As cenas de caos e destruição protagonizadas por bolsonaristas durante a invasão das sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo (08/01) lembram o que aconteceu em Washington, nos Estados Unidos, há dois anos.
Na ocasião, milhares de apoiadores do presidente Donald Trump invadiram o Capitólio, sede do Congresso americano, para tentar impedir a certificação do resultado da eleição que elegeu o atual presidente Joe Biden.
Mas quais são as semelhanças e diferenças entre os dois incidentes?
As semelhanças
1. Violência
Em ambos os casos, os manifestantes tomaram os prédios institucionais à força, deixando um enorme rastro de destruição por onde passaram.
Tanto em Washington quanto em Brasília, os manifestantes conseguiram passar pelo pequeno número de policiais que tentaram detê-los e abriram caminho quebrando janelas e arrombando portas.
No domingo, os bolsonaristas saíram das imediações do Quartel General do Exército onde estavam acampados e avançaram cerca de oito quilômetros até a Praça dos Três Poderes para invadir o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
Vestidos com as cores da bandeira nacional, sendo que muitos enrolados na própria bandeira brasileira, eles praticaram inúmeros atos de vandalismo, destruindo tudo o que encontravam pela frente — quebraram vidraças, móveis antigos, obras de arte, equipamentos de informática e arquivos.
Como aconteceu no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, vários vídeos publicados nas redes sociais mostram como alguns dos invasores levaram “troféus” do Congresso Nacional.
Em ambos os casos, muitos manifestantes vieram de lugares distantes no país.
Em Washington, eles se reuniram pela manhã na esplanada conhecida como The Ellipse, em frente à Casa Branca, para ouvir os discursos de Trump e de alguns de seus aliados. De lá, marcharam para o Capitólio. Muitos haviam chegado no dia anterior.
Em Brasília, dezenas de ônibus com manifestantes chegaram horas antes de outras partes do Brasil para se juntar ao acampamento de bolsonaristas na capital. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, 40 desses ônibus já foram identificados, assim como quem os financiou.
A violência não foi apenas patrimonial.
Cerca de 70 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde, ficaram feridas no domingo, incluindo policiais e jornalistas, que foram agredidos pela multidão. Pelo menos 1,2 mil pessoas foram detidas.
Em Washington, cinco pessoas morreram e cerca de 140 policiais ficaram feridos. Quatro policiais que responderam ao ataque cometeram suicídio desde então.
2. A narrativa
Tanto os apoiadores de Donald Trump quanto os de Jair Bolsonaro estão convencidos, sem nenhuma prova, de que houve fraude nas eleições em que seus candidatos perderam — e que, portanto, eles estavam lutando para corrigir uma injustiça.
Assim como Trump fez (e continua a fazer nos EUA), Bolsonaro passou meses alimentando a narrativa de que as eleições em que foi derrotado não foram limpas — e semeando dúvidas sobre as urnas eletrônicas, que poderiam ser manipuladas, segundo ele, seguindo retórica semelhante a que tem sido usada pelo ex-presidente dos Estados Unidos.
Em uma votação bastante apertada, o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições presidenciais em 30 de outubro e tomou posse em 1º de janeiro.
Lula conseguiu se candidatar e vencer as eleições após a condenação por corrupção que o fez passar 580 dias na cadeia ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal.
Em um país profundamente dividido, em que posições extremistas se acentuaram diante do populismo de extrema-direita representado pela gestão de Bolsonaro, a volta de um presidente de esquerda — sobretudo após sua passagem pela prisão — foi demais para seus opositores.
Desde a derrota de Bolsonaro nas urnas, muitos de seus apoiadores se organizaram em grupos de WhatsApp e Telegram para planejar manifestações e acampamentos como os que acontecem em frente aos quartéis em várias cidades do país.
Esse discurso de conspiração que se ouve no Brasil lembra aquele que faz parte da estratégia da equipe de Donald Trump desde que ele perdeu as eleições.
Na verdade, desde a derrota nas urnas, a equipe de Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo, tem mantido contato tanto com Trump quanto com seu estrategista Steve Bannon e seu ex-porta-voz Jason Miller, conforme revelou o jornal americano The Washington Post.
O próprio Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, descreveu Bolsonaro como um “herói” e alimentou a teoria de “eleição roubada” em seu podcast War Room e na rede social Gettr, criada pelo ex-presidente americano.
Ambas as invasões aconteceram alguns meses depois das eleições em que seus candidatos foram derrotados.
Joe Biden venceu as eleições em 3 de novembro de 2020, embora só tenha tomado posse como presidente em 20 de janeiro de 2021.
Lula venceu o segundo turno das eleições presidenciais em 30 de outubro de 2022, e tomou posse em 1º de janeiro, uma semana antes das invasões em Brasília.
Durante esses dois meses, a retórica em torno da suposta fraude eleitoral — nunca comprovada — foi ganhando força nas redes e canais de comunicação dos seguidores dos candidatos derrotados, até resultar nos ataques às instituições.
Esse tempo também permitiu que os invasores se organizassem.
No caso do Brasil, o Ministério da Justiça está agora investigando não só os autores dos atos de violência no domingo, como também quem os iniciou e financiou.
As diferenças
1. O papel do Exército e da polícia
Diferentemente do que aconteceu nos EUA, onde os trumpistas estavam determinados a retomar o poder por seus próprios meios, no Brasil os bolsonaristas pedem uma intervenção militar para levar Bolsonaro de volta ao Palácio do Planalto.
Até domingo passado, o Exército, que desempenhou um papel de destaque durante o mandato do ex-presidente, parecia ter tolerado o acampamento desses manifestantes em frente aos seus quartéis.
“As principais figuras militares apoiaram a agenda de direita radical de Bolsonaro por um longo tempo e, mesmo recentemente, mostraram total apoio a várias manifestações a favor do golpe de Estado que ocorreram em diferentes partes do país nos dias que antecederam o ataque”, afirmou Rafael R. Ioris, professor de história da América Latina, em artigo publicado no site de notícias acadêmicas The Conversation.
Durante a gestão de Bolsonaro, vários militares de alto escalão ocuparam cargos no governo, incluindo no Ministério da Defesa e até mesmo no Ministério da Saúde durante o auge da pandemia de covid-19. Estima-se também que cerca de 6 mil militares ativos receberam cargos não militares no governo nos últimos 8 anos.
Desde que assumiu o cargo, Lula manteve uma postura “conciliadora” com as Forças Armadas.
De acordo com o historiador Carlos Fico, estudioso da ditadura militar brasileira (1964 a 1985), “qualquer governo que assumisse agora teria dificuldade (na relação com os militares), a não ser que fosse um de extrema-direita. Então, acho compreensível a tentativa de acalmar os ânimos”, disse ele em entrevista à BBC News Brasil.
O papel da polícia durante as invasões também levantou questionamentos.
A imprensa brasileira divulgou vídeos que mostram uma aparente passividade dos policiais militares da capital diante dos invasores, chegando a conversar com eles de forma descontraída.
O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro, foi exonerado do cargo pelo governador, e a Advocacia-geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal sua prisão.
Durante as eleições, alguns setores da polícia também foram criticados por instalarem barreiras policiais nas rodovias para dificultar o acesso às zonas eleitorais nas regiões em que Lula seria eleito.
2. Trump ainda era presidente, e Bolsonaro não
A invasão do Capitólio em 2021 aconteceu ainda sob o mandato de Donald Trump. Apesar de já ter perdido as eleições, o republicano ocuparia a Casa Branca até o dia 20 de janeiro, então naquele momento ele era a autoridade máxima.
Bolsonaro, no entanto, deixou o cargo em 31 de dezembro — e se encontra, desde então, nos Estados Unidos, especificamente na Flórida.
Alguns meios de comunicação brasileiros interpretaram essa saída como uma estratégia para evitar comparecer à posse de seu sucessor, enquanto seus opositores veem uma fuga preventiva diante do fim da sua imunidade presidencial, o que poderia colocar o ex-presidente perante a Justiça.
Na mesma manhã da invasão ao Capitólio, Donald Trump fez um discurso aos seus apoiadores no qual afirmou que nunca aceitaria o resultado das eleições, e no qual pediu ao seu vice-presidente, Mike Pence, que revogasse o resultado.
Embora não tenha feito um apelo explícito à violência, o discurso dele estava repleto de imagens violentas e pedia, inclusive, que (seus apoiadores) marchassem até o Capitólio e “lutassem como demônios” porque, do contrário, segundo ele, “vocês não terão mais um país” .
Já Bolsonaro, embora alimente há meses teorias de que as eleições foram fraudadas, se desvinculou no domingo dos acontecimentos em Brasília.
“Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”, escreveu Bolsonaro no Twitter.
Ambos, no entanto, levaram várias horas para reagir depois que os incidentes começaram.
O ex-presidente foi esfaqueado em 2018 e desde então enfrenta dores abdominais.
3. O Capitólio estava no meio de uma sessão
Outra diferença entre os dois ataques é que a invasão em Brasília aconteceu em um domingo, com todas as instituições fechadas. Já a invasão do Capitólio, em Washington, ocorreu em meio a uma sessão legislativa.
E não era uma sessão qualquer, era a sessão do Legislativo que certificaria a vitória de Joe Biden nas eleições.
Os trumpistas pretendiam, portanto, impedir a transferência pacífica de poder.
Diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, os bolsonaristas não invadiram apenas a sede do Poder Legislativo, mas também a do Executivo e do Judiciário, à espera possivelmente de que outros se juntassem à sua luta, inclusive o Exército.
Os manifestantes vagaram pelos edifícios-sede dos Três Poderes, cujos projetos arquitetônicos são de Oscar Niemeyer, quase sem encontrar obstáculos até a polícia conseguir retirá-los de lá.
Na invasão ao Capitólio, no entanto, o prédio estava repleto de representantes políticos e suas equipes, além de jornalistas e forças de segurança, o que causou pânico entre os presentes.
Muitos tiveram que se esconder em seus escritórios, outros em seus assentos nas câmaras, enquanto alguns conseguiram ser retirados em cenas que nunca haviam sido vistas no país.
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