- Dale Pankhurst
- The Conversation*
Uma das características da guerra moderna é o papel desempenhado pelas milícias não estatais, e a Ucrânia não é exceção.
Reportagens sobre a guerra destacaram o papel do Wagner Group no lado russo, por exemplo. Acredita-se que esta força mercenária de 6 mil homens, que geralmente está baseada na África e recentemente entrou em ação no Sahel, seja financiada por Yevgeny Prigozhin, um empresário próximo ao presidente russo, Vladimir Putin.
Cerca de 1.000 combatentes do Wagner Group foram convocados como parte da invasão. Foi noticiado no fim de março que membros do grupo haviam sido encarregados de encontrar e assassinar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Além do Wagner Group, Moscou também recrutou voluntários de milícias da Chechênia e da Síria para reforçar o exército russo antes de ataques a áreas estratégicas importantes na Ucrânia.
Do lado oposto, a Ucrânia depende fortemente de milícias estabelecidas, como o Batalhão Azov, assim como de milícias civis recém-formadas, para repelir as forças armadas russas.
As milícias são grupos armados não-estatais geralmente recrutados entre a população civil para apoiar as forças de segurança do Estado, sobretudo em situações de emergência.
Estes grupos paramilitares e quase institucionais fortalecem tanto em quantidade — e, às vezes, em qualidade — a capacidade militar do Estado.
Os governos muitas vezes contratam grupos de milícias para realizar operações contra organizações rebeldes armadas durante guerras contra insurgência.
Na Colômbia, o governo de Bogotá contou com o apoio de grupos paramilitares de direita — muitas vezes treinados pelos EUA — em sua guerra contra as Farc e outros grupos insurgentes de esquerda.
As milícias também têm sido usadas pelos governos como proteção contra ameaças internas, como ameaças de golpes de outros agentes estatais, incluindo as forças armadas.
Dependendo da proximidade da milícia com o governo, o Estado pode fornecer armas, recursos, treinamento e inteligência ao grupo.
Em outros casos, um estado pode delegar poder a uma milícia para realizar operações militares em seu nome.
Combatentes pró-Rússia
As milícias também têm sido frequentemente usadas por Estados em guerras interestatais, então seu uso na guerra na Ucrânia não é surpreendente. O surpreende é o papel que estas milícias estão desempenhando no conflito.
As milícias mobilizadas pela Rússia são rigidamente controladas, recrutadas, dirigidas e financiadas pelo governo e pelas forças armadas russas.
Do lado ucraniano, a relação Estado-milícia é mais ambígua e fluida, com o governo de Kiev nem sempre garantindo controle direto sobre as milícias pró-Ucrânia, que podem ser consideradas grupos armados semi-independentes ou independentes.
No início de março, descobriu-se que a Rússia havia contratado a milícia chechena Kadyrov para realizar operações específicas na Ucrânia, incluindo uma conspiração para matar o presidente Zelensky.
A mobilização da milícia pela Rússia também foi vista como uma forma de guerra psicológica, uma vez que foi concebida para incutir medo e terror nas mentes das forças armadas e da população civil ucraniana, dada a brutalidade associada à milícia Kadyrov em conflitos passados.
As forças russas também começaram a recrutar voluntários de milícias pró-Assad envolvidas na guerra civil da Síria. Acredita-se que estas milícias já estejam na Rússia aguardando serem enviadas para a Ucrânia.
Já o Wagner Group — diferentemente de outras milícias mobilizadas pela Rússia — tem estado fortemente envolvido em alcançar os objetivos de política externa da Rússia na África e no Oriente Médio, com proficiência e eficiência tática.
O grupo é altamente profissional e funciona quase como uma organização de forças especiais.
As milícias pró-Ucrânia, enquanto isso, tendem a ser mais autônomas do que suas contrapartes russas, e adotaram com sucesso táticas de guerrilha para repelir colunas de tanques e tropas russas muito superiores.
O Batalhão Azov é a mais proeminente das milícias não estatais da Ucrânia. Ele cooperou com as forças armadas oficiais do país e foi parcialmente cooptado para a guarda nacional, embora tenha mantido sua identidade e independência semiautônoma.
A milícia foi formada em 2014 em resposta aos rebeldes separatistas pró-Rússia que operam na região de Donbas, no leste da Ucrânia.
Acredita-se que seja uma organização de extrema direita que surgiu de um movimento político de extrema direita, o Svoboda, criado para promover a política nacionalista branca anti-imigrantes.
Uma série de outras milícias pró-Ucrânia menores também estão engajadas no combate às forças terrestres russas, incluindo o Batalhão Dnipro, financiado pelo magnata ucraniano Ihor Kolomoisky.
Enquanto isso, o governo ucraniano armou grandes parcelas da população civil — criando, na verdade, uma milícia pró-governo de mobilização de massa.
Estes cidadãos também promoveram ataques rápidos contra unidades russas com armas pequenas e coquetéis molotov.
A milícia civil ajudou na preparação de defesas urbanas nas cidades ucranianas contra possíveis avanços russos.
O combate parece destinado a se deslocar para as regiões ao leste da Ucrânia, após as forças russas terem fracassado em tomar Kiev na primeira parte da guerra.
Donbas é um foco de conflito contra grupos separatistas pró-Rússia desde 2014 e tem a maior concentração de falantes de russo.
Se a guerra se deslocar para o leste em direção à região de Donbas, o mesmo acontecerá com as milícias já envolvidas no conflito. Abusos de direitos humanos foram cometidos por milícias aqui no passado.
Longe dos centros urbanos de Kiev e Kharkiv, a supervisão destas milícias pelas forças armadas regulares de ambos os lados pode se tornar mais limitada.
* Dale Pankhurst é aluno de doutorado da Escola de História, Antropologia, Filosofia e Política da Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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