- Author, Santiago Vanegas
- Role, Da BBC News Mundo
Enquanto uma parte do Estado-Maior Central (EMC) está sentada à mesa de negociações com o governo colombiano, outra parte sitia militarmente as forças de segurança e a população civil nos territórios colombianos de Cauca e Valle del Cauca.
Membros do grupo dissidente das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) atacaram, na segunda-feira (20/5), durante várias horas, a delegacia do município de Morales (no departamento de Cauca), e mataram dois patrulheiros e duas pessoas que estavam detidas ali, segundo o Ministério da Defesa.
Dois outros municípios também sofreram ataques violentos (sem vítimas mortais).
Três dias antes, um explosivo na mesma região tinha provocado a morte de um menino de 12 anos, segundo as autoridades, numa tentativa fracassada de atacar as forças de segurança por parte do EMC.
O presidente Gustavo Petro qualificou as ações como “ataques terroristas” e afirmou que “a ofensiva contra o EMC em Cauca é total”.
O EMC é uma rede de diversas estruturas locais que operam com relativa autonomia e afirmam ser “as verdadeiras Farc”, em oposição ao grupo majoritário da guerrilha, que se desmobilizou com o acordo de Havana.
É composto, segundo os últimos dados oficiais conhecidos, por cerca de 3.500 membros.
Desde 2023, é um dos grupos com os quais o governo tem procurado avançar nas negociações, no âmbito da sua política de paz total.
A fragilidade da unidade do EMC, porém, ficou evidente em abril, quando o grupo se dividiu em duas facções: uma liderada pelo pseudônimo Iván Mordisco, que saiu da mesa de negociações com o governo, e outra liderada pelo pseudônimo Calarcá, que continua negociando.
Segundo a pesquisadora Juanita Vélez, co-fundadora do centro de pesquisas Fundação CORE, as recentes ações violentas do EMC são “um sinal de que procuram expandir-se e ganhar mais controle territorial” e que “com a facção que saiu da negociação, o que vai acontecer é o confronto militar”.
A evolução das dissidências
O Estado Maior Central é a faceta mais evoluída dos dissidentes das Farc que nasceram durante as negociações de Havana.
As Farc surgiram na década de 1960, com o objetivo declarado a reforma agrária e a implementação do socialismo no país.
Nos anos 1980, no entanto, o grupo foi acusado de se envolver no tráfico de drogas e o Partido Comunista colombiano rompeu os laços com o grupo.
Após décadas de violentas lutas com o governo, as Farc se desmobilizaram em 2016 após a assinatura de um acordo com o governo.
No entanto, uma frente das Farc composta por cerca de 400 membros e comandada por Iván Mordisco anunciou que não se desmobilizaria. Foi a semente da dissidência.
Então, a liderança das Farc enviou Gentil Duarte, que estava na guerrilha há quase 40 anos e participava das negociações, para restabelecer a disciplina nessa frente; isto é, alinhá-la com o resto das Farc na decisão de depor as armas.
Mas Duarte também abandonou o processo de paz, juntando-se a Mordisco e trazendo seu grupo para o projeto de criação de uma dissidência.
Desde então, os dissidentes (que ainda não tinham adquirido o nome de Estado Maior Central) começaram a expandir-se e a consolidar-se, alimentados tanto por antigos combatentes das Farc como por antigos membros de outros grupos armados e novos recrutas.
Mordisco e Duarte conseguiram construir uma rede com alcance nacional, “embora, mais do que um comando unificado, houvesse governo horizontal e autonomia quase total a nível regional e local”, indica uma pesquisa da Fundação Ideias para a Paz.
Segundo a mesma pesquisa, “o crescimento e o fortalecimento do EMC está intimamente relacionado aos recursos financeiros do tráfico de drogas, da extorsão e da mineração ilegal”.
O EMC considera-se a herdeiro legítimo das Farc e defende que os que abandonaram as armas “traíram a revolução”.
Em 2019, Iván Márquez, que era o segundo no comando das Farc e negociador-chefe do acordo de Havana, anunciou o seu regresso às armas e a criação de outra dissidência: a Segunda Marquetalia.
Desde o início, no entanto, o EMC e a Segunda Marquetalia têm sido inimigos, porque Duarte e Mordisco não estavam dispostos a ceder seu poder a Iván Márquez.
Embora a Segunda Marquetalia incluísse comandantes influentes da extinta guerrilha, como os chamados Jesús Santrich, Romaña e El Paisa, o EMC é até hoje superior em número e capacidade militar.
Gentil Duarte morreu na Venezuela em 2022, e de lá até a recente cisão, Iván Mordisco tem sido o único comandante do EMC.
Gustavo Petro chegou à presidência da Colômbia, em 2022, com a proposta de buscar a paz total.
A proposta consiste, por um lado, em avançar nas negociações de paz com todos os grupos armados com status político no país e, por outro, em submeter à Justiça organizações criminosas que não têm esse status.
O acordo de paz de Havana previa que os combatentes das Farc que abandonassem o processo e continuassem a cometer crimes enfrentariam todo o peso da lei.
Nas palavras do ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018), quem não aceitasse o processo seria combatido com força e “acabaria na prisão ou no cemitério”.
Mas isso ficou para trás quando, em outubro de 2023, após um ano de negociações extraoficiais, o governo Petro anunciou que se sentaria oficialmente à mesa de negociações com o EMC.
Isso implicava duas coisas: que o governo estava encarando essa dissidência como um grupo único e que a considerava como um agente com status político.
Segundo a pesquisadora Juanita Vélez, foi na fase exploratória das negociações que esses dissidentes se autodenominaram Estado Maior Central, mesmo nome do órgão de decisão das extintas Farc, o que reforçou o discurso de que são herdeiros legítimos da guerrilha.
No entanto, a expectativa de que o governo seria capaz de negociar com o EMC como um todo durou pouco.
Em março de 2024, uma frente dessa dissidência rompeu o cessar-fogo com o governo ao atacar uma comunidade indígena em Cauca.
Em resposta, o presidente Gustavo Petro suspendeu o cessar-fogo bilateral nos departamentos de Cauca, Nariño e Valle del Cauca e descreveu Iván Mordisco como um “traficante de drogas vestido de revolucionário”.
O resultado disso foi que Iván Mordisco saiu das negociações, levando consigo mais da metade da estrutura do EMC.
“O Estado decidiu uni-los para poder negociar com mais facilidade, mas o que acabou acontecendo com o processo de paz é que eles se tornaram mais fragmentados”, diz Juanita Vélez.
Os ataques do EMC em Cauca e Valle del Cauca contra as forças de segurança mostram que a guerra entre a facção e o Estado foi retomada.
Esses ataques foram atribuídos ao Bloco Ocidental Jacobo Arenas, que opera em Cauca, Valle del Cauca e Nariño. Se trata do grupo mais poderoso militar e economicamente no EMC, segundo fontes militares.
Mais da metade de todos os membros da organização pertencem a este bloco.
Os tentáculos do EMC
Além do Bloco Ocidental, quando Iván Mordisco deixou a negociação com o governo, saíram também o Bloco Amazonas, o Bloco Central e o Comando Conjunto do Leste.
No total, os ramos da facção EMC que estão fora das negociações estendem-se por 14 dos 32 departamentos do país.
Desde que foi rompido o cessar-fogo com o EMC, as ações violentas multiplicaram-se naquela região do país.
As autoridades relataram ataques a quartéis-generais militares, sequestros, e um aumento no recrutamento forçado.
O EMC também é responsável por muitos dos assassinatos de signatários da paz (ex-guerrilheiros das Farc que aceitaram o processo), que chegam a mais de 400 desde a assinatura do acordo.
A facção que permanece à mesa é menor em tamanho e capacidade militar. Ela opera em oito departamentos.
No entanto, Juanita Vélez explica que, por exemplo, embora não tenha o mesmo poder militar e econômico que o Bloco Ocidental, o Bloco Jorge Suárez, um dos dois que continua negociando, “controla e governa os seus territórios”.
Por outro lado, “em Nariño e Cauca não está claro quem domina porque o EMC compete com outros grupos”, acrescenta Vélez.
Devido à sua fragmentação, o EMC mantém relações diferentes, e até mesmo opostas, com outros grupos armados em cada região.
Por exemplo, em Magdalena Medio, ele está aliado às frentes do ELN para enfrentar o Clã do Golfo, enquanto no Valle del Cauca está em conflito com o ELN.
Apesar das ações violentas e contundentes, que o governo descreve como “barbárie” e “terrorismo”, a pesquisadora Juanita Vélez afirma que “elas claramente não têm o nível de magnitude, alcance ou poder que as FARC tinham”.
“Em 2002, quando as FARC atingiram o seu melhor momento militar, elas contavam com mais de 20 mil homens e mulheres em armas, mais de 100 estruturas e atividade em mais de metade dos municípios do país, segundo a inteligência militar da época. O que vemos hoje com o EMC é algo de um nível muito inferior”, diz.
Desde os ataques de segunda-feira, o governo enviou a mensagem de que a superioridade militar do Estado em Cauca é indiscutível.
“A sua única forma de expressão é recorrer a ataques terroristas, porque não têm capacidade para sustentar um confronto com as Forças Militares e a Polícia”, afirmou o ministro da Defesa, Iván Velásquez.
Fonte: BBC
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