- Author, Alicia Hernández
- Role, BBC News Mundo
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A inauguração de um campo de softbol, o popular jogo caribenho parecido com o beisebol, é um ato que começa com uma pregadora evangélica colombiana dando sua bênção e onde políticos balançam – ou tentam – os quadris ao som de um reggaeton ou de uma música pedindo para votar em um candidato cujo ritmo e cantor poderiam muito bem ser da República Dominicana.
Não são eventos de campanha na América Latina, mas sim na Espanha, onde ocorrerão eleições gerais neste domingo (23/7) e onde não era habitual ver campanhas como essa nas quais o latino é tão claramente disputado.
Mas nos últimos anos a importância desse grupo cresceu.
Isso é confirmado por Laura Morales, professora de ciência política no Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Desde o início dos anos 2000, ela estuda o comportamento eleitoral dos migrantes na Espanha e viu como passou do não se importar com ninguém à maior importância dada ao voto latino, há cerca de cinco anos.
Assim são vistos os atos e estratégias eleitorais que os principais partidos políticos da Espanha adotaram para as eleições deste domingo.
Embora analistas e partidos ainda tenham uma incógnita: não sabem ao certo a que porcentagem do eleitorado se dirigem.
Uma questão de dados
Quantas pessoas da América Latina e nacionalizadas como espanholas existem no país?
Como dizemos, não está tão claro.
“Os dados são difíceis de calcular e os números que temos são aproximados”, explica Morales.
Os últimos números do Instituto Nacional de Estatística (INE) da Espanha são de janeiro de 2021 e apontam que cerca de 1,5 milhão de estrangeiros com nacionalidade espanhola e direito de voto residiam na Espanha na época.
Mas, além disso, aponta o professor, não se sabe o total da população nacionalizada desde a década de 1980, por exemplo. Também não se sabe quantos dos espanhóis que votam no exterior têm dupla nacionalidade. Ou, dos que moram no país, se estão sendo considerados os descendentes desses migrantes, que já nascem espanhóis mas que têm uma relevância de voto como as de latinos.
Com esta contagem aproximada, estima-se “que cerca de 10 a 13% do eleitorado tenha essa origem”.
Dado esse peso, diz Morales, não há tanta atenção específica voltada a esse grupo, formado principalmente por equatorianos, colombianos, venezuelanos, argentinos, peruanos, dominicanos e cubanos.
Mas, então, por que agora eles colocaram mais foco nisso.
Por um lado, há uma consciência de que o número potencial de eleitores é maior do que há 10 ou 15 anos.
Mas também para acumular crédito político a médio prazo.
“É bem provável que daqui até as próximas eleições gerais ou daqui a 10 anos um quarto do eleitorado seja de origem imigrante”, diz a professora.
Uma ‘manga baixa’
Dois partidos em particular, o PP (direita) com o candidato Alberto Núñez-Feijoó à frente e o Vox, de extrema direita e liderado por Santiago Abascal, têm feito uma campanha mais visível para captar o voto latino.
Isso porque eles têm “uma certa percepção de que esses eleitores (latinos) podem compartilhar valores parecidos em relação aos modelos familiares, uma visão religiosa mais conservadora”, diz Morales.
Opinião sustentada por Carmen Beatriz Fernández, cientista política radicada na Espanha, mas nascida na Venezuela, precisamente uma comunidade a que ambas as partes têm dirigido o seu discurso porque, pela experiência no seu país de origem, “fazem com que se associem mais aos valores da direita”.
São pescadores de votos “fáceis de atrair com um custo relativamente baixo de mobilização eleitoral, sem grande esforço, um low hanging fuit”, diz Morales, ou como diriam em venezuelano, uma “manga baixa”.
‘Sem os hispânicos é uma campanha fracassada’
A estratégia do PP, partido favorito a ser o mais votado neste domingo, segundo as pesquisas, tem um ponto-chave em Madri, onde a presidente da comunidade, Isabel Díaz Ayuso, tem feito acenos constantes aos latinos.
Ali nasceu a iniciativa “Hispânicos com o PP”, uma organização dentro do partido que se estendeu à Galiza, Canárias, Valência ou Andaluzia para “mobilizar o voto hispânico”, explica Michael Ferreira, venezuelano-português membro do grupo.
“Nos Estados Unidos, falar de uma campanha sem hispânicos é uma campanha fracassada. O voto hispânico marca tendência e é relevante. A Espanha está entrando nesta dinâmica e o PP está promovendo-a”, afirma.
Eles fazem isso por meio de pequenos atos para cada região do país, com outros mais gerais nos quais se misturam a bandeira espanhola e as dos países latino-americanos, ou na inclusão cada vez maior nas suas listas de políticos com origem na América Latina.
Mas também ultimamente com atos que chamaram a atenção da imprensa e não ficaram isentos de críticas.
Por exemplo, um ato que eles chamaram de “Europa é Hispanica”, onde o candidato Núñez-Feijóo junto com Díaz Ayuso fizeram uma passeata ao som da conhecida canção “El tiburón”, de Proyecto Uno, cantada ao vivo pelo dominicano Henry Méndez e que fez parte da campanha para as eleições a prefeitos e Comunidades Autônomas (regiões), em maio deste ano.
O ato teve a participação da pregadora evangélica colombiana Yadira Maestre, polêmica por seus postulados.
O medo do “comunismo”
A aproximação com a comunidade evangélica, que conta entre seus seguidores com boa parte da comunidade latina, também tem sido feita pelo Vox como parte de sua estratégia.
Para essas eleições específicas, eles criaram a iniciativa “Latinos por Abascal” para ganhar votos.
Para o seu lançamento, utilizaram um jingle feito com ritmos e letras animadas típicos de campanhas feitas na América Latina e onde se veem as bandeiras de Cuba, Venezuela, Brasil ou Bolívia.
Mas o discurso voltado para a comunidade latino-americana é uma exceção no Vox, partido político com forte discurso anti-imigração.
Eles fazem essa distinção com os latinos porque é mais fácil para eles “se assimilarem à ‘etnia espanhola’ por compartilhar a mesma religião, língua, costumes, visão de mundo e história”, concordam os professores de ciência política David Lerín Ibarra (Universidade Complutense) e Guillermo Fernández-Vázquez (Universidade Carlos 3).
Esse também é um voto fácil de capturar em alguns nichos, como explicou Morales.
Alguns setores latinos “são sensíveis a apelos sobre os perigos potenciais de um suposto governo que inclui comunistas”, diz Morales.
“Menos reggaeton e mais direitos”
O espectro político da esquerda para estas eleições gerais é ocupado, por um lado, pelo PSOE (centro-esquerda), com o atual presidente Pedro Sánchez à frente.
Do outro, está a Sumar, uma coalizão recém-nascida que protege sob seu guarda-chuva diferentes grupos de esquerda e que é liderada pela atual vice-presidente do governo Yolanda Díaz.
Morales aponta que o PSOE e a esquerda em geral já tiveram iniciativas para abordar o voto latino, embora devido à sua estrutura e às características das campanhas eleitorais na Espanha —discurso mais geral, campanha mais genérica, sem segmentação de mensagens e de nível e extensão mais limitados—, já não tem um protagonismo tão grande.
Hana Jalloul, Secretária de Política Internacional e Cooperação para o Desenvolvimento do PSOE entre 2020 e 2021 e Secretária de Estado das Migrações diz que o partido acredita na migração, “e temos trabalhado pela sua inclusão sociolaboral, para lhes dar acesso ao trabalho”.
Para esta campanha, a esquerda se concentrou mais em círculos de confiança, atos ou convivência onde os migrantes em geral são explicados sobre seus direitos, protocolos contra a xenofobia ou o racismo.
“Não vamos dançar reggaeton, mas daremos direitos aos migrantes. Fatos, não palavras”, diz Jalloul ao destacar as nacionalizações de migrantes que o presidente José Luis Rodríguez Zapatero fez em sua época ou a concessão de residência por motivos humanitários implantada por Sánchez para os venezuelanos.
Esse é um ponto-chave do discurso da esquerda não apenas para a comunidade latina, mas para os migrantes em geral: “Lembre-se sistematicamente que o Vox é contra as regularizações migratórias”, diz Morales.
Mas, como sustenta Laura Morales, a esquerda em geral não encontra um equilíbrio em seu discurso para se dirigir a esse eleitorado que “potencialmente poderia votar neles porque as políticas universais implementadas pelo governo de coalizão (PSOE-Podemos, atualmente no poder) são benéficas para eles”.
Um eleitorado tão amplo quanto a América Latina
Embora a importância do voto latino seja maior do que em anos anteriores, a Espanha é um caso difícil para mobilizar esse eleitor.
Por exemplo, você não pode fazer um discurso diferenciado, algo que nos Estados Unidos consegue apenas mudando o idioma. Além disso, na Espanha é preciso ter cuidado, diz Morales, “para não fazer algo étnico-racial, que possa ofender a comunidade e marcá-los como migrantes quando já têm nacionalidade”.
E é difícil sustentar um discurso específico, porque o coletivo na Espanha é tão heterogêneo e variado quanto a América Latina é ampla.
Por exemplo, os venezuelanos votam mais à direita, enquanto argentinos, uruguaios, colombianos e, em menor grau, peruanos, tendem a votar à esquerda. Enquanto os equatorianos têm um voto mais volátil, segundo especialistas.
E o fazem, um e outro, em proporções semelhantes, por isso, explica Morales, “não se pode dizer que o coletivo latino-americano como um todo é um voto que favorece um espectro político específico”.
O desafio para os próximos anos na Espanha é que os partidos políticos encontrem uma forma de atender uma população que, por um lado, cresce, mas, por outro, mal dispõe de dados para entender seu comportamento eleitoral.
Fonte: BBC
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