- Leandro Prazeres – @PrazeresLeandro
- Da BBC News Brasil em Brasília
Tendo recebido a maior votação entre os candidatos à Presidência no primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode chegar, no próximo domingo (30/10), a um terceiro mandato presidencial, se conseguir manter sua vantagem e vencer o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mas apesar de ser uma das figuras políticas mais conhecidas da história recente do país, Lula vem sendo criticado ao longo da campanha pela falta de detalhamento de suas propostas em áreas relevantes como a política econômica que ele poderá adotar em um eventual novo mandato.
Às vésperas das eleições, o questionamento permanece: Lula está pedindo um “cheque em branco” aos eleitores?
Cientistas políticos, economistas e políticos ouvidos pela BBC News Brasil divergem sobre a resposta a essa pergunta. De um lado, há os que alegam que Lula não está pedindo um “cheque em branco” do povo porque parte do seu eleitorado já tem um conjunto de ideias fixas sobre sua agenda econômica e espera que o petista repita o que fez em seus dois mandatos anteriores.
Outros, porém, avaliam que o fato de Lula não ter detalhado suas propostas mostraria que ele e o partido não teriam “aprendido” com os erros do passado e que isso pode dificultar o processo de cobrança por desempenho, caso ele seja eleito. Eles alegam que ao fazer promessas sem detalhar como vai alcançar os objetivos, o cheque pode estar na verdade “sem fundo”, quando não há como pagá-lo.
Cheque em branco
A expressão “cheque em branco” vem sendo utilizada ao longo da corrida eleitoral por críticos do PT. No jargão popular, dar um “cheque em branco” significa dar um voto de extrema confiança em alguém, uma vez que o portador pode escrever o valor que quiser no cheque.
Na campanha do primeiro turno, a senadora e candidata à Presidência Simone Tebet (MDB) usou a expressão ao se referir a Lula em uma postagem em suas redes sociais.
“O ex-presidente Lula defende o voto útil, mas foge covardemente do debate, não apresenta propostas. Quer um cheque em branco do Brasil”, disse Simone.
Após o primeiro turno, Tebet declarou apoio a Lula e passou a viajar pelo país fazendo campanha pelo ex-presidente.
Quem também usou a expressão foi o candidato do Novo à Presidência, Felipe D`Ávila. Em uma série de postagens em suas redes sociais, ele criticou a falta de detalhamento das propostas de Lula.
“‘Não sou o Bolsonaro’ não é política econômica. Não gera emprego nem renda […] Aqui não tem cheque em branco nem estelionato eleitoral”, disse.
D’Ávila, ao contrário de Tebet, continua a se posicionar contra Lula no segundo turno.
A principal fonte de críticas girou em torno da suposta falta de detalhamento das propostas de Lula. O documento intitulado “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil” tem 21 páginas, 121 pontos e foi registrado pelo partido junto à Justiça Eleitoral.
Nele, a coligação de Lula se compromete, por exemplo, a acelerar a atividade econômica e retomar a geração de empregos.
“Temos compromisso com o desenvolvimento econômico sustentável com estabilidade, para superar a crise e conter a inflação, assegurando o crescimento e a competitividade, o investimento produtivo, num ambiente de justiça tributária e transparência na definição e execução dos orçamentos públicos, de forma a garantir a necessária ampliação de políticas públicas e investimentos fundamentais para a retomada do crescimento econômico”, diz um trecho do documento.
Na quinta-feira (27/10), o PT divulgou uma carta com 13 pontos assinadas pelo ex-presidente Lula em que fornece mais informações sobre suas propostas para diversas áreas, entre elas a econômica.
Na carta, Lula promete retomar obras paradas nas 27 unidades da federação, buscar investimentos nacionais, internacionais, públicos e privados para “para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, serviços, agricultura de alimentos e indústria”.
Na carta, Lula promete ainda construir uma “Nova Legislação Trabalhista” e implantar um programa de crédito a juros baixos para micro, pequenas e médias empresas.
O problema, segundo alguns críticos, é que as propostas na área econômica não estariam suficientemente detalhadas.
“O cheque está em branco porque você não ouviu o Lula fazendo nenhum grande compromisso na área econômica. Você não sabe, em detalhes, o que ele quer fazer e nem como quer chegar lá”, diz doutor em economia e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartzman.
O economista afirma que a política econômica adotada pelos governos do PT a partir de 2006 foi equivocada e teria sido responsável, em parte, pela crise econômica que o país enfrentou a partir de 2015.
Lula admitiu que sua sucessora, Dilma Rousseff (PT) teria cometido erros na condução da economia como o programa de desonerações adotado por ela para manter um nível baixo de desemprego.
Segundo Schwartzman, sem o detalhamento das novas propostas na área econômica, o eleitorado ficou sem saber se Lula vai repetir ou não as políticas do passado.
“A gente não sabe se o Lula e o PT aprenderam com os erros do passado ou se vão continuar a fazer as mesmas coisas”, afirmou.
‘Cheque sem fundo’
A economista de orientação liberal e apoiadora da candidatura de Simone Tebet à Presidência, Elena Landau, concorda com Schwartzman.
Segundo ela, a estratégia do “cheque em branco” ficou ainda mais evidente na reta final do primeiro turno, quando a candidatura de Lula apostou todas as fichas no voto útil para encerrar as eleições ainda no primeiro turno.
“Houve uma pressão enorme pelo voto útil sob o argumento de que apenas Lula representaria a democracia. Mas quão democrático é defender voto útil no primeiro turno? Ele pedia voto na base do ‘confia em mim’ e só”, disse a economista.
Elena Landau admite que algumas posições de Lula sobre a economia chegaram a ser debatidas como a ideia de usar o Estado como indutor do crescimento econômico e reativar o consumo.
Ela usa a metáfora do cheque para descrever o que vê como um problema. “Talvez, o cheque do Lula não esteja em branco. Talvez, o problema seja que o cheque que ele deu ao eleitorado esteja sem fundo, porque ele não vai ter como entregar o que prometeu”, afirmou.
Apesar das críticas, Landau apoia o voto em Lula no segundo turno.
“Meu voto é contra a reeleição de Bolsonaro. Após ver o Congresso Nacional que foi eleito, é preciso dar um freio a Bolsonaro. É um Congresso conservador e de direita. Com Bolsonaro, essa combinação não é saudável”, disse ao jornal Valor Econômico no dia 7 de outubro.
Em uma postagem no seu perfil no Twitter na segunda-feira (24/10), a economista criticou a suposta ausência de cobrança sobre as propostas de Bolsonaro.
“Por que só pedem propostas do Lula, enquanto é Bolsonaro que acabou com teto, que contratou déficit primário para 2023, que fica perturbando as ideias da Petrobras, que faz política populista, que mantém regimes especiais no IR [Imposto de Renda], que transformou Brasil em pária?”, indagou a economista.
“Depois do dia 30, a gente cobra. E até o fim do ano a dupla Guedes/Jair ainda pode fazer muito estrago”, completou.
Memória e oposição
A doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Viviane Gonçalves, porém, discorda dos argumentos de Schwartzman e Elena Landau sobre um suposto “cheque em branco” pedido por Lula.
Ela sustenta que como Lula é bastante conhecido e já governou o país duas vezes, o eleitorado já tem uma ideia sobre o que quer e o que espera do petista.
“Eu não vejo como um cheque em branco porque ele não é um desconhecido. Quem vota em Lula já vota esperando algo, nem que seja a repetição do que ele fez quando foi presidente. Além disso, ele vem como uma proposta de ser o oposto de Bolsonaro. O eleitorado se manifesta dizendo: eu não quero mais isso”, afirmou a professora.
“Não é que ele não precisou apresentar propostas. Ao longo da campanha, ele falou de algumas, mas o que existiu nessa campanha foi uma aposta muito grande nas figuras pessoais dos candidatos. Isso já era uma característica forte no Brasil no passado e se manteve agora”, avaliou Viviane Gonçalves.
Na avaliação da professora de Ciência Política da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, Denilde Holzhacker, Lula é ambíguo ao não detalhar algumas de suas propostas.
Segundo ela, isso se deveu à necessidade de ele atrair o voto do eleitor moderado e indeciso. Ao não descrever em detalhes suas propostas, Lula teria evitado espantá-los ou desagradar a militância mais à esquerda que sempre o apoiou.
Outro motivo que permite a Lula não detalhar suas propostas ao longo da camanha, segundo ela, é a forma como a disputa acontece.
“A disputa foi muito centrada na figura de Lula e Bolsonaro. É uma batalha, em certa medida, sobre as personalidades. Não é uma eleição sobre propostas”, afirma.
Apesar disso, ela discorda da tese do “cheque em branco”.
“Eu não chamaria de cheque em branco porque o eleitor vai cobrá-lo [caso ele seja eleito]. Haverá uma pressão da sociedade em geral e dos grupos políticos que o apoiaram até agora”, disse Denilde Holzhacker.
Em suas redes sociais, o candidato a vice-presidente na chapa de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), rebate a ideia de que as propostas na área econômica do ex-presidente sejam vagas. Em uma série de postagens, Alckmin disse que, se Lula for eleito, o governo terá como ponto principal a responsabilidade fiscal.
O deputado federal e um dos formuladores do programa de governo da candidatura de Lula, Paulo Teixeira (PT-SP) também não concorda com a ideia de “cheque em branco”.
“Não existiu isso. O principal balizador da campanha de Lula foram os seus governos. Além disso, nós elaboramos, junto aos outros partidos da coligação, um programa com todas as diretrizes de como queremos governar. Está tudo registrado”, afirmou Teixeira à BBC News Brasil.
Indagado sobre o nível de detalhamento das propostas, Paulo Teixeira negou que elas sejam vagas, mas disse que um detalhamento maior e estabelecimento de metas vai depender de conversas com a sociedade e com o Congresso, caso Lula seja eleito.
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