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Aos 80 anos, Biden lançou sua candidatura à reeleição para 2024

Em 25 de abril de 2019, quando o então ex-vice-presidente Joe Biden lançou sua pré-candidatura presidencial pelo Partido Democrata, ele se apresentava como uma “ponte” para os americanos superarem os anos de Donald Trump e se reencontrarem com seus valores e identidade.

Exatos quatro anos depois, nesta terça-feira (25/9), Biden anunciou aos eleitores americanos que a ponte deve ter, na verdade, o dobro do tamanho original: ele será candidato à reeleição pelo partido Democrata.

O anúncio foi feito por meio de um vídeo cuidadosamente produzido e lançado nas redes sociais na manhã desta terça, a um ano e meio das eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos.

Na peça publicitária de três minutos, Biden repete a mensagem de sua primeira eleição: encadeia imagens dos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro, da derrubada do direito ao aborto na Suprema Corte e do ex-presidente Trump para dizer que os pilares da auto-proclamada identidade americana – como a liberdade e a igualdade de oportunidades – seguem em risco e que ele continua sendo a melhor opção para defendê-las e restaurá-las.

Contra si, Biden tem um fator inescapável: a idade. Com 80 anos, ele será um dos homens mais velhos a pleitear a titularidade da Casa Branca na história americana. Atualmente, o democrata já é o homem mais velho a ter assumido a Presidência da República.

Ainda em 2019, Biden e seu entorno deram sinais de que ele poderia ser um presidente de mandato único, algo que o democrata nunca se comprometeu a fazer em público.

Oficialmente, o presidente conta com boa saúde, tendo recentemente removido um câncer de pele sem maiores repercussões para o seu estado geral.

Mas o cargo de presidente é considerado extremamente trabalhoso tanto mental quanto fisicamente e muitos eleitores questionam se este seria um emprego ideal para um octagenário.

Nas redes sociais, é comum ver republicanos explorando eventuais gafes de Biden ou mesmo tropeções em escadas para sugerir que ele já não teria a agilidade, a energia ou a condição intelectual para o posto.

Apesar disso, os quatro motivos abaixo acabaram levando o atual presidente a se firmar como a melhor opção para os democratas no pleito.

Entre os trunfos de Biden na gestão estão os pacotes trilionários de socorro econômico à pandemia e de investimento em infraestrutura e as medidas de redução da inflação. “Se a economia americana não entrar em recessão, a inflação estiver controlada e os empregos e salários seguirem em alta, Biden deverá ser reeleito”, diz Whalen.

1. Desempenho acima do esperado nas eleições de meio de mandato

Embora a eleição esteja prevista apenas em novembro de 2024, a corrida pela Presidência americana, na prática, começou em novembro passado, quando a disputa legislativa de meio de mandato revelou um inesperado fôlego do governo democrata de Biden.

Historicamente, o partido do presidente é “punido” pelos eleitores e sofre baixas importantes no Legislativo, o que complica o restante do mandato.

Em meio à maior pressão inflacionária em décadas e a crises de imagem pontuais, como a retirada desastrada dos americanos do Afeganistão, analistas políticos nos EUA apostavam que Biden perderia a maioria democrata tanto na Câmara (por grande margem) quanto no Senado no ano passado. Mas não foi o que aconteceu.

Os democratas sustentaram sua vantagem no Senado e perderam a Câmara por estreita margem. Comparativamente, o desempenho do governo Biden foi melhor do que o dos dois democratas que o antecederam na Casa Branca, Barack Obama e Bill Clinton.

“Isso mostrou que Biden tem bastante lenha pra queimar e praticamente calou os críticos internos ao partido, que sugeriam que ele deveria se abster de concorrer à reeleição”, afirma o cientista Thomas Whalen, da Universidade de Boston.

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Trump lançou sua pré-candidatura à Casa Branca em 2022 e é o favorito pra se sagrar candidato republicano

2. Fator Trump

Ao mesmo tempo, as eleições de meio de mandato revelaram fraqueza na estratégia do atual principal antagonista a Biden: Donald Trump.

O republicano havia endossado pessoalmente uma série de candidatos de direita ao Senado e à Câmara – apoiadores de sua infundada tese de que a eleição de 2020 tinha sido fraudada. Boa parte deles sofreu derrotas acachapantes, inclusive contrariando o favoritismo republicano no Estado.

“Quanto mais extremos os republicanos forem considerados, com Trump, mais fácil deve ser o caminho para Biden, visto como um moderado. É exatamente o que aconteceu com as eleições de meio de mandato em estados-chave como Michigan e Pensilvânia”, disse à BBC News Brasil Ken Kollman, especialista em política americana da Universidade de Michigan.

Não à toa, no vídeo de lançamento da candidatura, Biden condenou o que chamou de “extremistas republicanos do MAGA”, sigla em inglês de Make America Great Again, slogan de Trump.

Diante do mau resultado nas urnas, Trump dobrou a aposta: lançou oficialmente sua pré-candidatura ainda no ano passado e prometeu uma disputa fratricida contra os demais postulantes republicanos, como o governador da Flórida, Ron DeSantis.

Com uma base eleitoral resiliente e relevante, atualmente, ele é de longe o favorito para vencer as primárias do Partido Republicano.

Seu indiciamento criminal recente por possível fraude eleitoral em pagamentos para comprar o silêncio de uma atriz pornô sobre um aparente caso entre ambos parece ter dado ainda mais força a Trump, que obteve milhões em doações de simpatizantes em poucos dias.

Se energiza sua base com processos judiciais e showmícios histriônicos, Trump tende a afugentar os eleitores independentes, os mais escolarizados, brancos e moradores de subúrbio, que, com frequência, prefeririam os republicanos, mas que rejeitam Trump.

“Certa ou errada, existe uma percepção no Partido Democrata de que seria mais fácil pra eles vencer se o candidato for o Trump”, afirma Christopher Garman, diretor da consultoria Eurasia Group.

Se for confirmado o candidato republicano, Trump reeditaria a disputa de 2020, quando ele e Biden se enfrentaram pela primeira vez nas urnas.

“Parece haver um consenso entre os democratas, incluindo possíveis candidatos presidenciais, grandes doadores e grupos de interesse e sindicatos, de que Biden é o melhor candidato para concorrer contra Trump. Ele o derrotou uma vez, sua maior desvantagem, a idade, é neutralizada porque Trump é quase tão velho quanto ele e, aos olhos dos democratas, ele teria um bom legado a defender em comparação com Trump”, afirma Michael Cornfield, pesquisador em liderança pública da George Washington University. Trump fará 77 anos em junho.

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Kamala Harris tem popularidade menor que a de Biden

3. Sem sucessor óbvio, reeleição seria caminho mais seguro

Embora tenha em seus quadros nomes promissores, como a vice presidente Kamala Harris, a senadora Elizabeth Warren, o secretário dos Transportes Pete Butigieg e o governador da Califórnia Gavin Newson, nenhum deles se projetou o suficiente durante o mandato de Biden para ser considerado um sucessor natural.

“Biden não tem herdeiros óbvios e se mostrou capaz de unir o partido em torno de si e manter o poder. Nesse sentido, é um ganha-ganha para Biden e para os Democratas. Não faz sentido arriscar com um novo nome e perder”, afirma Kollman.

Mais do que isso: o atual presidente demonstra vantagem em relação às opções do partido. A atual aprovação popular dele, conforme aferição do New York Times, é de 44%, enquanto a de Harris fica abaixo disso, em 41%.

“A série histórica mostra que presidentes com este patamar de aprovação têm mais de 50% de chance de vencer a tentativa de reeleição. Se o próprio Joe Biden demonstra disposição de concorrer, não há muito o que questionar”, diz Christopher Garman.

Garman ainda afirma que, estatisticamente, tentativas de reeleição tendem a dar vitórias mais seguras para os incumbentes do que as tentativas de fazer um sucessor, o que ajuda a explicar a decisão do democrata.

4. Arco eleitoral mais amplo

Em um país extremamente polarizado, Joe Biden segue sendo um político que, como em 2020, é capaz de apelar para perfis muito distintos de eleitores: desde os operários sindicalizados do chamado cinturão da ferrugem, a área industrial decadente do país, às eleitoras brancas de subúrbios que desejam proteger o direito ao aborto. Das comunidades urbanas afroamericanas a parte dos eleitores cristãos – Biden é católico praticante.

“As eleições americanas são definidas na capacidade dos candidatos de mobilizar diferentes grupos, ‘apertar todos os botões certos’ para levar a maior quantidade de eleitores às urnas. Biden parece ser o mais capaz de fazer isso entre os democratas”, afirma Kollman.

Nos EUA, o voto não é obrigatório, por isso, não basta convencer o eleitor de que se tem as melhores ideias, é preciso convencê-lo a ir votar em um dia útil.

Grande parte das demais lideranças democratas são nomes fortes em nichos populacionais, mas sem apelo ou mesmo com fortes resistências entre outros grupos populacionais.

Biden funcionaria como um denominador comum para eleitores de espectro à esquerda até a centro-direita.