- Author, Cecilia Barría
- Role, Da BBC News Mundo
A economia do Paraguai foi elogiada no passado por organizações internacionais pelo crescimento, redução da pobreza e ordem nas finanças públicas.
No entanto, o país apresenta uma série de problemas que são um desafio e devem cair no colo do próximo presidente, que será eleito neste domingo (30/4).
O vencedor terá que enfrentar diversos desafios econômicos e sociais, como a evasão fiscal, a informalidade do trabalho, o forte impacto da seca e a pobreza que atinge principalmente camponeses e indígenas.
Santiago Peña, candidato oficial do partido conservador, o Partido Colorado, enfrenta Efraín Alegre na disputa para assumir o comando da nação sul-americana pelos próximos cinco anos. Os resultados devem ser acirrados.
No que diz respeito às finanças públicas, o novo presidente terá que arcar com um alto déficit fiscal (de 3% do Produto Interno Bruto, PIB) que diminui as possibilidades de investimento público em saúde, educação, habitação e em acesso a serviços básicos, como saneamento.
Tendo a agricultura e a pecuária como base de seu crescimento econômico, o Paraguai é atualmente o terceiro exportador mundial de soja e o oitavo de carne bovina, dois setores que definem os rumos econômicos do país há anos.
Sendo um país com uma das menores cargas tributárias da região, as grandes empresas que produzem e exportam esses produtos costumam estar no centro de acalorados debates sobre os benefícios econômicos que trazem aos cofres públicos.
Alegre, o candidato que lidera a aliança de centro-esquerda Concertación Nacional, disse que favorecerá a austeridade fiscal para cortar gastos do setor público em vez de aumentar os impostos sobre os agricultores do país.
Peña, principal trunfo do partido governista, prometeu durante a campanha acabar com a evasão fiscal e promover políticas para que mais pessoas trabalhem na economia formal. Ele também não tem aumento de impostos em seus planos.
Veja alguns dos problemas que revelam a precariedade do sistema econômico e social paraguaio, bem como os avanços que o país obteve nos últimos anos.
1. A economia depende do campo
As bases produtivas do país sul-americano, que faz fronteira com Brasil, Argentina e Bolívia, estão alicerçadas na riqueza da terra, já que quase não há indústria no país.
A produção agropecuária, especialmente a soja, sofre com as fortes inundações que atingem o país de tempo em tempos, fazendo com que o crescimento econômico aumente e diminua muito rápido de um ano a outro, como se fosse uma montanha-russa.
A queda abrupta do PIB em 2012, 2019 ou 2020, por exemplo, foi influenciada pela falta de chuva ou pela combinação de enchentes em algumas regiões e seca em outras.
Isso também aconteceu em 2021, quando a safra de grãos caiu 66%, só que não foi tão perceptível no PIB porque o país vinha se recuperando da pandemia.
E a história se repetiu no ano passado com uma nova seca.
Assim, o fator climático afeta as lavouras e se torna um problema estrutural da economia paraguaia.
No futuro, as estimativas sugerem que os fenômenos climáticos terão maior impacto na matriz produtiva, deixando o país sujeito a grande volatilidade econômica.
Entre os principais produtos de exportação do Paraguai estão a soja e a carne bovina e, embora tenha havido esforços para diversificar as fontes de recursos do país, continua baixa a produção de bens de consumo com alto valor agregado.
“Vivemos em um primitivismo produtivo”, diz Víctor Raúl Benítez, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), à BBC Mundo.
O país ainda tem escolaridade em média de apenas 9 anos de escolarização, uma grande barreira para que o país caminhe para uma “economia do conhecimento”, aponta Benítez.
Segundo o presidente paraguaio Mario Abdo, o país avança em seu processo de industrialização com um aumento “sem precedentes” da exportação de manufaturados, enquanto o investimento privado “duplicou nos últimos quatro anos”.
Focado em atrair mais investimentos para o país, o presidente abriu as portas do Paraguai para incentivar um maior fluxo de capitais, política reconhecida por seus partidários e criticada por seus detratores pela falta de regulamentação.
2. 64% dos paraguaios trabalham na informalidade
Dois em cada três trabalhadores paraguaios estão no setor informal.
Isto significa que as suas atividades não estão regulamentadas por lei e, por isso, não têm acesso a um contrato, nem a um salário mínimo, nem aos benefícios sociais associados a um trabalho regular.
Habitualmente vivem o dia a dia, com sérias dificuldades para cobrir as suas necessidades básicas, sem poupança para a reforma
Uma situação precária em que, diante de qualquer imprevisto, não tem como se defender de condições adversas, como uma doença grave.
Entre os informais estão, por exemplo, vendedores ambulantes, empregados domésticos, autônomos sem salário fixo e muitos outros.
Eles representam 64,2% da população economicamente ativa, índice bem acima da taxa média de trabalho informal na América Latina, que gira em torno de 50%, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Muitos desses trabalhadores paraguaios fazem parte da chamada “economia clandestina”, que inclui atividades legais e ilegais. A situação afeta especialmente os jovens e as mulheres nas áreas rurais.
3. Matriz energética
Junto com a Albânia, o Paraguai é o país produtor de eletricidade mais limpo do mundo, escreveu Silvia Morimoto, representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Paraguai.
Além disso, está entre os países com maior produção global de hidroeletricidade per capita, que vem principalmente de suas grandes hidrelétricas binacionais: Itaipu e Yacyretá, que divide com seus vizinhos Brasil e Argentina respectivamente.
Com grande oferta, o país exporta eletricidade limpa.
Porém, nos últimos anos vem exportando cada vez menos energia hidrelétrica e importando cada vez mais derivados de petróleo, que são utilizados no transporte.
De fato, 41% de seu consumo de energia vem de combustíveis fósseis.
Verónica R. Prado, especialista em Energia do Banco Interamericano de Desenvolvimento no Paraguai, argumenta que o crescimento da frota de automóveis satura as estradas, diminui a qualidade do ar e aumenta “a dependência do país dos combustíveis fósseis”.
Essa situação, diz ela à BBC News Mundo, pode afetar negativamente sua segurança energética no futuro.
Do outro lado da balança, está a quebra da exportação de energia hidroeléctrica, tendência que se explica por fatores como a procura interna crescente, a seca e a falta de investimento em infra-estruturas, acrescenta.
No futuro, o consumo de energia elétrica deve continuar aumentando e, diante desse cenário, Prado diz que o país precisa de um plano para diversificar sua matriz energética e investir em infraestrutura que permita a transmissão e distribuição de energia elétrica.
Ou seja, não basta gerar eletricidade, ela deve ser entregue nas residências.
Manuel Ferreira, ex-ministro das Finanças e presidente da consultora MF Economía Inversiones, diz que o país tem dois caminhos para reduzir a dependência das importações de derivados de petróleo.
Um deles é investir em eletromobilidade. “O Paraguai poderia substituir gradativamente parte de sua frota de veículos por carros elétricos”, diz ele à BBC News Mundo.
A outra é atrair indústrias que precisam de energia hidrelétrica para o seu funcionamento.
Neste ano, Brasil e Paraguai iniciarão negociações para redefinir algumas cláusulas do tratado pelo qual os dois países construíram a hidrelétrica de Itaipu há 50 anos.
O acordo alcançado pelos dois países será fundamental para os futuros planos de desenvolvimento energético do país.
Por que o país tem sido elogiado por organismos internacionais?
Embora um em cada quatro paraguaios viva na pobreza, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), e 20% das crianças indígenas sofram de desnutrição crônica, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o país apresentou melhora em seus indicadores sociais.
Nas últimas duas décadas, a pobreza total caiu de 58% para 25% e a pobreza rural de 70% para 34%.
E, apesar da dependência do país da agroindústria, que o tornou mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional elogiaram o aumento do PIB nas últimas duas décadas e a “solidez” das políticas macroeconômicas.
Tanto que até 2018 o país era apresentado como modelo de sucesso entre os países latino-americanos. Em menos de duas décadas, o PIB dobrou e o crescimento econômico médio anual atingiu mais de 4%, enquanto as contas públicas estavam indo bem.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ainda destacou que nos últimos 20 anos houve uma “tendência positiva” nos indicadores sociais. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Paraguai passou de um nível “médio” em 2001 para um nível “alto” em 2020, diz a agência.
Outros indicadores mostram uma diminuição substancial na desnutrição infantil e menor desigualdade de renda do que em muitos países latino-americanos.
Mas desde 2018 os indicadores já não são tão positivos e o país tem demorado a recuperar da pandemia que, juntamente com as mudanças climáticas, revelam problemas no modelo economico.
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