Edson cantou ao lado de Chitãozinho na turnê ‘Amigos’ — Foto: Rogerio Von Kruger
A sexta-feira após o feriado de Tiradentes tinha tudo para ser tranquila para Edson, da dupla com Hudson. A ideia era passar o dia em um sítio trabalhando em novas composições. No entanto, uma ligação trouxe uma notícia inesperada. O cantor Xororó havia testado positivo para Covid-19 e o chamou para substituí-lo nos shows da turnê “Amigos”, marcados para sábado (23) e domingo (24) em São Paulo. O convite antecedeu uma maratona que contou com noites sem dormir, aclamação do público, e reviveu o sonho do menino que sempre quis “ser 1% Xororó”.
Em entrevista exclusiva ao g1 por telefone, Edson, que mora em Indaiatuba (SP), detalhou passo a passo do final de semana ao lado de Chitãozinho, Zezé di Camargo, Luciano e Leonardo, contou bastidores do convite e das apresentações no Allianz Parque, relembrou histórias da relação com Xororó desde muito cedo e admitiu nervosismo em assumir a missão de representar – já que ele mesmo diz que substituir é impossível – uma das maiores lendas da música sertaneja.
“Eu morri de medo do povo me vaiar. Substituir o Xororó é absolutamente impossível, mas decidi encarar essa responsabilidade de representar um mito. Não foi fácil. Eu fiquei muito nervoso no início. Meu pai sempre falava para mim e para o Hudson quando a gente era criança que a gente tinha que se espelhar nos melhores, que eram Chitãozinho e Xororó. E eu sempre sonhei ser 1% dele. Então, não tem como não ficar nervoso. Na hora da abertura, meu coração veio na boca. Fiquei com falta de ar, uma sensação de infarto quase”, disse Edson, com bom humor.
Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano e Leonardo marcaram época separados e também juntos no projeto “Amigos”, que teve início na década de 1990 com especiais da TV Globo. Os shows marcados para o último final de semana fazem parte da turnê “A história continua” e deveriam ter acontecido em 2020, mas foram interrompidos pela pandemia da Covid. Curiosamente, o mesmo motivo que fez Xororó ficar fora e recorrer à Edson para que os artistas pudessem cumprir a agenda.
A ligação para Edson no sítio dele no interior de São Paulo foi do empresário da dupla, que também é o mesmo de Chitãozinho e Xororó. Meia hora depois, veio a chamada do próprio Xororó, dizendo que só confiaria a ele a missão de o substituir no palco. Neste momento, o processo de composição ao lado de amigos durante o feriado precisou ser interrompido.
“São 36 músicas no total. Claro que a parte do Xororó, que é a que eu ia fazer, não é isso tudo, mas mesmo assim, é muita coisa. E não basta você conhecer a música e a letra. Eu conheço muito de Chitãozinho e Xororó, porque sou fã e já cantei muito, mas os tempos são outros, os arranjos são outros, é difícil. Na hora que eu soube que eu teria que fazer isso, eu simplesmente passei a noite inteira de sexta pra sábado ouvindo as músicas. Não dormi nada”, revelou.
Depois, no sábado, Edson se encaminhou para o Allianz Parque às 13h e foi abraçado por todos os outros artistas, além do próprio Xororó, que enviou um vídeo para ser exibido ao público, demonstrando apoio ao cantor. A passagem de som foi o único contato que teve com o parceiro por um dia, Chitãozinho, e os outros colegas. Entre a ansiedade nas primeiras estrofes de “Disparada”, a música de abertura, até o encerramento, foram três horas de um universo de emoções.
“Eu fui muito bem recebido pelo Chitão e pelos outros artistas. Eles me acolheram mesmo. No começo eu estava realmente muito nervoso. Meu pai dizia também que a gente não podia errar nem no começo, nem no final, porque estaria todo mundo olhando. Depois que passou o começo, eu fiquei relaxado e aí tudo fluiu. Deu tudo certo, e eu consegui cumprir o papel”, pontuou.
Aclamação histórica
Com a humildade de quem parece não enxergar o tamanho e o talento que tem, o cantor revelou ainda estar “anestesiado” com a recepção do público. Edson se manteve sempre a altura do desafio que se colocou para ele durante os dois dias de show e foi ovacionado pelo público tanto durante as apresentações, quanto depois pelas redes sociais.
“Eu queria agradecer muito o público por ter me abraçado desse jeito. Eu ainda não acredito no que está acontecendo, eu estou em êxtase por tudo o que eu vivi no último final de semana. Não dormi nada, mas é um cansaço muito gostoso de passar. Foi um momento muito especial da minha vida. A música transforma a vida das pessoas”, falou.
Jornada tripla
O desafio de integrar a turnê “Amigos” só foi tão bem sucedido porque toda uma engrenagem funcionou. Ao mesmo tempo que não podia negar a missão dada a ele por Xororó, o músico também não poderia faltar em um show que tinha com Hudson em Águas de Santa Bárbara (SP), a 285 km de onde estaria em São Paulo.
Mesmo com a tensão de andar de helicóptero à noite e conseguir cumprir o horário, Edson terminou o compromisso na capital, voou direto para o município e subiu ao palco ao lado do irmão à 1h30 de domingo. “Por isso também eu estava nervoso, por saber que tinha um show depois. Eu terminei o show com o Hudson, fui dormir às 4h de sábado para domingo, depois de uma noite inteira sem dormir, e acordei às 8h para voltar para São Paulo para o outro show do ‘Amigos’, mas deu tudo certo, valeu a pena, o Hudson me apoiou muito. Ele é incrível”, relembrou.
O incentivo do irmão para que Edson encarasse a maratona de fazer três apresentações em 24 horas foi essencial para que ele conseguisse. Apoio reconhecido inclusive pelo próprio Xororó, que fez questão de convidar Hudson para ir ao shows no domingo. Juntos, eles dividiram o palco com os amigos e ídolos, e tocaram quatro sucessos próprios: “Te quero pra mim”; “Porta retrato”; “Deixa eu te amar”, e “Azul”. O espetáculo também teve participação de Simone e Simaria.
Show Amigos no Allianz Parque, em São Paulo, no domingo — Foto: Marcos Hermes
“Eu não sou de ficar nervoso não, mas eu fiquei com a perna tremendo. O Edson ser convidado pelo Xororó já foi uma emoção. Apesar de ser triste para o Xororó, ainda bem que ele está bem, foi uma oportunidade para o Edson. E aí no dia seguinte eu pude estar junto. Eu fiquei emocionado, porque os caras são nossos professores, tudo o que nós somos aprendemos com eles”, afirmou Hudson, em áudio enviado pela assessoria.
Bastidores
A declaração de Xororó de que Edson seria o único que poderia substituí-lo não é a toa. O artista, que defende há 30 anos ao lado de Hudson uma das duplas mais respeitadas do sertanejo, é reconhecido no meio como um dos maiores cantores da história do segmento. Além disso, dentro do gênero, é quem tem o timbre mais parecido com o irmão de Chitãozinho.
Mesmo assim, os desafios de se apresentar no show “Amigos” não foram poucos. Entretanto, se engana quem achou que o clássico refrão de “Galopeira” seria a parte mais tensa. A canção já foi até gravada por Edson e Hudson no álbum “Na moda do Brasil”, de 2007, e faz parte do repertório até hoje. Segundo o músico, o momento mais difícil, além da participação como um todo e da correria para fazer o show com Hudson, foi executar, sem Xororó, o agudo de “Se Deus me ouvisse” – já que os dois possuem juntos uma comentada gravação desta canção, lançada em 2010.
“Cantar essa música sem o Xororó não foi fácil não. Porque, apesar de ter o timbre parecido com o dele, é muito difícil cantar Chitãozinho e Xororó porque o Xororó tem muita técnica. E eu tenho um estilo um pouco diferente. Eu sou mais peito, o Xororó usa mais o falsete. Então, antes dessa música, sempre que eu ia atrás do palco eu dava uma ensaiadinha no agudo. O Chitão até falou que eu estava ensaiando tanto que na hora não ia conseguir fazer”, brincou Edson.
Memórias
A substituição a Xororó descortinou um filme de memórias em Edson e Hudson. O convite fez os irmãos retornarem lá nos anos 70, quando, ainda meninos, se apresentaram em um programa de calouros e conheceram os ídolos.
“Isso foi em 1979, mais ou menos, eles já estavam estourados, e nós éramos crianças. O Hudson falou pra mim: já pensou se a gente encontra Chitãozinho e Xororó aqui, e de repente eles apareceram na nossa frente, e ainda nos parabenizaram depois pelas apresentações”, lembrou.
As lembranças do passado não param por aí. Dez anos depois, Edson e Hudson foram até um show da dupla no estádio Brinco de Ouro, em Campinas, e só tinham dinheiro para ir, entrar na apresentação e retornar para a casa em Limeira (SP). “De repente, um baixista que tocava com a gente e foi no show também, achou R$ 10 no chão. Deu pra comer um cachorro quente cada um”, comentou o cantor.
Da idolatria e do começo difícil, os irmãos conheceram o caminho do sucesso e de fãs viraram amigos. A partir daí, a relação ganhou outro patamar. A ponto de Chitãozinho ter sido essencial em um dos momentos mais complicados para eles. “Quando o Hudson estavam internado [o cantor ficou um período em uma clínica para tratar dependência química] eu não sabia o que fazer com a segunda voz em uma gravação que a gente ia fazer. E o Chitão me deu a ideia, me disse para montar um estúdio, ir até a clínica, e gravar a segunda voz do meu irmão lá na clínica mesmo”, explicou.
Por isso, o que aconteceu no último final de semana é uma catarse muito maior do que as pessoas podem imaginar e ultrapassou os limites de uma simples substituição. “Foi muito importante também para a dupla Edson e Hudson, a gente conseguiu mostrar que estamos mais vivos do que nunca”, completou.