- Marcia Carmo
- De Buenos Aires para a BBC News Brasil
Os colombianos vão decidir quem será o próximo presidente do país no segundo turno das eleições, em 19 de junho.
A disputa será entre o candidato de esquerda ou centro-esquerda Gustavo Petro — ex-guerrilheiro, economista e senador, que disputa a Presidência pela terceira vez — e o candidato de direita Rodolfo Hernández — engenheiro, ex-prefeito de Bucaramanga, muitas vezes classificado como “populista”, “escrachado” e “outsider da política”.
As bandeiras de Petro, de 62 anos, são justiça social, reforma agrária — “democratizar a terra” —, cobrança de impostos às grandes fortunas para “gerar bem-estar e inclusão social” e uma “economia produtiva e com estabilidade econômica”. Petro também defende o fim do serviço militar obrigatório e a ampliação de áreas de Direitos Humanos nas Forças Armadas e policiais.
Petro, da coalizão Pacto Histórico, tem insistido que não pretende confiscar ou nacionalizar empresas e criticou os governos da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua, mas ainda assim não conseguiu evitar a rejeição do empresariado e dos setores conservadores do país. Sua defesa de renegociação dos acordos de livre comércio em vigor, que incluem os Estados Unidos, desagrada o empresariado.
A principal bandeira de Hernández, de 77 anos, é o combate à corrupção — quase único assunto sobre o qual insistiu na sua estratégia de comunicação através das redes sociais, apesar de ele ter problemas com a Justiça por denúncias de irregularidades quando foi prefeito de Bucaramanga. Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, defende o uso medicinal da maconha, a criação de uma renda mínima para os mais pobres e aposentadoria também para aqueles que não contribuíram para a previdência, mas não deu detalhes sobre de onde viriam os recursos.
Logo após os resultados das urnas, analistas disseram, na noite de domingo (29/5), ao canal de TV online do jornal El Tiempo, de Bogotá, que, em “termos matemáticos”, não se poderia descartar que Hernández possa chegar a vencer a eleição depois que o candidato da direita Federico ‘Fico’ Gutiérrez, da coalizão Equipo por Colômbia, que tem apoio dos partidos tradicionais, disse que o apoiaria.
“Pela matemática, se os votos de Hernández e de Gutiérrez forem somados, Hernández, o outsider, venceria”, disse um deles. Petro recebeu 8,5 milhões de votos (40,32%), Hernández contou com 5,9 milhões (28,15%) e Gutiérrez com pouco mais de 5 milhões de votos (23,91%).
Mas, nesta matemática, ainda pode pesar o índice de abstenção e, portanto, não está claro o que aconteceria no segundo turno.
A eleição ocorre em meio a uma profunda polarização devido ao descontentamento social derivado da desigualdade e da pobreza, além de demandas para reduzir a insegurança nas cidades e a violência nas áreas rurais onde operam grupos armados ilegais dedicados ao narcotráfico.
Mais de 85% dos colombianos acham que o país está no caminho errado. Desde a década de 1990, o momento mais agudo do conflito armado, números tão altos de pessimismo não foram relatados.
‘Cansaço’
A votação surpreendente em Hernández revela, segundo analistas, o “cansaço” dos colombianos com os políticos e o sistema atual. A eleição deixou de fora da corrida eleitoral, pela primeira vez em décadas, os partidos tradicionais, o que também confirmaria este “cansaço” e a busca dos colombianos por “mudanças”, num país com longa trajetória de governos de direita e conservadores.
“Vencemos e ampliamos nossa votação em relação às eleições anteriores. E nossa disputa é pelas mudanças”, disse Petro, famoso por sua oratória em tom de conversa, no fim da noite de domingo. Ele disse, porém, em claros recados para Hernández e seus eleitores, que existem “mudanças que podem ser suicídio” e que “a corrupção não se combate com frases de Tik-Tok”. Foi aplaudido por seus seguidores ‘petristas’ (como seus apoiadores são chamados).
Na sua fala, Petro citou o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Foi da obra ‘Cem Anos de Solidão’ que Petro tirou seu pseudônimo nos tempos de jovem guerrilheiro — Aureliano, em referência ao coronel Aureliano Buendía, considerado, por estudiosos, o principal personagem do livro.
‘Voto envergonhado’?
Hernández foi a grande surpresa eleitoral. Até cerca de um mês, ele tinha 10% das intenções de voto e era levado pouco a sério entre políticos e analistas que viam suas declarações como “exóticas”, “politicamente incorretas”, “machistas” ou “brutas”. Ele era interpretado como o “lanterninha” e com pouquíssimas chances de chegar ao segundo turno. Alguns setores o chamam ‘Trump colombiano’ e outros o comparam com o italiano Silvio Berlusconi por seu cabelo pintado e penteado.
O que foi considerado “voto envergonhado” em Hernández foi decisivo para que ele chegasse ao segundo turno, como observou a professora de ciências políticas Luaciana Manfredi, da universidade ICESI, de Cali.
Em seu discurso, após o resultado de domingo, Hernández voltou a falar em “acabar com a politicagem” e disse que sabe que, caso eleito, terá grandes desafios, mas que contará com “o apoio do povo”. Durante a campanha, Hernández foi autor de declarações reprováveis. Ele disse, por exemplo, ter “confundido” Hitler com o cientista Albert Einstein, após ter sido criticado por elogiar o ditador alemão durante uma entrevista.
Empresário e engenheiro, Hernández fala palavrões, sem rodeios, e durante uma entrevista ao canal CNN em espanhol, reconheceu que estava de pijama. Durante a entrevista de vídeo, o jornalista lhe perguntou se ele usava uma camisa de seda ou pijama. Ao que Hernández respondeu: “Estou de pijama. É que já estava no meu terceiro sono. Eu durmo cedo, por volta das sete da noite”, disse.
Analistas dizem que seu programa de governo é “vazio” ou “revela poucos detalhes” do que realmente pretende concretizar, caso seja eleito para suceder o atual presidente Iván Duque. Ter sido prefeito de Bucaramanga, com menos de 600 mil habitantes, foi sua única experiência num cargo político. Ele deixou o cargo com mais de 80% de popularidade.
Acordo de paz, tragédias e desemprego
A vida de Hernández é marcada também por tragédias. Sua filha, contou ele durante a campanha, foi sequestrada e morta pelo grupo guerrilheiro ELN, ainda em ação, e seu pai esteve sequestrado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) durante mais de cem dias.
O drama de décadas de guerrilhas no país não esteve no centro dos debates no primeiro turno da campanha eleitoral, mas foi lembrado por opositores de Petro, que deixou o grupo armado M-19 ainda na juventude e foi a favor do Acordo de Paz, assinado em 2016. Hernández foi contra o entendimento, realizado durante o governo de Juan Manuel Santos, que levou as FARC a entregarem as armas, mas disse que levaria o acordo adiante, caso seja eleito.
Os focos desta campanha são o desemprego e a pobreza, entre outros males evidenciados durante a pandemia de coronavírus.
País com cerca de 50 milhões de habitantes, a Colômbia registra mais de 30% de pessoas em situação de pobreza, além de alto índice de trabalhadores informais. Além desse quadro social, não muito diferente de outros da América Latina, a sociedade colombiana aponta a violência — principalmente no interior do território colombiano, onde o tráfico de drogas e outros problemas geram temores — entre as maiores preocupações no país.
Quase aliados
Apesar de opositores, Petro e Hernández quase formaram a mesma chapa à Presidência, como lembraram analistas ouvidos pela BBC News Brasil, mas terminaram a campanha, no primeiro turno, com troca de farpas públicas. “Milionário corrupto”, disse Petro sobre Hernández, que reagiu, lembrando que quase foram aliados. “Agora, não sirvo mais, senhor Petro”, disse.
Na votação, no primeiro turno, Petro recebeu ampla diferença de votos em relação aos demais candidatos, mas não o suficiente para evitar o segundo turno. Com 99,32% das mesas apuradas, ele, que foi prefeito de Bogotá, teve 40,31% da votação, e Hernández, que foi prefeito de Bucaramanga, 28,2%.
Esta é a primeira vez, na história recente do país, que os candidatos que representavam a direita clássica, respaldados pelos partidos tradicionais, não disputarão a cadeira presidencial.
Derrota de Uribe e Duque
O resultado do primeiro turno foi a maior derrota dos partidos tradicionais e dos políticos Álvaro Uribe, ex-presidente, e do atual presidente Iván Duque, que apoiaram Federico ‘Fico’ Gutiérrez, que ficou em terceiro lugar.
A era do ‘uribismo’ está há vinte anos no poder. Na noite de domingo, ‘Fico’ anunciou que apoiará Hernández e, até aquele momento, a expectativa era que a direita e a centro-direita em peso seguissem o mesmo caminho — não exatamente por simpatia pelo candidato, mas, principalmente, por aversão a Petro.
Em 19 de junho, os colombianos vão decidir quem governará o país por quatro anos.
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