A dramática busca que o FBI, a polícia federal americana, fez na mansão de Donald Trump na segunda-feira (8/8) foi um marco nas investigações sobre o ex-presidente e levanta a questão sobre como estas apurações podem eventualmente afetar a corrida pela presidência dos Estados Unidos em 2024, da qual Trump é um potencial candidato.
Algumas fontes afirmaram à imprensa que o mandado de busca cumprido pelo FBI na mansão de Mar-a-Lago, na Flórida, está relacionado a uma investigação sobre o manuseio de documentos oficiais por Trump.
Os ex-presidentes americanos são obrigados pela Lei de Registros Presidenciais (PRA, na sigla em inglês) a transferir todas as suas cartas, documentos de trabalho e e-mails para o Arquivo Nacional, agência do governo americano que preserva os registros presidenciais. Em fevereiro, o Arquivo Nacional pediu ao Departamento de Justiça que investigasse Trump por possíveis irregularidades neste manuseio de documentos oficiais — rasgando alguns deles, por exemplo, segundo acusações.
E então, caso essas investigações avancem, isso pode eventualmente tirar Trump da corrida presidencial? As interpretações de especialistas são divergentes.
Joseph Moreno, ex-promotor do Departamento de Justiça, afirma que a natureza e a sensibilidade das buscas realizadas em Mar-a-Lago sugerem que a investigação está se movendo na direção da formalização de acusações a serem respondidas na Justiça pelo ex-presidente.
“Alguém no FBI e na promotoria acreditam que há uma violação criminal sob a Lei de Registros Presidenciais ou sob outras normas referentes a documentos confidenciais, e é por isso que eles seguiram à frente (com a busca)”, analisa Moreno.
A ação na segunda-feira fez muitos analistas lembrarem da Seção 2071 do Título 18 do Código de Leis dos EUA, segundo a qual qualquer pessoa com custódia de documentos governamentais pode ser multada ou presa por até três anos se “deliberada e ilegalmente ocultar, remover, mutilar, obliterar ou destruir… qualquer registro, processo, mapa, livro, papel, documento ou outro item… em qualquer cargo público”. Além disso, a lei prevê que qualquer pessoa condenada se tornará “desqualificada para ocupar” qualquer cargo federal.
“Essa é uma lei real, e se Donald Trump violou essa lei… isso tem penalidades reais, incluindo a de que ele nunca mais poderá servir em um cargo federal”, disse o historiador presidencial Michael Beschloss à rede de TV MSNBC.
Alguns especialistas em direito, no entanto, rapidamente se colocaram afirmando que a lei dificilmente se aplicaria ou sobreviveria a qualquer tipo de recurso, já que as únicas restrições à elegibilidade presidencial na Constituição são relativas à cidadania, residência e idade — um candidato deve ter pelo menos 35 anos e ser residente nos EUA há pelo menos 14 anos.
“O princípio fundamental do direito constitucional é que a Constituição é suprema, e qualquer lei que entre em conflito com a Constituição é nula”, explica Brian Kalt, professor de direito constitucional na Universidade Estadual de Michigan.
Especialistas em direito acrescentaram à BBC que não há um histórico de proibição a pessoas condenadas concorrerem à presidência. O exemplo mais recente é o de George W. Bush, que tinha uma condenação por dirigir embriagado, mas conseguiu cumprir dois mandatos presidenciais.
Vários especialistas também sugeriram que o Congresso poderia impedir um candidato de ocupar o cargo por meio do processo de impeachment, mas a Constituição dos EUA não concede tal poder para condenações feitas sob a lei penal comum.
“A única maneira de ele ser impedido de concorrer é pelo Congresso [usando poderes de impeachment], mas isso seria muito incomum”, diz Moreno, ex-promotor do Departamento de Justiça.
Caso Trump fosse acusado e condenado sob a Seção 2071, haveria ainda a alternativa de recorrer à Suprema Corte, dominada por ministros conservadores, para que esta considerasse a questão da elegibilidade. Kalt avalia que esse cenário é improvável.
“Se eu estivesse aconselhando o sr. Trump, eu diria que ele não deveria se preocupar”, resume Kalt.
Embora muitos especialistas acreditem que o acionamento da Seção 2071 no caso de Trump seja limitado, qualquer tentativa de fazê-lo pode ter um grande impacto em suas perspectivas eleitorais e na percepção do público.
Marc E. Elias, um dos principais advogados do Partido Democrata, opositor a Trump, escreveu sobre isso no Twitter.
“Reconheço o desafio legal que a aplicação desta lei contra um presidente geraria”, escreveu ele.
“Mas a ideia de que um candidato teria que litigar isso durante uma campanha seria, na minha opinião, uma trama e tanto na política americana.”
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