Série de aparatos tecnológicos permitiu que artista catalizador do Movimento Manguebeat se apresentasse 30 anos após o lançamento do álbum Da Lama ao Caos; noite ainda se abrilhantou com apresentações marcantes de Gilberto Gil e Raphaela Santos. (Foto: Wagner Ramos/PCR)
Prévias diversas seguraram a expectativa de milhares de foliões, mas enfim o Carnaval do Recife começou. De praxe, os corpos presentes complementaram em suor e emoção o que o timbre da voz talvez não pudesse entregar. Não é por menos, num dia permeado pelo simbolismo da cerimônia Ubuntu, trovoada do Tumaraca e Olodum, e a tradição da Orquestra Popular do Recife, uma multidão palpitou o coração mais forte com a “presença” de Chico Science, possível através de muita tecnologia. E quando talvez não fosse mais provável melhorar, Gilberto Gil está desfilando elegância musical, neste momento, em noite que será encerrada com o brega romântico de Raphaela Santos.
São 30 anos desde o lançamento do álbum Da Lama ao Caos, primeira obra de Chico Science e Nação Zumbi. Ciente da importância da data, a Prefeitura do Recife – em parceria com a cerveja Devassa – potencializou a memória viva do artista catalisador do Movimento Manguebeat. A experiência inédita no principal palco da maior festa de rua do Brasil utilizou inúmeros caminhos técnicos e tecnológicos modernos, como a holografia.
Levar Chico Science ao palco do Marco Zero, vinte e sete anos após sua morte, envolveu diversas etapas e desafios. Por se tratar de um evento musical, a voz foi o ponto de partida. Foram necessárias semanas de pesquisa até encontrar arquivos de áudio que servissem para a reconstrução da voz do cantor, por meio de uma inteligência artificial, atendendo aos parâmetros de temperatura e interação com o público típicas de um “ao vivo”.
Uma equipe de músicos, encabeçada por Renato Bandeira, foi responsável pela criação do arranjo musical e a construção de uma roupagem atual que preservasse a identidade da música A Praieira. Foram dias de estudo de postura e comportamento, aliado ao gestual de Chico Science, para que um ator pudesse dublar e interpretar o artista, em uma gravação de estúdio.
A captação em vídeo foi uma das etapas mais delicadas: construir o rosto de Chico Science a partir de fotos de arquivo, através da realidade virtual. A recriação foi aplicada digitalmente ao corpo do ator. As imagens foram projetadas por equipamentos de ponta e de altíssima resolução em uma tela bastante fina posicionada no palco. Através da ilusão de ótica provocada pelas luzes, esta tela fica imperceptível, destacando apenas o personagem central. Tornando tudo ainda mais real, a banda responsável pela construção do arranjo toca ao vivo, acompanhando a holografia.
A homenagem completa, intitulada Recife Cidade do Mangue, contou com Louise e participação de Céu, Isadora Melo, Ylana, Jorge du Peixe, Maciel Salu, Toca Ogan e Nailson Vieira. Em 2024, a revolução musical provocada por Chico Science encontrou par no salto tecnológico próprio dos nossos tempos. Ao fim, o resultado foi o encontro do Mangueboy mais amado do Recife com o público presente no Marco Zero.
“Recife e Chico meio que se tornaram uma coisa só. A gente fala de um e o outro vem automaticamente na cabeça”, explica Bruno Santos, 38 anos. “Tivemos muita sorte de ter um revolucionário musical aqui tão perto de nós. Acompanhar essa homenagem alivia um pouco uma saudade que a gente nunca supera, só aprende a conviver.”
Na sequência da noite, a genialidade de Gilberto Gil está carregando de energia e encantando o público no Marco Zero. Com um repertório que atravessa décadas de história e reflete as ricas influências da música brasileira, Gil está presenteando os foliões com uma fusão vibrante de ritmos. A voz marcante e presença magnética de Gilberto Gil não apenas celebra o Carnaval, mas também deixa uma marca indelével na memória dos presentes, reafirmando seu lugar como um dos maiores ícones nacionais. Entre seus hits, ele promete cantar ‘Palco” e “Aquele Abraço”.
“Sem dúvidas, era o show que eu mais estava ansiosa. É muito mágico ver esse cara aqui na minha frente, tão perto. Está sendo difícil até acreditar”, contou Fernanda Pereira, 52 anos. “Ele passa uma paz pra gente que ouve, mesmo numa festa que é naturalmente mais agitada. É coisa que só ele consegue.”
Para os que estão com o coração machucado ou já recuperados para um novo amor, o brega de Raphaela Santos será o fechamento que a noite precisa. E Gabriela Oliveira, 25 anos, detalha bem o sentimento. “Acho que a gente nem precisa sofrer por amor para entender, sentir, na verdade, o que a Raphaela passa com a música. Já tive minhas questões, mas a verdade é que quando essa mulher começa a cantar, a gente sente uma coisa lá dentro. É até difícil descrever”, confessa.
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