- Simone Machado
- De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
Com 1,25 m de altura, a influenciadora digital Rafaela da Conceição Lyma, de 21 anos, nasceu com hipocondroplasia, um dos tipos de nanismo — condição que tem como característica a deficiência no crescimento.
A baixa estatura sempre foi encarada com normalidade por Rafaela, já que ela não é a única que apresenta o transtorno na família. De origem genética, o avô e a mãe da influenciadora digital também possuem nanismo.
“Minha mãe soube que eu tinha nanismo no meu nascimento. De origem humilde e tendo que trabalhar muito, ela não tinha o hábito de fazer ultrassom. Com o passar do tempo, se eles percebiam que a gente não estava crescendo, era caracterizado o nanismo”, conta a jovem que nasceu em Picos, no Piauí.
Na infância, Rafaela recorda que não teve problemas devido à baixa estatura. Ela brincava, corria e se divertia como crianças da sua idade. Porém, com a chegada da adolescência os desafios se tornaram gigantes em um universo todo feito para pessoas com alguns centímetros a mais.
Diariamente, ela tinha que lidar com desafios como falta de acessibilidade em todas as situações, das mais simples às mais complexas. Na escola, o banheiro, as carteiras e o bebedouro de água eram feitos pensados em adolescentes de estatura mediana, por exemplo. Com os obstáculos físicos, veio também o preconceito.
“Foi uma fase bastante difícil, os colegas da escola zombavam de mim e aquela situação era rotina na minha vida. Sempre ouvi piadas como: ‘Quando você crescer eu namoro você’ ou ‘quando você crescer eu vou casar com você’, como se fosse impossível eu ter um relacionamento”, recorda.
O preconceito gerou em Rafaela medo de sair de casa e de estar entre as pessoas. Na fase do ensino médio, ela recusou uma vaga para estudar em uma escola federal devido ao receio de virar alvo de piada entre os novos colegas de sala.
“Frequentei um mês de aula e abandonei a escola. Na minha cabeça todos estavam me olhando e fazendo chacotas de mim, fato que nunca aconteceu, mas eu fantasiava aquela situação”, diz.
Portas fechadas no mercado de trabalho
Ao concluir o ensino médio, Rafaela tentou entrar no mercado de trabalho, porém, segundo ela, as portas sempre se mantiveram fechadas, situação que ela atribui ao seu transtorno de crescimento.
“Entreguei dezenas de currículo e nunca fui chamada. Ninguém fala que é por causa do nanismo, mas eu sinto que é. As empresas e as pessoas não estão preparadas para nos receber e aceitar de forma igual”, diz.
Sem conseguir um emprego formal, Rafaela encontrou nas redes sociais a alternativa para trabalhar, e mais do que isso, quebrar barreiras de preconceito.
Desde 2019 ela trabalha como influenciadora digital produzindo conteúdo sobre capacitismo (preconceito contra pessoas com alguma deficiência), o dia a dia de pessoas com deficiência e outros assuntos.
Maternidade deu um novo rumo
Há sete meses, Rafaela encara um novo desafio: cuidar do seu primeiro filho, Lohan. Tornar-se mãe também deu novo rumo à sua carreira de influenciadora digital, que tem agora a “maternidade real” como o principal tema para a produção de seus conteúdos.
“Eu sempre sonhei em ser mãe e sabia que teria uma dificuldade a mais devido à minha estatura, mas nunca deixei que isso atrapalhasse ou mudasse meus planos. Tive meu primeiro filho e me apaixonei tanto pela maternidade que tenho planos de ter o segundo daqui a alguns anos”, conta.
Lohan nasceu de parto cesariano e não nasceu com o nanismo como condição, assim como o pai. Apesar de o menino ter apenas sete meses, Rafaela relata que já tem dificuldades para carregar o bebê — que atualmente está com 70 centímetros e pesa quase 10 quilos.
“Ele já tem mais da metade do meu tamanho e é bastante pesado para mim. Me sinto muito fadigada e com dores nas costas devido aos cuidados, mas faço questão de fazer de tudo como dar banho, trocar, dar comida e ficar com ele no colo”, conta.
Para os cuidados com o bebê, a influenciadora digital conta que algumas adaptações foram feitas, como a banheira, que é colocada no chão, e as trocas são feitas na cama. Além disso, os objetos e roupas são sempre colocados em locais mais baixos.
Toda a rotina de mãe e filho é dividida com cerca de 63 mil pessoas que acompanham Rafaela nas redes sociais.
“Mostrar a minha rotina é uma forma de quebrar preconceitos e mostrar que quem tem nanismo é tão capaz quanto qualquer pessoa. A minha altura não define o que eu sou e nem é isso que vai definir se sou uma boa mãe”, diz.
O que é o nanismo?
O nanismo é caracterizado pela alteração no ritmo do crescimento dos ossos de uma pessoa, que resulta em baixa estatura (alcança no máximo 1,40 m). Atualmente há mais de 400 variações já registradas no mundo, sendo a mais comum a acondroplasia, com origem genética, que acomete cerca de 250 mil pessoas ao redor do planeta.
Nesse caso, se o pai ou a mãe tem o problema, há 50% de chance de o bebê apresentar essa displasia nos ossos. Já quando o casal possui a alteração, a probabilidade é de 75% de o bebê nascer com a condição.
“Nesses casos indicamos o aconselhamento genético para uma análise mais profunda de cada caso. A FIV (fertilização in Vitro) é uma das alternativas de a criança nascer saudável”, explica Temis Maria Félix, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica.
Ainda segundo Félix, no nanismo, a deficiência no crescimento dos ossos pode vir acompanhada de diversos problemas de saúde.
“Pessoas com nanismo tendem a ter problemas respiratórios, endócrinos, motores e ortopédicos. Além disso, as pessoas que possuem a condição têm tendência a ganhar peso, resultando na obesidade. Devido às comorbidades, a expectativa de vida de quem possui a condição é de 10 anos menos do que a média do brasileiro”, explica Temis Maria Félix, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica.
No Brasil, desde 2004, o nanismo se enquadra no rol das deficiências físicas devido ao comprometimento da função física e de seus impactos na vida de quem possui a condição.
Combate ao preconceito
No dia 25 de outubro é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Preconceito Contra as Pessoas com Nanismo.
A data é comemorada em diversos países e homenageia o ator e ativista norte-americano Billy Barty, que possuía a condição. Na década de 1950, ele criou uma associação que lutava pelos direitos das pessoas com nanismo.
Durante décadas, houve associação a figuras cômicas e um tratamento de forma infantilizada. Para Juliana Yamin, presidente do Instituto Nacional de Nanismo (INN), que atende cerca de 3.000 pessoas no Brasil, a data é mais uma ferramenta na tentativa de conscientizar a população sobre a importância dessa parcela da sociedade — que estuda, trabalha, têm filhos e vive como os demais.
“As pessoas com nanismo sofrem muito preconceito, sendo usadas em memes e situações vexatórias. Elas muitas vezes são fotografadas e filmadas para virarem piada na internet e precisamos parar com isso, conscientizar as pessoas. Deficiência não é piada. A data é um marco porque mostra que eles são como qualquer pessoa, basta que a sociedade não os limites”, diz.
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