- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
Às vésperas das eleições municipais de 2016, um empresário e apresentador de TV surgiu na cena política brasileira disputando a prefeitura da maior cidade do país. Em uma entrevista de rádio concedida naquela segunda-feira, 19 de setembro de 2016, João Doria (PSDB) repetia a frase que seria sua principal marca até então. “Não sou político, sou um administrador, sou empresário, sou gestor”, disse o então candidato.
Doria surpreendeu e venceu a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Dois anos depois, abandonou o comando da capital paulista, disputou o governo de São Paulo e foi eleito. Em novembro de 2021, venceu de forma turbulenta o ex-governador do Rio Grande do Sul nas prévias do PSDB para a escolha do candidato do partido à Presidência da República.
A trajetória sofreu um baque na segunda-feira (23/5). Abatido, Doria anunciou sua desistência à pré-candidatura presidencial. Apesar de ter vencido as prévias, ele não conseguiu avançar nas pesquisas de intenção de voto, que lhe davam entre 2% e 5% do eleitorado, e viu uma ala significativa do seu partido trabalhar contra sua candidatura.
Mas como o homem que se vangloriava da sua veia empreendedora foi aparentemente derrotado no momento em que alçava seu voo mais alto?
Para o professor e pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV, Mário Aquino Alves, uma das razões para a momentânea derrocada de Doria foi, justamente, a sua tentativa de “importar” métodos do mundo corporativo para o universo político.
“Ele tentou ser uma espécie de Steve Jobs e Elon Musk na política. Ele se apropriou da simbologia do mundo corporativo e tentou usar isso na política. O problema é que a política tem o seu próprio tempo e ele, ao que parece, não entendeu isso”, disse Alves em referência a um dos fundadores da Apple e ao CEO da Tesla e da SpaceX.
Alves explica que as lógicas do mundo corporativo e do mundo político são diferentes porque atendem a ritmos distintos.
“No universo corporativo, existe uma pressão muito grande por resultados imediatos. Isso faz com que os gestores adotem um comportamento focado no sucesso imediato. Não há preocupação em forjar alianças duradouras. No universo político, é diferente. Se você não consegue fazer alianças duradouras, com base em confiança, você corre o risco de ficar isolado”, explica o professor.
Segundo o pesquisador, a lógica corporativa guiou, em certa medida, os movimentos políticos de Doria desde que assumiu a prefeitura de São Paulo, em 2016.
“Ele chegou nas eleições pelas mãos do ex-governador Geraldo Alckmin. Logo depois, ele foi atuando de forma a diminuir a influência de Alckmin no PSDB. Em 2018, ele aderiu à campanha de Jair Bolsonaro, o que incomodou seu padrinho político. Em 2019, ele já começou a dar sinais de que disputaria a Presidência, o que gerou atritos com Bolsonaro”, analisa Alves.
As indisposições de Doria com Alckmin e Bolsonaro ficaram visíveis nos últimos anos. Diante do avanço de Doria sobre a cúpula do PSDB, Alckmin acabou deixando o partido e se filiando ao PSB.
Hoje, ele é o nome indicado pelo partido para vice na provável chapa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as principais pesquisas de intenção de voto, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro.
Com Bolsonaro, o clima ficou ainda mais pesado. Em março de 2020, no início da pandemia de covid-19, Doria e o presidente chegaram a bater boca durante uma reunião virtual sobre as medidas sanitárias a serem adotadas no país.
Mais recentemente, Doria também acumulou desentendimentos com outras lideranças do PSDB.
Mesmo vencendo as prévias do PSDB, em 2021, ele não conseguiu o apoio do comando da sigla em torno da sua pré-candidatura.
“Serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida. Sou um homem que respeita o consenso, o diálogo, o equilíbrio”, disse Doria.
De acordo com o pesquisador da FGV, Doria também tentou implementar a lógica do mundo corporativo na gestão pública e, ao contrário do que o senso comum apontaria, isso não seria necessariamente bom.
“Doria trouxe para gestão pública a linguagem do espetáculo. Os lançamentos sobre a vacina Coronavac, por exemplo, atendiam a essa lógica. As pessoas acham que a arena política é a única dada movimentos espetaculares, mas no mundo corporativo isso é fundamental”, avalia o pesquisador.
Recuo da antipolítica
Apesar de atribuir parte do revés de Doria à sua forma de atuar, Mário Aquino Alves avalia que há outros fatores que ajudam a explicar o que levou Doria a se ver obrigado a desistir da corrida presidencial: o recuo da onda da antipolítica.
Segundo o pesquisador, esse recuo estaria por trás, também, da desistência do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
“Moro e Doria têm trajetórias diferentes, mas os dois se apresentavam como representantes dessa antipolítica, como outsiders, políticos não-tradicionais”, diz o pesquisador.
Na avaliação do professor, as pesquisas de intenção de voto apontam que há uma tendência de “arrefecimento” da antipolítica.
“A partir de 2015, a gente viu uma enorme onda antipolítica varrer o Brasil. Doria se elegeu como outsider e surfou nessa onda. Ela culminou com a eleição de Bolsonaro, em 2018. Agora, a gente vê que as candidaturas com esse perfil não estão tendo tanto apelo. Há um arrefecimento da antipolítica”, afirmou.
Para o pesquisador, as eleições deste ano vão indicar qual o grau de satisfação da população com a onda de “candidatos gestores” que ingressou na vida política brasileira.
“A população pode analisar a experiência dos candidatos gestores e dizer: ‘Olha, nós testamos e não gostamos. Em vez de projetos espetaculosos, a gente quer algo mais de longo prazo, mais estabilidade’. De qualquer forma, essa resposta vai ser dada em breve nas eleições”, disse o pesquisador.
Mário Alves Aquino adota cautela, porém, ao falar sobre o futuro político de Doria. Ele afirma que não é possível dizer, agora, que a trajetória política do ex-governador paulista acabou.
“Não dá pra decretar o fim da vida política de Doria. Agora, ele vai demorar algum tempo para se reposicionar politicamente. Ele pode, ainda, tentar algum cargo legislativo neste ano. O mais importante é que a política lhe deu uma lição, mas ainda vai levar um tempo pra sabermos se ele a assimilou ou não”, disse o pesquisador.
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