Alguns solicitantes de asilo que atravessam o mar entre a França e a Inglaterra serão enviados para Ruanda, um país da África Centro-oriental, de acordo com os planos do governo britânico.
A justificativa é que o programa — que está sendo contestado na justiça — vai desencorajar outras pessoas de cruzarem o Canal da Mancha.
No entanto, há preocupações sobre direitos humanos e se Ruanda seria o lugar adequado para os solicitantes de asilo.
O que é o plano de asilo de Ruanda?
O plano, que tem caráter experimental e deve durar cinco anos, estipula que alguns refugiados que chegam ao Reino Unido sejam enviados para Ruanda, para solicitar asilo daquele país africano.
Os primeiros refugiados estão previstos para serem enviados nesta terça-feira (14/06).
Acredita-se que o plano seja voltado principalmente para jovens migrantes solteiros que chegam pelo que o governo do Reino Unido chama de “métodos ilegais, perigosos ou desnecessários”, como em pequenos barcos ou escondidos em caminhões.
De onde vêm os solicitantes de asilo do Reino Unido?
Até recentemente, a maioria dos solicitantes de asilo que cruzavam o Canal da Mancha vinha do Irã — 80% em 2018, e 66% em 2019.
Mas agora há uma mistura maior de nacionalidades. Os iranianos representaram 30% das chegadas de pequenos barcos no ano passado. Cerca de 21% eram iraquianos, 11% eritreus e 9% sírios. Aproximadamente 75% eram homens de 18 a 39 anos.
Em 2021, sabe-se que 28.526 pessoas cruzaram o Canal da Mancha em pequenos barcos — em comparação com 8.404 em 2020. O total neste ano deve ser muito maior.
Quantas pessoas estão sendo enviadas para Ruanda?
“Qualquer pessoa que entre ilegalmente no Reino Unido” desde 1º de janeiro pode ser enviada para Ruanda, sem limite de número, segundo afirmou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
Mas uma fonte do Home Office (Ministério do Interior britânico, órgão responsável pela imigração) disse à BBC que as contestações judiciais sobre escravidão moderna e direitos humanos reduziram drasticamente o número de refugiados previstos para embarcar nesta terça-feira — originalmente seriam 37.
Segundo a instituição beneficente Care4Calais, 11 pessoas devem embarcar agora.
Qual é a ação judicial?
ONGs estão contestando o programa na justiça, dizendo que os solicitantes de asilo não estão tendo tempo suficiente para apelar pelo direito de permanecer no Reino Unido.
Outros grupos questionaram se Ruanda é um país seguro para solicitantes de asilo e argumentaram que a política viola leis de direitos humanos.
O Tribunal de Apelação britânico rejeitou uma tentativa de suspender o voo desta terça-feira.
A ONG Asylum Aid entrou com uma liminar contra o voo.
Um advogado da Organização das Nações Unidas (ONU) disse ao Supremo Tribunal em Londres que os refugiados estariam correndo risco de “danos graves e irreparáveis” se enviados para Ruanda.
Mas Johnson afirmou que o governo sabia que “advogados bastante ativos” tentariam contestar a política.
Segundo ele, os ativistas “querem ter uma abordagem completamente de portas abertas para a imigração” e era importante “deter as gangues criminosas” que traficam pessoas por meio do Canal em embarcações perigosas.
Os críticos do plano incluem Justin Welby, líder da Igreja Anglicana, que disse que “o princípio precisa resistir ao julgamento de Deus, e não pode”.
Segundo reportagens publicadas na imprensa britânica, o príncipe Charles descreveu a iniciativa como “terrível”.
Quanto vai custar?
O Reino Unido está investindo 120 milhões de libras (R$ 743 milhões) no “desenvolvimento e crescimento econômico de Ruanda” como parte do acordo.
O Home Office afirmou que o programa de asilo do Reino Unido custa atualmente 1,5 bilhão de libras (R$ 9,3 bilhões) por ano, com mais de 4,7 milhões (29,1 milhões) gastos por dia em hotéis para acomodar migrantes sem-teto.
Comparações foram feitas com o sistema de transferência de refugiados da Austrália, cujo custo foi estimado em US$ 957 milhões (R$ 4,9 bilhões) em 2021-2022.
O custo de remoção de pessoas do Reino Unido por voo fretado foi superior a 13 mil de libras (R$ 80,5 mil) por pessoa em 2020.
Como Ruanda acolhe refugiados?
Ruanda está adaptando albergues perto da capital, Kigali, para abrigar os migrantes do Reino Unido. Repórteres que visitaram as instalações dizem que elas são básicas.
O país já abriga cerca de 150 mil refugiados, muitos deles provenientes dos vizinhos Burundi e República Democrática do Congo.
A ONU e a União Europeia também criaram um “centro de acolhimento” em Gashora, a 90 km da capital, Kigali, para receber 300 refugiados do Oriente Médio e de outras regiões de África.
Eles haviam tentado cruzar o Mediterrâneo da Líbia para a Europa, mas foram pegos em meio à guerra civil líbia.
Como é a vida em Ruanda?
Alguns refugiados em Ruanda conseguiram encontrar trabalho como agricultores e empregados domésticos. No entanto, a maioria está desempregada e depende de benefícios estatais de cerca de 35 libras (R$ 217) por mês.
O governo de Ruanda diz que o país teve um crescimento econômico “milagroso” desde 1994, quando uma guerra genocida matou 800 mil pessoas.
O número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza nacional caiu de 77% em 2001 para 55% em 2017. A expectativa de vida ao nascer subiu de 29 anos, em meados da década de 1990, para 69 anos em 2019.
No entanto, Ruanda continua sendo um dos países mais pobres do mundo, ocupando o 165º lugar em renda média per capita. Cerca de 70% dos 13 milhões de habitantes do país vivem apenas com o básico, como agricultura de subsistência (quando o agricultor produz alimentos para garantir sua sobrevivência, a da sua família e a da comunidade em que está inserido).
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