- Author, Veronica Smink
- Role, Da BBC News Mundo na Argentina
Mas, além disso, este advogado de 51 anos vai ao segundo turno como o mais votado — teve mais de 36% contra os 30% de Milei — graças ao apoio do Kirchnerismo, força que, no passado, ele enfrentou e ajudou a remover do poder em 2015.
Precisamente, a chave do sucesso de Massa, segundo analistas, é que ele conseguiu unificar o voto do peronismo, a força criada há quase oito décadas por Juan Domingo Perón, que dominou a vida política argentina nas últimas décadas.
“O voto peronista é um voto sólido. Embora esteja abaixo do seu piso histórico – nunca se saiu tão mal como nestas eleições –, de qualquer forma é um piso que resiste”, diz o sociólogo e cientista político Marcos Novaro, diretor do Centro de Pesquisas Políticas (Cipol), à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Por outro lado, a aparição de Milei — que havia surpreendido ao sair em primeiro lugar nas primárias — “dividiu o voto da oposição”, diz Novaro, o que prejudicou Patricia Bullrich, do Juntos por el Cambio, que ficou de fora do segundo turno, ao aparecer em terceiro lugar, com menos de 24% dos votos.
A estratégia eleitoral de Massa buscou destacar o impacto que a proposta do economista anarcocapitalista Milei de reduzir o Estado ao mínimo teria para muitos argentinos — o que parece ter tido um impacto profundo entre uma população que hoje depende fortemente da presença do Estado (saúde, educação e emprego público, além de subsídios aos transportes e à energia).
Seu grande desafio diante de um segundo turno, no entanto, será atrair eleitores de Bullrich, considerados ideologicamente mais próximos de Milei.
‘Panqueca’
Massa não é um peronista tradicional: suas origens políticas são conservadoras liberais e ele propõe soluções pró-mercado.
Sua principal característica, no entanto, tem sido o pragmatismo, que o levou a forjar alianças com antigos rivais, como Cristina Fernández de Kirchner e o atual presidente, Alberto Fernández, com quem chegou ao poder em 2019 com a coligação Frente de Todos.
Embora os seus críticos questionem sua credibilidade — apelidam-no de “panqueca”, devido aos tempos em que deu viradas politicamente (uma referência à massa de uma panqueca, que deve ser virada durante o preparo) —, a verdade é que estas alianças o levaram ao lugar onde está hoje.
“Foi uma aposta que deu certo”, diz Facundo Nejamkis, diretor da consultoria Opina Argentina. “Massa é o único (peronista) que tem vocação de liderança suficiente para desafiar Cristina Kirchner e o peronismo precisa de uma nova liderança, alguém que lhe mostre uma direção, é aí que reside a sua virtude.”
Uma vida dedicada à política
O candidato da União por la Patria começou sua carreira política ainda adolescente, na década de 1990, quando o presidente era Carlos Menem, outro peronista não tradicional, que aplicava políticas neoliberais.
Seu partido liberal conservador, a Unión de Centro Democrático (Ucedé), fundiu-se com o Menemismo e Massa aderiu oficialmente ao Partido Justicialista (nome oficial do Peronismo).
Apesar da juventude, ele começou a ganhar poder político. Aos 27 anos, em 1999, obteve seu primeiro cargo eletivo como deputado provincial de Buenos Aires.
Com apenas 30 anos, ele foi nomeado, após a crise econômica de 2001, diretor da Administração Nacional da Segurança Social (Anses), que gere as principais despesas públicas do Estado. Esse foi o seu trampolim político: a posição que lhe permitiu fazer nome tanto entre o público em geral como nos escalões superiores do poder.
Ocupou esse cargo durante cinco anos, durante toda a presidência de Néstor Kirchner. Embora no meio, em 2005, tenha concorrido e conquistado um lugar como deputado nacional nas listas do kirchnerismo, sua candidatura acabou sendo o que se chama de “testimonial” no jargão político argentino: ele nunca tomou posse e o seu lugar foi para outra pessoa.
Massa só deixou a Anses em 2007 para assumir a prefeitura do município de Tigre, onde mora, na próspera zona norte da Grande Buenos Aires.
No entanto, ele só estava nessa função há oito meses quando foi chamado a assumir a função política mais relevante até então, quando Cristina Kirchner — que tinha sucedido o marido em 2007 — o nomeou chefe de gabinete, após a demissão de Alberto Fernández (que deixou o cargo que ocupou durante o governo de Néstor Kirchner com fortes críticas a sua nova chefe).
“É uma fonte de orgulho e satisfação para mim e aumenta minha responsabilidade”, disse Massa com entusiasmo ao tomar posse.
Na ocasião, disse que trabalharia arduamente para “devolver à presidente a confiança” que ela depositou nele. E em suas primeiras declarações como chefe da Casa Civil revelou uma intimidade: que antes de prestar juramento a presidente tinha sussurrado no seu ouvido, como se fosse uma piada: “você tem 30 segundos para se arrepender.”
Seria o início de um relacionamento cheio de idas e vindas.
Anti-K
Massa ficou no cargo por apenas um ano. Desencantado com os novos rumos que o governo havia tomado, voltou a assumir a prefeitura de Tigre em 2009, de onde começou a construir seu próprio espaço político com a ajuda de sua esposa, Malena Galmarini, política de família com longa trajetória no peronismo.
Antes de sair, concorreu novamente como candidato “testimonial” nas eleições legislativas daquele ano, obtendo novamente uma cadeira na Câmara dos Deputados que não ocupou.
Após dois anos consolidando o poder em seu reduto, Tigre, ele conseguiu uma contundente reeleição como prefeito, com mais de 70% dos votos.
Parte do seu sucesso deveu-se às políticas de segurança que reduziram os índices de roubos – como a implementação de câmeras em vias públicas – propostas que apresenta hoje a nível nacional como candidato presidencial.
Mas esta não é a primeira vez que Massa concorre à presidência da Argentina.
Após abandonar o kirchnerismo, formou seu próprio partido — Frente Renovador — e emergiu como o principal rival interno, dentro do peronismo, da força liderada por Cristina Kirchner.
Primeiro, em 2013, obteve — e finalmente ocupou — uma cadeira de deputado nacional, vitória que foi um duro golpe para Cristina Fernández de Kirchner, já que Massa derrotou o candidato presidencial.
Mas a rivalidade atingiu o seu clímax nas eleições presidenciais de 2015, nas quais Massa concorreu como candidato contra Daniel Scioli — eleito sucessor de Kirchner — e Mauricio Macri, da coligação de centro-direita Cambiemos.
Os mais de 21% dos votos de Massa – que naquela ocasião ficou em terceiro lugar, atrás de Macri e Scioli – solidificaram sua posição como ator relevante no cenário político nacional.
E o apoio de Massa a Macri no segundo turno, que contribuiu para a vitória do adversário, também aprofundou as diferenças com sua ex-chefe política.
Na preparação para eleições legislativas de 2017, Massa criticou duramente a candidatura de Kirchner como senadora.
“Eu não vou à esquina com o kirchnerismo porque eles vão às eleições em busca de privilégios”, disse, acusando Cristina Kirchner de se apresentar como candidata para pedir imunidade parlamentar a uma possível condenação pela justiça por corrupção.
Nova reviravolta
Dada a rivalidade explícita entre eles, Massa e Kirchner surpreenderam em 2019 quando anunciaram que uniriam forças com Alberto Fernández – crítico de ambos – para formar uma coligação eleitoral pan-peronista – a Frente de Todos (FdT) – com a intenção de impedir um segundo mandato de Macri.
A estratégia deu certo e a tríade assumiu o governo: Fernández como presidente, Kirchner como vice e Massa como presidente da Câmara dos Deputados.
“A janela estava aberta para reunificar o peronismo. Massa viu a oportunidade e aproveitou”, afirma Novaro.
“Ele também percebeu, com astúcia, que era melhor para ele não estar no Executivo, mas na Câmara dos Deputados. Isso o colocou em uma posição de poder próprio, autônomo de Fernández e Kirchner.”
No entanto, o sucesso eleitoral da coligação não se traduziu em sucesso de gestão. As divergências dentro do FdT agravaram um panorama já dificultado pela pandemia e por uma seca histórica que reduziu drasticamente a receita de dólares do campo, principal fonte de divisas do país.
Nas eleições de 2021, o partido no poder marcou 13 pontos a menos do que nas eleições presidenciais, ficando oito pontos atrás do Juntos por el Cambio, a força de Patricia Bullrich (La Libertad Avanza de Javier Milei só participou na cidade de Buenos Aires, obtendo duas cadeiras na Câmara dos Deputados).
Depois da catástrofe política, veio o desastre econômico.
No meio de uma aceleração inflacionária gerada pela emissão recorde de dinheiro, que fez com que a subida dos preços chegasse a quase 100% em 2022, o ministro da Economia, Martín Guzmán, abertamente em conflito com Cristina Kirchner, demitiu-se em julho daquele ano.
O que parecia ser um colapso inevitável foi contido quando Massa, com o apoio dos seus dois parceiros políticos, assumiu o controle dessa e de outras duas pastas econômicas em agosto, tornando-se um “superministro”, como os meios de comunicação o apelidaram.
“Massa não é um economista, e sim um político. Mas a questão é que a crise argentina é política. Precisamos de uma pessoa com capacidade política e com firmeza”, comentou naquele momento o analista Carlos Fara à agência AFP.
De superministro a candidato
Nos 14 meses em que Massa comandou o Ministério da Economia, a crise inflacionária se agravou, atingindo dois dígitos por mês a partir de agosto. E o Banco Central ficou sem reservas.
No entanto, quando chegou o momento de escolher um candidato do partido no poder para as eleições deste ano, tanto Cristina Kirchner como o presidente Fernández – os seus dois antigos rivais – nomearam-no para a corrida à presidência.
“Massa mostrou que é um político que faz grandes apostas em momentos em que outros líderes não ousam”, afirma Nejamkis, que destaca que “assumiu o Ministério da Economia não sendo economista e nessa situação”.
“Ele pegou uma batata quente”, reconheceu Cristina Kirchner na época, em um dos poucos elogios que fez ao candidato.
O analista disse à BBC Mundo que “ser encorajado a ser candidato” no atual contexto econômico foi “outra aposta muito ousada e arriscada”.
A aposta deu certo: nas primárias de agosto passado, Massa foi o segundo candidato mais votado, depois de Milei. E agora acaba de dar um resultado inesperado, sendo o mais votado nesta eleição.
Para Novaro, Massa conseguiu chegar ao segundo turno “atraindo um setor importante da população que tem medo de mudanças, porque sabe que – mesmo que esteja ruim agora – com as mudanças que estão por vir (se Milei vencer) será pior”.
Seu foco principal foi destacar a forte presença do Estado no cotidiano dos argentinos – desde a educação e saúde pública até os subsídios aos transportes –, alertando que estariam em risco com um governo não peronista e ultraliberal como o de Milei, que defende um estado mínimo.
“Peço que no domingo votem em legítima defesa e em defesa do país”, disse ele antes das primárias.
Depois daquela eleição, também lançou uma série de ajudas fiscais e promoveu uma lei que eliminou o imposto sobre o rendimento, um tributo sobre os salários que tinha sido uma das suas promessas eleitorais durante anos, mas que oponentes criticaram como um “plano de pouco dinheiro”.
“Meu governo vai ser diferente deste”, prometeu ele nos dias que antecederam estas eleições.
Segundo turno
Para o segundo turno, “sua principal estratégia será questionar Milei em duas frentes”, diz Nejamkis.
“Por um lado, os riscos que Milei representa para o sistema democrático, para tentar atrair outros eleitores da oposição que talvez não gostem do peronismo, mas são sensíveis à discussão da democracia e das instituições, que uma liderança como Milei coloca em tensão.”
“E, depois, colocar em discussão a ideia de justiça social, que está profundamente enraizada no inconsciente coletivo argentino e que Milei questiona.”
Para ele, o sucesso de Massa dependerá não tanto de sua gestão atual, mas de sua capacidade de convencer a maioria dos argentinos – especialmente os eleitores moderados de Patricia Bullrich – do risco que um governo Milei pode representar.
Fonte: BBC
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