apontam para um melhor desempenho do ex-presidente não apenas entre os jovens mais progressistas, mas também entre os de centro.
“A grande disputa nesta eleição vai ser pelos eleitores de centro ou que ainda estão indecisos”, conclui.
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