- Author, Mariana Sanches
- Role, Da BBC News Brasil em Washington
Diante de uma plateia de centenas de lugares – metade vazia-, o filho de Donald Trump anunciou: “Chequem embaixo de suas cadeiras para ver se acham uma barra de chocolate de ouro”.
Dado os muxoxos de incredulidade, Donald Trump Jr. explicou: “É sério, quem achar vai ter um passe VIP para um encontro com seu presidente Donald Trump amanhã”.
A plateia se agitou – e parte dos presentes chegou a se levantar pra examinar as fileiras vazias do CPAC – Conservative Political Action Conference-, um dos principais eventos políticos conservadores do país que, em 2023, se tornou o símbolo de um racha entre os Republicanos sobre quem será seu candidato à presidência em 2024.
Um desavisado que chegasse ao auditório do Gaylord National Resort em Maryland, onde o evento aconteceu, entre 2 e 4 de março, poderia imaginar que Trump seria novamente o candidato republicano, por aclamação.
Por todos os lados, pessoas circulavam com bonés e adesivos de “Make América Great Again” (torne a América grande novamente, em tradução livre) ou simplesmente MAGA, como o movimento trumpista é conhecido.
Nos corredores, entusiastas de Trump – como o empresário Mike Lindell, conhecido como “My Pillow Guy”, o ideólogo da direita populista Steve Bannon ou os deputados Marjorie Taylor Greene e Matt Gaetz eram tietados.
As lojas do evento – com suas extravagantes bolsas de strass em formato de pistola – vendiam camisetas e bandeiras com o rosto do ex-presidente.
“Eu não sabia que isso era um comício. Mas realmente é um comício”, empolgou-se Trump em dado ponto de um discurso de cerca de duas horas, que fechou a conferência e destoou inteiramente dos 20 minutos protocolares respeitados por todos os demais palestrantes até então.
Em sua peroração, no papel de dono da festa, Trump mesclou autoelogios, promessas para um futuro governo (como acabar com a guerra na Ucrânia “em um dia” e construir mais 300 quilômetros de muros na fronteira com Méxicos) e ataques tão duros aos opositores republicanos quanto aos democratas e à China.
Mas a atmosfera de já ganhou de Trump não conseguia esconder uma tensão latente: ao contrário de 2020, quando não teve desafiantes, o ex-presidente deve enfrentar uma disputa aberta pelo posto de presidenciável republicano quatro anos mais tarde.
O domínio do evento por Trump não resulta apenas de apenas de seus predicados políticos, mas de uma decisão de estrelas jovens do partido de esvaziar o evento conservador que já foi tido como a principal arena política da direita do país.
‘Carnaval MAGA’
Considerado o republicano mais vitorioso nas eleições de meio de mandato de 2022, quando foi reeleito com folga enquanto Trump viu muito dos candidatos que pessoalmente endossou naufragarem nas urnas, o governador da Flórida Ron DeSantis decidiu não aparecer.
Embora não seja ainda oficialmente um pré-candidato, DeSantis é considerado o principal desafiante de Trump.
O ex-vice-presidente de Trump, Mike Pence, declinou do convite. O presidente da Câmara, o deputado republicano Kevin McCarthy e o líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell, também não apareceram.
Os governadores do Texas, Greg Abbott e o da Virgínia, Glenn Youngkin, figuras proeminente na direita, não deram o ar da graça, assim como nenhum dos demais governadores republicanos do país.
Estavam lá, no entanto, o militante anônimo com terno de muro de fronteira, a artista desconhecida que, descalça, pintava o rosto de Jesus em uma tela no corredor do evento, o grupo ruidoso de idosas com adesivos de MAGA e cachorrinhos de raça em carrinhos de bebê.
Como notou David Siders, correspondente nacional do site Político, nos últimos anos, “o CPAC passou de uma conferência política séria e obrigatória para algo mais parecido com um carnaval MAGA”.
A ideia de carnaval certamente traduz a atmosfera extremamente colorida e barulhenta e as fantasias de militantes trumpistas – mas não dá conta da disputa em curso, que promete ser escarnecida.
Uma das poucas pré-candidatas à presidência dos Republicanos a comparecer ao evento este ano, Nikki Halley, ex-governadora da Carolina do Sul, disse em sua palestra: “Perdemos o voto popular em sete das últimas oito eleições presidenciais”.
Sua fala relembrou os militantes republicanos de que a eleição de Trump em 2016 se deu via colégio eleitoral (com menos votos do que a democrata Hillary Clinton recebeu) e admitiu tacitamente que Trump perdeu em 2020, o que ele próprio e muitos na plateia ainda se recusam a reconhecer.
Como resposta, Halley não foi aplaudida por parte da audiência.
Em coletiva de imprensa no CPAC, a deputada Taylor Greene, conhecida por ter sido uma seguidora de teorias conspiratórias Q-Anon e por sua fidelidade a Trump, disse que a opinião de Halley “não importa muito agora”.
Questionada pela BBC News Brasil sobre por que DeSantis não estava no evento, ela ironizou: “Não sei, ele não me ligou pra explicar”.
Trump vs. DeSantis
Ao final do evento, 60% dos presentes disseram querer ver Trump como presidenciável em 2024 e 20% votaram por DeSantis.
Comemorado publicamente por trumpistas, os números reafirmam a empolgação da base MAGA, mas revelam também espaço para competição mesmo em um ambiente abertamente pró-Trump.
Diferentes pesquisas populares, com amostras mais amplas do que o atual público do CPAC, mostram que embora Trump mantenha uma base significativa e energética, setores da população se mostram dispostos a deixar o ex-presidente no passado nas próximas primárias do partido.
Isso é verdade tanto para os republicanos com menos de 35 anos quanto para aqueles com formação universitária.
Para um eleitor ouvido pela BBC com essas características, DeSantis aliaria as vantagens de Trump sem o drama ou os arroubos personalistas do ex-presidente.
Além disso, a máquina partidária já estaria cansada do controle sobre a legenda exercido por Trump, conhecido por lançar os militantes contra qualquer correligionário que ouse discordar dele.
Já a senhora de 72 anos que se declara uma cristã conservadora e que ganhou o ingresso para o CPAC de presente do genro foi categórica em rechaçar a possibilidade de renovação.
“Trump tem que voltar e DeSantis que siga fazendo seu bom trabalho na Flórida. Não há competição entre eles. O candidato é Trump. E o resto é discórdia criada pela mídia,”
Entre a mídia, sob artilharia dos trumpistas, estão não apenas os veículos historicamente considerados progressistas, como o jornal The New York Times e a rede CNN.
Dessa vez, até mesmo a conservadora Fox News, líder de audiência no segmento, se tornou alvo.
Ao contrário de edições passadas, a Fox não patrocinou o CPAC nem enviou seus principais comentaristas, como Tucker Carlson, ao evento.
Há quem veja no comportamento da rede uma tendência em aposta em DeSantis contra Trump.
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