- Navin Singh Khadka
- Repórter de meio ambiente, Serviço Mundial da BBC
O Nepal está se preparando para transferir o acampamento base do monte Everest porque o aquecimento global e o impacto da atividade humana têm afetado a segurança da região.
Pesquisadores afirmam que o degelo tem desestabilizado a geleira Khumbu, e alpinistas têm visto surgirem diversas fendas enquanto estão no acampamento, que costuma ser usado por cerca de 1,5 mil pessoas na temporada de escaladas na primavera.
A BBC apurou que o novo acampamento deve ficar entre 200 metros e 400 metros abaixo da altitude atual, de 5.364 metros.
“Nós estamos nos preparando para a transferência, e em breve começaremos as consultas com os principais envolvidos”, afirmou o diretor-geral do departamento de turismo do Nepal, Taranath Adhikari, em entrevista à BBC. “Trata-se basicamente de se adaptar às mudanças que temos visto no acampamento base, e isso se tornou essencial para a sustentabilidade do mercado de montanhismo.”
O plano de transferência segue recomendações do comitê formado pelo governo do Nepal para facilitar e monitorar o montanhismo na região do Everest, lugar mais alto do mundo, com 8.849 metros.
Quase 6 mil pessoas escalaram o Everest desde que o alpinista neozelandês Edmund Hillary e seu guia, o sherpa tibetano Tenzing Norgay, chegaram ao topo pela primeira vez, em 1953.
Assim como ocorre com outras geleiras da cordilheira do Himalaia, a Khumbu está derretendo e ficando mais fina em meio ao aquecimento global.
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido, publicado em 2018 apontou que o segmento próximo ao acampamento base estava ficando 1 metro mais fino a cada ano.
A maioria das geleiras é coberto por fragmentos rochosos, mas há também áreas em que o gelo fica exposto (conhecidas como despenhadeiros de gelo). E é o derretimento dessas partes expostas que mais desestabilizam a geleira, explicou à BBC um dos pesquisadores, Scott Watson. “Quando despenhadeiros de gelo derretem desse jeito, os blocos ou fragmentos rochosos que estão sobre esse gelo se mexem e caem, criando também corpos d’água.”
Segundo ele, a associação da crescente movimentação e queda de rochas com o derretimento da superfície das geleiras é bastante perigosa.
Watson afirmou que a geleira tem perdido por ano cerca de 9,5 milhões de metros cúbicos de água (o equivalente ao volume total da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte).
Tudo isso tem sido relatado por alpinistas e autoridades do Nepal. Segundo eles, uma corrente de água que passa bem no meio do acampamento base está ficando cada vez maior, e há um número crescente de fendas e rachaduras na superfície da geleira.
“Surpreendentemente nós temos visto fendas aparecendo durante a noite nos lugares onde dormimos. Muitos de nós poderiam ter caído ali. Rachaduras no solo se desenvolvem muito rápido. É muito arriscado”, disse o coronel do Exército nepalês Kishor Adhikari, que está no acampamento base enquanto lidera uma campanha de limpeza da região durante a temporada de escaladas, que vai do início de março ao fim de maio.
Tshering Tenzing Sherpa, que gerencia o acampamento base do Everet com o Comitê de Controle de Poluição de Sagarmatha (SPCC), contou que atualmente é possível ouvir ruídos bem altos causados pela movimentação de gelo ou por rochas caindo.
Segundo ele, antes de se montar uma barraca no acampamento base era necessário achatar a superfície rochosa que cobria o gelo e repetir isso de tempos em tempos à medida que a geleira se movia.
“No passado, esse espaço achatado costumava aumentar apenas depois de duas a três semanas. Mas agora isso acontece quase todas as semanas”, disse ele.
Um dos principais membros do comitê que recomendou a transferência do acampamento base, Khimlal Gautam, afirmou que a presença de tantas pessoas no local estava contribuindo para o problema. “Descobrimos, por exemplo, que as pessoas urinam cerca de 4 mil litros no acampamento base todos os dias”, disse ele. “E a enorme quantidade de combustíveis, como querosene e gás, que queimamos lá para cozinhar e se aquecer definitivamente tem impactos no gelo da geleira.”
Adrian Ballinger, fundador da empresa de guias de montanha Alpenglow Expeditions, concordou com a transferência. Ele prevê que em breve haverá mais avalanches, quedas de gelo e quedas de rochas na área do atual acampamento base.
A principal desvantagem da transferência é que um acampamento mais abaixo na montanha do que o atual aumentaria a duração da escalada do acampamento base ao acampamento um, o próximo ponto de parada para aqueles que sobem a montanha.
A maioria dos alpinistas ainda sobe o Everest pelo lado nepalês, mas os números daqueles que começam a trajetória na China têm aumentado.
Para o gerente do acampamento base, apesar dos problemas e dos riscos, a atual estrutura ainda é essencialmente estável e pode continuar a servir seu propósito por mais três a quatro anos. Mas as autoridades nepalesas dizem que a mudança pode acontecer até 2024.
“Estamos avaliando os aspectos técnicos e ambientais do acampamento base, mas antes de transferi-lo teremos que discutir isso com as comunidades locais, considerando outros aspectos como sua cultura”, disse Adhikari, do departamento de turismo do Nepal. “Faremos isso somente depois de discutir com todos os envolvidos.”
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