- Daniel Pardo
- Da BBC News Mundo na Colômbia
A política de defesa e segurança do novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, foi descrita como “ambiciosa”, “ousada” e, para os mais críticos, “provocativa”.
Petro chegou ao poder anunciando ter dois propósitos em mente: “paz total” e “segurança humana”.
O primeiro consiste em negociar e firmar tratados de paz com os quase 30 grupos armados do país. O segundo tentará oferecer segurança não por meio da vigilância ou perseguição de criminosos, mas por meio de oportunidades, acesso a serviços básicos e infraestrutura.
O adjetivo ambicioso é, sem dúvida, o que tem mais consenso.
Petro chegou à Presidência após uma carreira política virtuosa denunciando corrupção e violações de direitos humanos. Seu plano para a paz na Colômbia vai nessa linha: deixar para trás as estratégias de guerra e persecutórias herdadas da Guerra Fria, promover um debate internacional sobre a legalização das drogas e transformar a raiz do modelo econômico desigual que, segundo ele, promove a discórdia no país.
O agravamento da violência na Colômbia continuou no mês em que Petro chegou ao poder: no período, foram registrados 12 dos 73 massacres que foram relatados até agora neste ano e 13 líderes sociais foram assassinados.
Na sexta-feira, uma emboscada contra a polícia deixou sete agentes mortos e aumentou a pressão sobre um governo que, segundo especialistas, não esclarece como vai conseguir a paz em meio à guerra que o Estado ainda trava contra grupos guerrilheiros e narcotraficantes, apesar do acordo de paz assinado com as Farc em 2016.
Para seu projeto, Petro precisa das Forças Armadas ao seu lado, mas suas primeiras iniciativas no âmbito militar e policial parecem ter gerado mais preocupação do que confiança.
“Tudo o que aconteceu neste primeiro mês foi uma montanha-russa que deixou a todos sem saber para onde vamos”, diz John Marulanda, um influente coronel da reserva ativa do Exército.
Desarticulação e incertezas
O especialista em segurança Jorge Mantilla aponta para uma preocupação semelhante. “Há um alto grau de improvisação e desarticulação nos anúncios de medidas, e isso dificulta a relação com a Força Pública (instituição que engloba forças militares e a Polícia Nacional), cujo papel na estratégia de segurança não é claro (…) A segurança humana, que em tese propõe ampliar a oferta de bens e serviços do Estado, ultrapassa as atribuições daquela instituição.”
“O conflito na Colômbia mudou e foi preciso repensar a estratégia do Estado para enfrentá-lo. As primeiras decisões de Petro foram necessárias, enviam mensagens claras sobre as prioridades em relação ao tema e tiveram que ser tomadas rapidamente, em um momento de apoio popular, político e de legitimidade.”
“A ideia de segurança humana é uma iniciativa positiva”, acrescenta Alejo Vargas, especialista em segurança e violência.
“Mas a primeira parte do governo deve estar focada na segurança integral que inclua a segurança pública nas regiões (conflagradas), porque se não houver uma resposta contundente do Estado e da sociedade rechaçando a violência contra a polícia, vamos continuar na lógica comum desses grupos de testar o governo para ver como ele reage.”
Os assassinatos dos sete policiais podem criar mais condições para falar em paz, mas também aumentar o ceticismo em relação a Petro dentro das Forças Armadas.
Desde que anunciou seu ministro da Defesa — Iván Velásquez, um jurista dedicado aos direitos humanos que denunciou crimes militares durante anos —, Petro fez de sua agenda de paz a prioridade número um.
Na semana passada, ele apresentou um amplo projeto legislativo para avançar no tema. Até a aproximação com o governo da Venezuela, onde algumas guerrilhas se refugiam, pode ser vista como parte dessa estratégia.
Abaixo, entenda as quatro medidas de Petro em segurança e defesa, inéditas na história recente desse país em guerra, que abalaram o setor militar.
1. Expurgo na cúpula da Força Pública
Todos os presidentes colombianos tendem a reorganizar as estruturas hierárquicas das Forças Armadas assim que chegam ao poder. Nenhuma alteração, porém, foi tão grande quanto a de Petro.
Em menos de um mês, pelo menos 70 generais e coronéis do Exército e da Polícia — mais da metade — foram removidos de seus cargos. Alguns porque são acusados de crimes; outros, sem explicação. Os anúncios têm sido feitos aos poucos, sem mecanismos formais. Houve um grupo que foi informado de sua demissão à meia-noite. Outro cuja nomeação logo foi suspensa.
A preocupação dos peritos é a improvisação e o descaso com os mecanismos formais, tradicionais e acadêmicos que costumavam definir as diretrizes para afastamentos e nomeações.
No lugar dos que foram removidos, Petro nomeou coronéis e brigadeiros que apoiaram o processo de paz com os guerrilheiros das Farc firmado em 2016, que não são acusados de crimes e que, pelo menos aparentemente, não respondem a nenhuma das questionadas estruturas de poder que administraram as Forças Armadas por décadas.
A mídia local também informou que o interesse de Petro é promover mais mulheres para a cúpula.
O resultado é que, neste momento, a Polícia Nacional, entidade que Petro quer retirar do Ministério da Defesa, tem apenas oito generais para liderar quase 200 mil membros.
“A remoção de até 70 generais e coronéis, embora muitos deles não sejam culpados (de crimes) ou estejam sob investigação, e também tendo colocado dois membros de sua antiga guerrilha em instituições-chave (inteligência e proteção de vítimas), passa uma mensagem muito forte aos militares e complica o que está por vir”, diz Marulanda, referindo-se à nomeação de dois ex-integrantes do M19, guerrilha à qual Petro pertenceu nos anos 70.
Após o ataque à polícia na sexta-feira, Petro anunciou que cerca de 2.000 agentes da Polícia Nacional da Colômbia serão realocados para partes menos violentas do país.
2. Limite de bombardeios
O ministro Velásquez anunciou na semana passada que uma operação crucial na estratégia que os militares têm usado para enfrentar grupos armados ilegais será reformulada: os bombardeios.
O objetivo do ministro é evitar que civis morram em ataques a supostos guerrilheiros — especialmente crianças, que muitas vezes são recrutadas à força e usadas como escudo.
Um relatório do Instituto Médico Legal estima que um em cada três bombardeios matou menores de idade nos últimos anos.
“Os menores recrutados são vítimas”, disse Velásquez em entrevista coletiva. “Portanto, qualquer ação militar que seja realizada contra organizações ilegais não pode colocar em risco a vida dessas vítimas da violência”, assegurou.
A medida mostra preocupação com os direitos humanos. O Exército detalhou que os bombardeios não vão parar, mas terão novos protocolos.
No entanto, especialistas dizem que na mentalidade militar não é assim: para eles é normal que haja danos colaterais e consideram o bombardeio como a arma mais eficaz para encurralar os guerrilheiros.
Alguns dos líderes históricos das Farc — Alfonso Cano, Raúl Reyes e Mono Jojoy — foram mortos em ataques aéreos.
3. Reforma do esquadrão de choque
O novo governo também disse que pretende reformar — mas não eliminar, como alguns pedem — o Esquadrão Móvel de Choque da Polícia (Esmad), órgão preparado para conter protestos.
Durante a agitação social de 2019 e 2021, o Esmad foi questionado pelo uso indevido da força e por ter causado a morte de dezenas de manifestantes. A ONU responsabilizou a polícia por 28 mortes nos protestos de 2021.
Alguns especialistas da época avaliaram que o órgão atuava sob a lógica do conflito armado, onde todo dissidente do sistema era visto como insurgente, e por isso era necessário reformar a entidade com diretrizes mais civis do que militares para enfrentar as situações de operação.
O novo diretor da Polícia, general Henry Sanabria, deu algumas pistas do que pode vir a ser essa reforma: cores menos intimidantes que o preto nos uniformes dos agentes, tanques convertidos em ambulâncias e um novo nome para o esquadrão, que passaria a se chamar Unidade de Diálogo e Acompanhamento à Manifestação Pública.
“Tem que haver uma mudança, claro, esclarecendo que toda força policial requer uma unidade que possa conter uma manifestação que se torne violenta”, afirma Sanabria.
Um comunicado interno das Forças Armadas noticiado nesta semana pelo site La Silla Vacía assegurou que será implementada a Doutrina de Damasco, um código de conduta civil para a instituição idealizado pelo então presidente Juan Manuel Santos após a assinatura da paz com as Farc.
Outra política que pode ser uma diferença substancial entre o Petro e os governos anteriores tem a ver com o narcotráfico, problema que historicamente vem sendo abordado a partir das áreas de segurança e defesa em aliança com os Estados Unidos.
“A paz é possível se a política contra as drogas vista como uma guerra for mudada por uma política de forte prevenção do consumo nas sociedades desenvolvidas”, disse Petro em seu discurso de posse em 7 de agosto.
O que parece uma política de saúde é, no entanto, uma mudança no campo militar, pois foi anunciada a suspensão dos programas de erradicação forçada das lavouras de coca e dos estudos para retomar a pulverização aérea de plantações com glifosato.
Ambas são políticas que contrastam com o governo de Iván Duque, que em geral estava mais em sintonia com a maioria das diretrizes militares.
Petro, no entanto, disse que “suspender a fumigação aérea para cultivos ilícitos não é permissão para semear mais plantas de coca”.
“O PNIS (programa de substituição de cultivos ilícitos) deve ser implementado imediatamente, junto com substituição de terras e projetos de agroindustrialização de cultivos lícitos em propriedade do campesinato”, assegurou o presidente.
Além da conveniência ou não dessas novas medidas, especialistas mostram-se céticos quanto à forma como foram anunciadas, isso porque apontam que houve ausência de diálogo prévio com o setor militar e, sobretudo, falta de um plano que permita entender como todas essas novas iniciativas serão articuladas. Enquanto isso, a violência no país continua aumentando.
Mantilla, da Fundação Ideias para a Paz, conclui que “se Petro não adotar rapidamente uma política de segurança clara acompanhada de planos de intervenção territorial diferenciados em que a Força Pública tenha um papel específico, suas boas intenções serão apenas boas intenções”.
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