- Gilberto Nascimento
- De São Paulo para a BBC News Brasil
A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo brasileiro Edir Macedo, deve travar uma batalha judicial para retomar o controle de seus templos em Angola, depois de ter quatro integrantes julgados no país africano.
No dia 31 de março, a Justiça angolana condenou o bispo brasileiro Honorilton Gonçalves, ex-executivo sênior da TV Record, a três anos de prisão e inocentou ele e outros três réus de acusações de lavagem de dinheiro, associação criminosa e evasão de divisas. Gonçalves foi condenado pelo crime de violência doméstica, por impor a vasectomia a religiosos, mas com uma “pena suspensa” (veja detalhes abaixo). No Instagram, o bispo comemorou a decisão e disse que “a justiça foi feita”.
O juiz Tutri Antônio, da 4ª. Seção de Crimes Comuns do Tribunal de Luanda, determinou que os templos, o patrimônio e as contas bancárias bloqueadas da igreja deverão ser devolvidos à sua legítima direção.
Como o juiz não especificou qual seria essa legítima direção – e há uma disputa hoje entre duas alas da igreja -, a direção brasileira da Universal passou a considerar que terá de volta os seus templos. O tribunal determinou a “devolução dos templos e bens à Universal do país”, afirmou, em uma nota, a Universal no Brasil.
O juiz lembrou que o tribunal julgou apenas os crimes apontados no processo.
Mas existe uma disputa pelo comando da igreja entre duas alas, que já se estende por dois anos – e que deve ser discutida numa outra instância judicial, esclareceu o juiz.
“É uma questão que deve ser resolvida em outro tribunal. As pessoas que estão a disputar (o controle) pela igreja têm advogados e sabem onde devem se dirigir para poder determinar com quem vai ficar a gestão da igreja e quem vai receber de volta os bens que o tribunal mandou restituir”, disse o magistrado, à imprensa. “Essa parte já não me compete, já não compete aos meus colegas. Por esta razão, não nos pronunciamos”.
Para a ala angolana da Universal, não há dúvidas de que a instituição hoje no país é comandada pelo bispo Valente Bezerra Luís – e só teria um líder -, já que a assembleia geral que o elegeu, em 2020, foi reconhecida pelo Instituto Nacional de Diálogo Religioso (Inar), órgão que controla o funcionamento das igrejas no país, ligado ao Ministério da Cultura angolano.
“Já não há conflito na Igreja Universal. A igreja realizou uma assembleia e esse resultado foi informado ao Inar. Essa nova direção é a nova interlocutora com o governo angolano. Todas as questões relacionadas com a Igreja Universal serão resolvidas com essa direção, legitimamente saída da assembleia”, disse, à época, o então ministro da Cultura angolano, Jomo Fortunato.
Mas uma publicação sobre alterações no estatuto da igreja no Diário da República (o Diário Oficial angolano), em outubro de 2021, encaminhada pela ala brasileira, reacendeu a discussão e gerou polêmica. O Inar informou, entretanto, que não teria recebido esse pedido de alteração.
O grupo alinhado a Macedo reivindica a legitimidade aos bens da instituição e considera que o Inar estaria agindo com parcialidade. No tribunal, os advogados da ala brasileira apresentaram uma declaração assinada por Macedo, na qual ele atestava que um outro bispo seu aliado, Alberto Segunda, seria “o líder espiritual da IURD em Angola”. Só Macedo, líder mundial da igreja, teria legitimidade para eleger o presbítero-geral no país, defendem seus seguidores.
Os apoiadores do fundador da Universal comemoraram, com festa, o resultado do julgamento de seus religiosos em Angola no final de março. A ala brasileira considerou uma vitória a condenação de apenas um dos réus, o bispo Honorilton Gonçalves, por violência doméstica, e com pena foi suspensa por dois anos, após as partes terem recorrido da sentença (a ala angolana a considerou muito branda).
O Ministério Público local havia pedido a condenação dos quatro réus pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa, expatriação de capitais (evasão de divisas) e burla por defraudação (estelionato), mas o tribunal rejeitou essas acusações.
Foram absolvidos o pastor brasileiro Fernando Henriques Teixeira, executivo da TV Record África; e os angolanos Antonio Miguel Ferraz, bispo; e Belo Kifua Miguel, pastor.
Cerca de 300 bispos e pastores angolanos haviam se rebelado contra a direção brasileira da Universal, no final de 2019. Os religiosos divulgaram um manifesto acusando a instituição por crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, racismo e imposição de vasectomia a pastores.
Em junho de 2020, os bispos e pastores rebeldes – identificados como o grupo da Reforma – assumiram o comando da igreja, após a assembleia geral que destituiu os antigos dirigentes alinhados a Edir Macedo.
As denúncias feitas pelos angolanos foram investigadas pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola, o equivalente à Polícia Federal no Brasil, e encaminhadas à Procuradoria Geral da República angolana.
A direção brasileira da Igreja Universal negou veementemente as acusações dos religiosos angolanos. “É totalmente falsa essa questão. É totalmente sem fundamento. Isso é uma versão levantada por esses ex-pastores e pastores dissidentes com o objetivo de tomar a igreja”, respondeu a Universal, em uma nota. Para a instituição, a liberdade religiosa estaria em risco no país africano.
Em maio do ano passado, a TV Record África teve suas atividades suspensas em Angola. Mais de 50 pastores e obreiros brasileiros da Universal foram mandados de volta ao Brasil depois de terem os seus vistos de entrada no país vencidos.
Para o bispo angolano João Bartolomeu, ligado ao grupo da Reforma, um dos sinais evidentes de que Valente Luís é o líder da Universal seria o fato de ele ter sido o representante da igreja convidado para um encontro com o presidente de Angola, João Lourenço, com outros religiosos, para celebrar os 20 anos do fim da guerra civil no país.
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