- Bernd Debusmann Jr
- Da BBC News em Brasília
Centenas de manifestantes que invadiram o Congresso do Brasil foram presos e a chave para se identificar os organizadores do movimento pode ser a frota de ônibus apreendida pela polícia.
Há dois meses, Odair, de 60 anos, embarcou em um ônibus no Paraná com destino a Brasília, uma viagem de mais de 1.400 km.
Sua missão: passar semanas apoiando “o capitão” — o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas, para Odair, a viagem acabou mal.
Embora ele afirme que não participou das invasões a prédios públicos em 8 de janeiro, ele está entre os mais de 1,5 mil detidos pela polícia em acampamentos de apoiadores de Bolsonaro perto de quarteis militares.
“Tinha velhinhas lá dentro, chorando. Elas tinham perdido contato com todo mundo”, disse ele à BBC após ser solto, vestido com a camisa da Seleção brasileira. “É um negócio realmente triste.”
Os detidos vêm de pelo menos 10 Estados e, como Odair, fizeram uma longa viagem até Brasília.
Quatro dias antes do motim, um vídeo convidando pessoas para uma “festa” na capital brasileira viralizou. Prometia que ônibus gratuitos levariam pessoas de diferentes partes do país, com alimentação incluída.
Ainda está sob investigação quem ou qual grupo estava por trás dessa ideia.
“É óbvio que eles não fizeram isso sozinhos”, diz a moradora de Brasília Alice Teixeira à BBC em um posto de gasolina. “Eles vieram de muitos lugares.”
O que as autoridades dizem?
No início desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os manifestantes são “possivelmente vítimas” de manipulação nas mãos de financiadores ainda desconhecidos.
Até agora, grande parte da investigação se concentrou em uma frota de aproximadamente 40 ônibus apreendidos pelas autoridades após o tumulto. Muitos desses ônibus seguem apreendidos em um estacionamento da polícia na periferia da cidade.
Em coletiva de imprensa na terça-feira (10/1), o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que “empresários” não identificados alugaram os ônibus para transportar apoiadores de Bolsonaro a Brasília de todo o país. As viagens eram ofertadas gratuitamente nas redes sociais.
Embora Dino não tenha dado nomes em meio à investigação em andamento, ele descreveu os supostos organizadores como envolvidos na indústria agrícola e no lobby de armas nos Estados do Centro-Oeste e Sul do Brasil. Lula indicou que mineradoras e madeireiras também podem estar envolvidas.
Paulo Abrão, professor de direito e especialista em direitos humanos, disse que os apoiadores provavelmente são de grupos que “se beneficiaram da falta de controle do governo” sob o governo Bolsonaro.
“Os financiadores podem ser grupos que prejudicam o meio ambiente ou que violam os direitos humanos”, disse ele. “Esses grupos se beneficiariam com o ataque às instituições do Estado.”
Negações de bolsonaristas
Muitos defensores radicais do ex-presidente continuam apegados à narrativa de que os eventos de 8 de janeiro foram obra de infiltrados de esquerda que, segundo eles, queriam atrapalhar os protestos pacíficos contra o governo Lula.
Entre eles está Telma Viera, moradora de São Paulo que passou semanas em um acampamento na cidade ao lado de outros apoiadores de Bolsonaro. Na terça-feira, ela esteve em Brasília, onde visitou dois amigos presos após a quebradeira.
“Isso não foi algo feito por nossos patriotas”, disse ela do lado de fora da instalação policial onde os supostos manifestantes estão detidos. “Tinha gente de esquerda lá, antes da nossa.”
Outro defensor de Bolsonaro, Edson Varela, diz que “infiltrados” começaram a violência “para dar ao governo mais um motivo para vir atrás de Bolsonaro”.
Varela e Viera apontaram para o Instagram e vídeos de mídia social que supostamente mostrariam apoiadores de Lula na multidão.
Embora a veracidade de nenhum desses vídeos tenha sido comprovada, essas opiniões estão sendo amplamente compartilhadas e ganhando força entre grandes grupos bolsonaristas no Brasil e no exterior.
Juscelino Colares, professor de direito brasileiro radicado nos EUA, disse à BBC que seus amigos brasileiros lhe enviaram “vídeos que documentam bolsonaristas dizendo aos manifestantes para não queimar ou destruir propriedade pública”.
“Como eu, todos eles acreditam que muitos agentes infiltrados da esquerda se aproveitaram da frustração de alguns ingênuos manifestantes de direita”, disse ele.
E agora?
Embora as autoridades brasileiras tenham prometido identificar e punir os responsáveis, até agora eles ofereceram poucos detalhes sobre a investigação, embora as operadoras de telecomunicações brasileiras tenham recebido ordens de preservar os dados que podem estar relacionados ao ataque em Brasília.
Ainda não se sabe qual será a punição para os que forem condenados pelas invasões.
Alguns brasileiros, como Paulo Abrão — que é ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos —, agora pedem uma comissão do Congresso para investigar as invasões, como foi o caso dos EUA com o comitê que analisou o ataque ao Capitórlio em 6 de janeiro de 2021.
“Este país precisa muito criar um instrumento que envolva o judiciário e demais poderes do governo”, afirma. “Precisamos criar as condições para que isso seja possível. É vital.”
Enquanto isso, muitos brasileiros aguardam ansiosamente por respostas.
“Acredito que alguns serão [eventualmente] identificados”, disse Geomar Andre Bender, advogado e autor.
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