- Katie Razzall
- Editora de Cultura e Mídia da BBC News
Os episódios finais do documentário Harry & Meghan chegaram à Netflix na quinta-feira (15/12).
A segunda parte da série (episódios quatro a seis) teve um impacto muito maior do que a primeira.
O espectador ganha uma visão mais aprofundada dos bastidores da vida do casal.
Depois de quase seis horas na frente da televisão, estas são as minhas conclusões:
1. Unilateral, mas inspira solidariedade
O programa revela o peso emocional que o casal sente que sofreu nas mãos da imprensa e da família real.
Eles falam sobre a luta de Meghan com pensamentos suicidas. Harry admite que “não lidou bem com isso”. A mãe de Meghan, Doria, chora ao dizer que “partiu meu coração” ouvir que sua filha queria tirar a própria vida.
O duqe e a duquesa de Sussex compartilham sua crença de que o aborto espontâneo que Meghan sofreu foi causado por estresse, como resultado do processo judicial contra a Associated Newspapers.
Os dois filmam para registro os paparazzi em helicópteros, barcos e carros ao redor da casa deles no Canadá. Eles discutem como sentiram medo.
A maioria das pessoas que assiste não consegue deixar de se sentir solidária. Claro, a narrativa é unilateral. Estamos ouvindo apenas a perspectiva deles.
Os criadores do programa optam por uma trilha sonora carregada de emoção para garantir que a gente entenda o sofrimento deles. (A certa altura, intencionalmente, ouvimos a letra da música Do What You Gotta Do, de Roberta Flack, que diz: “I loved you better than your own kin did”, que pode ser traduzida como “eu te amei mais do que sua própria família”).
Mas, embora possamos estar sendo manipulados, a dor deles é clara.
2. Muitas perguntas sem resposta
Depois de seis episódios de Harry & Meghan, ainda não sabemos quem supostamente questionou o quão escura seria a pele de Archie. Meghan não aborda as acusações de bullying contra ela, a não ser como um exemplo de como a máquina do palácio trabalhou para depreciá-la.
No dia seguinte à entrevista bombástica de Oprah, as câmeras da Netflix aparentemente estão filmando quando Harry recebe uma mensagem do irmão.
“Eu gostaria de saber o que fazer”, diz ele, parecendo tenso.
Gostaríamos de saber o que estava escrito na mensagem, mas não sabemos. A série ainda deixa muita coisa no ar.
3. Um conto trágico
Qualquer pessoa que assistiu aos príncipes quando crianças andando atrás do caixão da mãe a caminho do funeral, provavelmente ficará profundamente triste pelo relacionamento dos dois estar tão abalado agora.
Nesta segunda parte da série, Harry critica muito mais diretamente o irmão. Ele acredita que o que chama de “jogo sujo” de briefings negativos que seriam vazados a membros da imprensa por equipes de comunicação da realeza se estendeu ao escritório do príncipe William.
Ele diz que, tendo visto como a equipe do pai dava informações para prejudicar sua mãe, os meninos concordaram que nunca fariam isso. A insinuação é que William colocou seus próprios interesses à frente de qualquer outra coisa.
O relacionamento dos dois está rompido — e não parece que a relação vai melhorar tão cedo.
4. A história é mais complicada, mas…
Esta é a “verdade” deles, e não toda a verdade. Há contradições. Ouvimos dizer que havia ciúme, que Meghan e Harry estavam ocupando todas as manchetes. Somos informados de que “eles” começaram a dar informações para prejudicá-los. Em seguida, também ouvimos que o palácio aprovou um documentário inteiro de Meghan e Harry feito pelo canal de televisão britânico ITV, no qual ela compartilhou seu sofrimento.
Mas a vida não é binária.
É possível sentir que a narrativa pode não ser tão simples quanto eles a veem, e ao mesmo tempo sentir que sua partida é uma grande perda para a família real e para a Grã-Bretanha como um todo.
Quem não se lembra da alegria que tantos sentiram pela união do casal? O coro gospel na Abadia, a visão de Meghan trabalhando para criar um livro de receitas com a comunidade de Grenfell (prédio em Londres destruído por um incêndio em que morreram 72 pessoas), as possibilidades que ter uma mulher mestiça no coração da família real oferecia à Grã-Bretanha e à Commonwealth.
O que aconteceu pode parecer uma oportunidade perdida de a realeza avançar para um século 21 mais representativo.
5. Sempre foi o destino de Harry?
No episódio 6, Harry diz: “Tudo o que aconteceu com a gente sempre aconteceria com a gente. Se você fala a verdade ao poder, é assim que eles respondem.”
Mas a história dele começou muito antes. Perder a mãe, a queda livre presumivelmente para atenuar a dor (fazendo algumas escolhas duvidosas ao longo do caminho), encontrar uma mulher em quem pudesse projetar a mãe que perdeu — e muita terapia.
Talvez a “jornada” de Harry sempre fosse terminar aqui, na Califórnia, separado de sua família, lambendo feridas que levaram décadas se formando.
Ele claramente sente que ao defender Meghan, contra os tabloides, contra a família, está corrigindo as injustiças em nome de sua mãe morta.
Na cabeça dele, Meghan é a herdeira de Diana. Quando o casal discute como eles acham isso difícil, quando ofuscaram membros da realeza mais seniores com capas reluzentes na imprensa (antes de, segundo eles, serem jogados aos lobos), ele diz: “Minha mãe sentia o mesmo”.
Independentemente de ele estar certo ou não, Meghan preencheu o vazio que sua mãe deixou. E ele claramente ainda está lidando com a dor e a raiva que a morte de Diana causou.
6. Uma carta de amor à Califórnia
Somos apresentados ao chamado “Estado dourado” em toda a sua glória — praias, palmeiras, horizontes (e um pouco de ioga e meditação ao longo do caminho).
É impossível não contrastar com a vida mais formal que vemos retratada no Reino Unido, assim como com o fio condutor da série de que o racismo foi um fator importante no que eles passaram.
Este programa é voltado para os EUA, onde o casal é mais popular.
A Califórnia — e suas vidas — são reveladas em cores cinematográficas. (E não podemos esquecer que, seja qual for o custo pessoal, a vida deles é muito boa — uma casa grande, um cheque gordo da Netflix, dois filhos adoráveis, amigos famosos).
Eles estão enviando uma mensagem clara de volta à Grã-Bretanha sobre a recepção calorosa que tiveram nos Estados Unidos. O Reino Unido parece mais cinza e menos livre em contrapartida.
7. Qual vai ser o próximo capítulo?
A certa altura, Harry diz — num sinal de que depositou toda sua fé na terapia como resposta — que “para que a mudança aconteça, muita dor tem que acontecer e vir à tona. Para que possamos passar para o próximo capítulo, você tem que terminar o primeiro capítulo”.
Talvez seja um reconhecimento de que, depois que seu livro de memórias for lançado, a história do casal com a família real chegará ao fim.
O livro se chama Spare (O que Sobra, no Brasil), título que foi visto como uma provocação aos protocolos aristocráticos, o herdeiro e o (desprezado) sobressalente ou reserva (possíveis traduções para a palavra “spare“).
Mas assistindo à série me pergunto se Harry é o sortudo. Como sobressalente, ele pode ir embora, romper o vínculo. Como sobressalente, ele pode vender sua história para a Netflix. Ele pode optar por embarcar no “voo da liberdade” que descreve.
É ridículo dizer que devemos ter pena de William e Kate. De muitas maneiras, eles têm uma vida dourada com a qual o resto de nós só poderia sonhar.
Mas será que eles também estão presos em uma história que não podem mudar? É improvável que consigamos ouvir a “verdade” deles, o lado deles.
Enquanto isso, Harry e Meghan, se tiverem algum bom senso, vão deixar isso para trás e seguir para o próximo capítulo de suas vidas.