- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
Uma mera conversa de condomínio levou a Polícia Civil do Distrito Federal a chegar ao suspeito de ter montado uma bomba que foi desativada pelas autoridades em uma área próxima ao Aeroporto Internacional de Brasília, segundo documentos obtidos pela BBC News Brasil.
A informação está no inquérito que investiga a participação de George Washington de Oliveira Sousa em uma tentativa de atentado cujo objetivo seria provocar uma intervenção das Forças Armadas e a decretação do estado de sítio às vésperas da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na manhã do sábado (24/12), a Polícia Militar do Distrito Federal recebeu a informação de que um artefato explosivo havia sido encontrado pelo motorista de um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto de Brasília. O dispositivo foi desarmado.
Após ouvirem o depoimento do motorista do caminhão onde a bomba foi encontrada, os policiais concluíram que o dispositivo teria sido colocado dentro do veículo entre 22h de sexta-feira (23/12) e 5h de sábado. Ele disse não saber quem havia deixado o artefato no caminhão.
Os policiais afirmam que o motorista do veículo deu acesso ao conteúdo de seu telefone celular e que, após checarem o aparelho, concluíram que ele não tinha envolvimento com o caso.
Foi neste momento, que, segundo a Polícia Civil, agências de inteligência indicaram que Sousa era um dos suspeitos.
“Em paralelo, informações prestadas por agências de inteligência policiais indicavam que um dos envolvidos com o artefato explosivo seria um indivíduo de cor branca, estatura média, com cerca de 50 anos, oriundo do Estado do Pará”, diz um trecho do relatório.
Na noite de sábado, a Polícia Civil prendeu Sousa no estacionamento do edifício onde ele estava morando havia pouco mais de um mês, na capital federal. Os documentos obtidos pela BBC News Brasil dão mais detalhes sobre como a Polícia Civil chegou ao suspeito.
A investigação aponta que ele teria admitido o plano durante uma conversa.
“Segundo informações, o suspeito teria, durante uma conversa no condomínio, revelado sua intenção de explodir uma bomba no estacionamento do aeroporto e distribuir outras bombas na área interna do aeroporto”, diz um trecho do documento.
Em seu depoimento, Sousa disse que é gerente de postos de gasolina no interior do Pará. Segundo ele, após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições, ele teria participado de protestos em seu estado.
Ainda de acordo com o depoimento prestado à polícia, o suspeito disse que veio a Brasília para participar dos protestos que ocorrem em frente ao Quartel General do Exército e “aguardar o acionamento das Forças Armadas para pegar em armas e derrubar o comunismo”.
Desde a vitória de Lula, centenas de apoiadores do presidente Bolsonaro contrários à eleição do petista se aglomeram em frente à sede do Exército em Brasília e de outras cidades do país.
A BBC News Brasil entrou em contato com um advogado que iniciou o trabalho de defesa de Sousa, mas ele informou que não atua mais no caso. A reportagem tentou localizar outros defensores do suspeito, mas no sistema da Justiça do Distrito Federal nenhum outro advogado aparece cadastrado para defender Sousa.
Ainda de acordo com os documentos, a Polícia Civil conseguiu identificar o condomínio onde o suspeito estaria hospedado.
O relatório aponta que os agentes analisaram imagens das câmeras de segurança do condomínio e teriam constatado que Sousa teria se ausentado do local no horário provável em que a bomba foi instalada no caminhão.
Em seguida, disse a polícia, foi montada uma “campana” no local.
“Diante disso, deram início a uma campana, visando aguardar o momento [em] que George sairia de sua residência, o que ocorreu por volta das 20h30; ao deixar sua residência, George foi abordado e — de pronto — informou ter armas, munições e explosivos, tanto no seu carro como no interior do seu apartamento”, diz o documento.
Em seu depoimento, Sousa diz que notou a presença de “pessoas estranhas” perto do edifício onde estava hospedado, no sábado. E que, por isso, planejou para deixar o local no dia seguinte. O plano, porém, foi interrompido ao ser abordado pelos policiais.
“Ontem […] eu observei durante a tarde uma movimentação de pessoas estranhas nas redondezas do prédio onde eu estava hospedado e desconfiei que fossem policiais. Então eu arrumei as malas e coloquei as armas na caminhonete para ir embora na manhã do dia 25/12/2022. No dia 24/12/2022, por volta das 19h00, policiais civis me abordaram embaixo do prédio e confessei a posse das armas e dos explosivos”, disse um trecho do depoimento prestado por Sousa à Polícia Civil.
Nele, Sousa admite ter participado da montagem da bomba. Segundo o documento, após quase um mês de protestos em favor de Bolsonaro não terem tido resultado, ele decidiu montar o artefato.
“Porém, ultrapassados quase um mês nada aconteceu e então eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das forças armadas e a decretação de estado de sítio para impedir instauração do comunismo [no] Brasil”, disse um trecho do depoimento prestado à Polícia Civil do Distrito Federal.
“Eu disse aos manifestantes que tinha a dinamite, mas que precisava da espoleta e do detonador para fabricar a bomba. No dia 23/12/2022, por volta [das] 11h30, um manifestante desconhecido que estava acampado no QG me entregou um controle remoto e quatro acionadores”, disse outro trecho do depoimento de Sousa.
A polícia disse que investiga outras pessoas dentro do caso.
“Em posse dos dispositivos, eu fabriquei a bomba colocando uma banana de dinamite conectada a um acionador dentro de uma caixa de papelão que poderia ser disparada pelo controle remoto a 50 a 60 metros de distância”, aponta outro trecho do depoimento.
Em seu depoimento, Sousa disse aos policiais que discordou da ideia de que a bomba fosse explodida no estacionamento do aeroporto. Segundo ele, seu plano era que o artefato fosse detonado em um poste de energia para interromper o abastecimento de energia na cidade.
Terrorismo e posse de Lula
Sousa foi autuado em flagrante por terrorismo, depois de confessar que montou artefato explosivo instalado em caminhão de combustível. A polícia apura a participação de outras pessoas. Depois, a Justiça do Distrito Federal determinou que ele permaneça preso por tempo indeterminado.
Segundo a legislação, é um ato de terrorismo “usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa”.
A pena prevista na lei é de reclusão de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Em nota enviada pela Polícia Civil à reportagem, o delegado-geral Robson Cândido disse que as autoridades irão prender quem “atente contra o Estado Democrático de Direito”.
“Queremos destacar que a PCDF [Polícia Civil do Distrito Federal] vai prender qualquer pessoa que atente contra o Estado Democrático de Direito, com ameaças e, agora, com bombas. Não permitiremos, em Brasília, esse tipo de manifestação que atente contra vidas, o direito de ir e vir das pessoas ou mesmo patrimônios”, afirmou o delegado.
Após a localização da bomba e a prisão do suspeito, o senador eleito pelo Maranhão e indicado como futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que os procedimentos da cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva serão reavaliados para fortalecer a segurança e “o combate aos terroristas e arruaceiros será intensificado”.
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