- Luis Barrucho – @luisbarrucho
- Da BBC News Brasil em Londres
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, teve menos votos do que seu principal opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no 1º turno das eleições presidenciais brasileiras.
Com 100% das urnas apuradas, Bolsonaro teve 43,20% dos votos válidos e Lula, 48,43%.
Mas a votação em Bolsonaro neste ano teve diferenças significativas em relação à de 2018, quando ele foi eleito presidente.
A BBC News Brasil conversou com Fernando Meireles, pesquisador de pós-doutorado em ciência política no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Confira algumas dessas mudanças com base nos dados levantados e analisados por ele.
1. Bolsonaro perdeu votos em capitais e ganhou em cidades menores
Na maioria dos municípios, Bolsonaro teve um desempenho muito parecido ao de 2018.
Mas ele perdeu força nas capitais e grandes cidades e ganhou espaço em municípios menores, especialmente naqueles em que onde recebeu poucos votos há quatro anos, indicam os dados.
No primeiro caso, um exemplo é a região metropolitana de São Paulo. No segundo, o Norte e o Nordeste.
Em municípios com menos 50 mil eleitores nessas duas regiões, Bolsonaro melhorou sua votação média em mais de três pontos percentuais. Nos maiores, ao contrário, perdeu mais que isso, assinala Meireles.
No Nordeste, o percentual de votos válidos cresceu por todo o interior dos Estados da região. No Norte, esse padrão quase não teve exceções.
Segundo o especialista, em praticamente todas as capitais, Bolsonaro se saiu pior do que na eleição anterior.
Meireles lembra que o atual presidente teve um desempenho excepcional nas grandes metrópoles em 2018, muito melhor que o de Aécio Neves no 1º turno de 2014, por exemplo.
Esse fenômeno de interiorização de votos em Bolsonaro ainda não pode ser totalmente explicado por especialistas.
Mas há pistas, entre elas, o pagamento do Auxílio Brasil (ler abaixo), a inflação e o desemprego que acometem as cidades maiores com mais força, a distribuição dos recursos do governo federal a municípios menores e também a força das igrejas nesses locais.
Essa mudança na base eleitoral de Bolsonaro, com mais votos em municípios menores, foi observada mais nitidamente no Norte e no Nordeste, segundo mostram os dados.
E há uma relação mais forte entre os municípios que receberam mais repasses per capita do Auxílio Brasil e a votação em Bolsonaro na comparação com 2018 sobretudo no Norte, mas também no Nordeste e no Centro-Oeste.
No Sudeste, essa relação também parece existir em algumas cidades, mas no Sul, não.
Ou seja, “no nível agregado”, municípios deram mais votos a Bolsonaro justamente nos locais mais beneficiados pelo Auxílio, contrabalançando a perda das grandes cidades, segundo Meireles.
Ele ressalva, contudo, que não é possível fazer uma análise no nível individual – o fato de o Auxílio ter relação com votos nos municípios não implica que foram beneficiários que votaram mais em Bolsonaro: podem ter sido outros eleitores beneficiados indiretamente; ou eleitores de Lula que se abstiveram mais.
Disso dependeria uma pesquisa de boca de urna, que não houve neste ano.
“É muito provável que o Auxílio tenha influenciado a decisão de voto. Talvez a pessoa que recebeu o benefício considerou votar mais no Bolsonaro, talvez ela já votaria no Bolsonaro, mas talvez não compareceria. Mas talvez tenha ficado mais propensa a comparecer, pois quer “ajudar” o governo para que o benefício continue sendo pago”, diz Meireles à BBC News Brasil.
“Mas no nível de agregação dos municípios, não temos como fazer essa afirmação. É preciso lembrar que o efeito do Auxílio Brasil no município não incide somente para as pessoas que recebem o benefício”.
“Se a gente pensar num município do interior, quando há muitas pessoas pobres que de uma hora para outra passam a receber o Auxílio Brasil, o comércio local muda, várias pessoas passam a ter outro perfil de consumo. A realidade das famílias também, e isso altera várias dinâmicas de socialização dessas pessoas”.
“Por exemplo, elas podem se encontrar mais, fazer mais almoços de família, se preocupam menos com desemprego, têm mais acesso a lazer e cultura”.
“O Auxílio Brasil tem efeitos que vão além do eixo do benefício individual da renda. Ou seja, afeta a população de um município como um todo”.
Meireles conclui: “Não dá para cravar, portanto, se o Auxílio Brasil teve um efeito diretamente sobre o beneficiários ou se foi por outras razões que que Bolsonaro aumentou sua votação. Mas o que os dados mostram é que essa relação entre a maior votação em municípios menores e o pagamento do benefício nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, principalmente.”
3. Bolsonaro perdeu votos no Rio de Janeiro em relação a 2018
Em praticamente todas as capitais, Bolsonaro se saiu pior do que na eleição anterior.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, embora tenha vencido Lula e tido desempenho melhor do que as pesquisas de intenção de voto apontavam, o atual presidente teve menos votos em praticamente todos os municípios em relação a 2018.
Mas no Rio de Janeiro, em particular, a piora foi quase geral nessa comparação, diz Meireles.
4. Bolsonaro consolidou ‘cinturão de votos’ no Sul
O Sul foi a única região onde a relação entre o pagamento do Auxílio Brasil e a maior votação em Bolsonaro em relação a 2018 não foi observada.
“Em algumas cidades, ele melhorou a votação em 20%. É um desempenho muito expressivo. Mas ali não há uma relação visível entre a cobertura do Auxílio Brasil e essa melhora. A melhora parece ser provavelmente explicada por outros fatores. Difícil saber o que é”, diz Meireles.
De fato, o resultado do primeiro turno das eleições mostrou uma consolidação da influência de Bolsonaro nos Estados de Santa Catarina e Paraná. No oeste de ambas as regiões, o atual presidente teve uma votação expressiva.
Não surpreende, portanto, que tenha sido ali onde Bolsonaro registrou seus maiores porcentuais de votação.
Das cinco cidades que mais votaram em Bolsonaro, três estão no oeste do Paraná: Nova Santa Rosa (82,20%), Quatro Pontes (80,32%) e Mercedes (78,78%).
A cidade que mais votou em Bolsonaro foi Nova Pádua, no Rio Grande do Sul. Ali ele recebeu 83,98%.
Completa o ranking Novo Progresso, no Pará (79,60%).
5. Bolsonaro não teve menos votos nos municípios mais afetados por covid
Os dados mostram que Bolsonaro não perdeu votos nos municípios mais afetados pela pandemia de covid-19.
Meireles cruzou os dados totais de óbitos por covid-19 até março desse ano com a diferença de votos de Bolsonaro entre 2022 e 2018.
A conclusão foi que, diferentemente do que se poderia esperar, não houve relação entre entre os municípios mais afetados pela pandemia e uma piora na votação em Bolsonaro.
Meireles ressalva que isso não quer dizer, por outro lado, que a pandemia “não tirou votos do presidente” — mas a relação não é visível no nível municipal.
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