- Shin Suzuki
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Em um futuro não muito distante, a Terra enfrenta trágicas consequências de um experimento criado para deter a mudança climática: despejar substâncias químicas no céu para formar uma barreira contra os raios solares que aquecem o planeta. A tentativa fracassa. O mundo então adentra uma realidade pós-apocalíptica.
Esse é o enredo de Expresso do Amanhã, uma produção de 2013 dirigida pelo sul-coreano Bong Joon-Ho, o cineasta consagrado por Parasita.
Nem tudo acima é ficção científica. A ideia colocada no filme como uma possível estratégia contra o aquecimento global realmente existe: é o princípio da geoengenharia solar.
Há um centro de pesquisa na prestigiada Universidade Harvard, nos EUA, dedicado a estudar o conceito. O bilionário Bill Gates é um de seus grandes entusiastas, doando milhões para pesquisas.
E também é realidade a monumental tarefa de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C e a ameaça no horizonte de catástrofes climáticas como rotina no mundo.
Na última segunda-feira (4/4), o braço das Nações Unidas voltado para a mudança climática divulgou um novo relatório, que traz um ultimato: é agora ou nunca para mudar uma perspectiva de secas severas, calor extremo, enchentes devastadoras e extinção em massa de espécies.
Se objetivos traçados não forem alcançados e as mudanças tiverem resultados apenas modestos, a temperatura média no mundo vai subir numa faixa entre 2,1°C e 3,5°C.
Alguns especialistas alertam que a geoengenharia solar pode ganhar força como solução nesse momento de desespero, mesmo com a possibilidade de gerar efeitos colaterais irreversíveis na parte ambiental e perigosos na política – a técnica poderia ser usada como uma imprevisível arma de guerra.
Outros afirmam que não se pode abrir mão de pesquisar saídas diante da urgência da mudança climática – linha de raciocínio adotada por Bill Gates ao falar de geoengenharia.
Em janeiro deste ano, mais de 60 cientistas de vários países lançaram uma iniciativa para que seja simplesmente proibido o desenvolvimento da técnica, que só foi estudada em simulações de computador e necessita de testes de campo.
O abaixo-assinado diz que, além de potenciais resultados desastrosos, a geoengenharia solar não resolve completamente o problema do aquecimento global – um ponto admitido por partidários do conceito.
E poderia desviar atenção da obrigação mais importante e que vem sendo ignorada: a de reduzir sensivelmente as emissões do dióxido de carbono (CO2) que retém o calor na atmosfera.
A BBC News Brasil conversou com cinco cientistas do Brasil e dos EUA, entre críticos e defensores, para explicar as implicações da geoengenharia solar.
Como funciona a geonengenharia solar?
Há diferentes técnicas que são classificadas como geoengenharia solar, incluindo algumas com intervenção sobre as águas dos oceanos em vez da atmosfera.
O princípio da técnica mais debatida hoje, no entanto, se inspira em grandes erupções vulcânicas e se chama injeção de aerossol na estratosfera.
Em 1991, o monte Pinatubo, nas Filipinas, promoveu a segunda maior irrupção de um vulcão no século 20. Deixou mais de 800 mortos e 10 mil desabrigados, além de um rastro de destruição.
Um fenômeno natural também foi constatado: as lavas e cinzas expelidas pelo Pinatubo fizeram com que toneladas de dióxido de enxofre na estratosfera atuassem como uma espécie de espelho para os raios solares.
“Quando você tem muitas e muitas toneladas de fuligem e partículas sólidas lá na alta atmosfera, a radiação solar encontra esses aerossóis ao penetrar na atmosfera e ela é refletida de volta para o espaço. A radiação solar não consegue passar e atingir a superfície da Terra, que teria a temperatura elevada”, diz Tércio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).
Os cientistas notaram que os efeitos da atividade vulcânica do Pinatubo em 1991 levaram a uma queda de 0,5°C na temperatura global nos anos seguintes – uma taxa considerada significativa.
“A ideia da geoengenharia solar é injetar aerossóis na estratosfera de forma a inibir esse influxo de energia solar. E com isso você estaria induzindo um resfriamento”, afirma Ambrizzi.
“A gente sabe que a razão do desparecimento dos dinossauros foi a queda de um meteorito. Junto, há a teoria de que o impacto provocou uma série de explosões vulcânicas pelo planeta gerando uma camada de aerossol que impediu a entrada da radiação solar e baixou a temperatura global.”
Para tentar reproduzir o fenômeno, a ideia é construir aeronaves especiais para atingir a estratosfera (numa faixa a cerca de 20-30 km de altitude) e despejar compostos químicos, como sulfatos e variações.
Esse objetivo é considerado bastante exequível do ponto de vista tecnológico.
Outro fator da geoengenharia solar vendido como vantagem é o custo do empreendimento: US$ 10 bilhões anuais nas estimativas mais altas – um valor baixo se comparado aos prejuízos futuros derivados do aquecimento global, calculados já na casa dos trilhões.
Mas Stephen M. Gardiner, da Universidade do Estado de Washington, que estuda questões éticas em problemas ambientais e o impacto sobre as gerações futuras, diz que é consenso “entre cientistas responsáveis” que o conceito é ainda altamente especulativo.
“Mesmo que nós decidíssemos impulsionar fortemente as pesquisas nesse campo, seria uma corrida contra o relógio para desenvolver algo que seria colocado em prática apenas daqui a décadas e inevitavelmente com grandes riscos.”
Para Gardiner, a crescente atenção sobre a geoengenharia solar é produto do desespero que está tomando conta daqueles que estão conscientes da catástrofe climática no horizonte.
“Está saindo do controle. É difícil saber lidar com os fracassos persistentes das abordagens convencionais, como os acordos (climáticos) de Kyoto e Paris. Portanto, as pessoas estão começando a se agarrar a qualquer coisa. Mesmo ideias altamente especulativas, inerentemente arriscadas e potencialmente desestabilizadoras geopoliticamente como essa começam a ter atenção.”
O professor da Universidade de Washington diz que a geoengenharia solar envolveria uma profunda concentração de poder político e necessitaria de novas instituições globais mais poderosas e mais éticas do que as que temos hoje em dia.
“Sem isso, quem manejaria o poder da geoengenharia? Parece inevitável que dessa forma seria uma superpotência, que criaria conflitos com outras grandes potências”, afirma Gardiner.
Ambrizzi, da USP, diz que “você não tem o controle de onde vão os aerossóis injetados na atmosfera. Porque na alta atmosfera há fluxos de ventos, há uma circulação intensa na estratosfera. Sem esse controle, você pode desestabilizar regiões que estão equilibradas”.
“Suponha que o Brasil resolva fazer esse experimento, mas a Argentina, não. As temperaturas médias começam a cair aqui, mas aumentam em território argentino ou diminuem muito mais do que as atuais. O governo argentino não deu consentimento para isso. Imagine, por exemplo, que o país perde toda a sua produção de vinho e resolve processar o Brasil.”
Ele também aponta o alto grau de incerteza existente nos atuais modelos de previsão de tempo e clima, reforçando o caráter de imprevisibilidade da geoengenharia solar no estágio que se encontra.
Em defesa da pesquisa
David Keith, professor de física aplicada e de políticas públicas na Harvard Kennedy School, é um dos principais nomes citados quando se fala no tópico.
“Minha leitura é que há forte evidência de que a geoengenharia solar poderia reduzir significativamente alguns riscos climáticos na segunda metade deste século”, diz Keith.
“Modelos climáticos mostram consistentemente que uma combinação de corte de emissões e de uma geoengenharia solar uniforme e consistente reduziria mais as temperaturas médias e máximas do que o corte de emissões sozinho.”
“Dada a evidência de que a elevação adicional de 1°C no calor prejudica mais as regiões mais quentes do planeta e dado que os mais pobres e mais vulneráveis estão concentrados em regiões quentes, parece provável que a geoengenharia solar seria particularmente efetiva em reduzir os riscos nesses lugares”, complementa.
Holly Jean Buck, autora do livro After Geoengineering – Climate Tragedy, Repair and Restoration (Após a Geoengenharia – Tragédia Climática, Reparação e Restauração, em tradução livre), defende as pesquisas por causa dos riscos que estão sendo oferecidos pela mudança climática.
Ela concorda que é preciso entender quais seriam os impactos da geoengenharia solar sobre o planeta e que são necessários muitos estudos antes de colocar a técnica em prática.
“Entretanto, o abaixo-assinado [contra o desenvolvimento da técnica] pede por medidas que impactariam a habilidade de uma pesquisa ser financiada, conduzida e avaliada de forma transparente.”
Ambos reconhecem que há o risco de a geoengenharia solar tirar o foco do principal, o corte das emissões de carbono, e que a técnica só funciona como um complemento para esse objetivo.
‘Paliativo’
Emilia Wanda Rutkowski, professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, foi uma das signatárias do documento que pede uma moratória no desenvolvimento da geoengenharia solar.
“Tentar achar uma solução sem que se modifique a essência do problema [do aquecimento global] não é uma solução de fato. É um paliativo. E todo paliativo tende a mostrar um problema mais à frente que você não conseguiu perceber na hora da emergência”, diz Rutkowski.
Ela diz que está se “empurrando com a barriga” a questão. “Então por que não se começa pelo que se sabe que é a causa essencial?”
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