Crédito, Domínio Público

  • Author, Edison Veiga
  • Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

Na leitura clássica, ela foi a primeira pecadora, a grande desobediente. Tentada pela serpente no Jardim do Éden, ousou comer o fruto proibido. Não só isso: ainda ofereceu o mesmo a Adão.

Era o fim da inocência e ambos foram expulsos do paraíso.

É mais ou menos esse o ponto central da trama relatada no livro do Gênesis, o primeiro da Bíblia cristã — Bereshit, na Torá judaica.

Some-se a essa narrativa fundamental para as culturas judaico-cristãs os milênios de patriarcalismo e tem-se em Eva a personificação do pecado: a mulher se tornou causa da queda do homem, motivo do fim da pureza e da inocência e a materialização da desobediência a Deus.

Mas diversos estudos contemporâneos estão buscando reinterpretar o mítico relato da criação do mundo para limpar a barra de Eva.

Essa ressignificação do papel daquela que simboliza a primeira mulher da história é parte da argumentação de muitas teólogas feministas, além de tradutores de textos sagrados e acadêmicos contemporâneos.

“Hoje, na teologia, se ressignifica Eva. Não tanto no sentido de quem desafiou o Deus patriarcal, mas como aquela que é a mãe da vida”, esclarece à BBC News Brasil a teóloga Maria Clara Bingemer, professora na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio).

“Faz-se analogia dela com a terra, da qual brotam todas as formas de vida.”

Autora de, entre outros livros, Vida religiosa: da teologia patriarcal à teologia feminista e As incômodas filhas de Eva na Igreja da América Latina, a filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara, freira agostiniana, ressalta que “todos os relatos que surgiram” na antiguidade para explicar “de onde viemos” e “quem nos fez” podem “ser considerados míticos, inclusive a narrativa do Gênesis”.

“Nessa narrativa da criação dos seres humanos, as interpretações foram as mais variadas”, pontua ela à BBC News Brasil.

“Desde a consideração de Eva como fraca e suscetível de ser tentada até a Eva como força de transgressão às ordens divinas, visto que tomou do fruto proibido.”

“Trazer à luz o verdadeiro rosto de Eva e de tantas outras personagens femininas é um grande contributo para a literatura em geral e para a teologia bíblica em particular”, diz à BBC News Brasil a teóloga, filósofa e tradutora Elizangela Chaves Dias, religiosa scalabriniana e professora na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma.

Dias é membro da equipe de tradutores da Bíblia da editora Paulinas. É a autora tanto da tradução quanto dos comentários do texto do Gênesis, do hebraico para o português do Brasil.

Na dissertação de mestrado “Feminismo do Sagrado”, apresentada em 1995 à Universidade Federal do Rio de Janeiro, a socióloga e antropóloga Fabiola Rohden situa Eva no mesmo patamar de Maria — a mãe de Jesus — como tema “de fundamental importância para a teologia feminista”.

Rohden ressalta que essa importância se dá pelo fato de Eva “ser responsabilizada pelo ‘pecado original’, carga que passa a pesar sobre todas as mulheres”.

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Legenda da foto, Adão e Eva, em obra de 1507 do pintor alemão Albrecht Dürer

Para ela, contudo, a interpretação do “mito adâmico” parece “um assunto difícil de ser revisto”.

A pesquisadora cita a necessidade de uma teologia, como a defendida por Gebara, que se proponha ir a fundo “nas raízes do cristianismo para identificar a ‘inferioridade sociológica’ vivida pelas mulheres até hoje”.

A ativista e pensadora britânica Harriet Law (1831-1897) teve papel importante nessa polêmica. Em evento ocorrido em 1869 em Newcastle ela classificou Eva como um símbolo de ativismo feminino contra sistemas patriarcais opressivos.

Para ela, em vez de “almadiçoar” a personagem bíblica pela queda do paraíso, era melhor lhe prestar “reverência” porque ela trouxe “conhecimento ao mundo, contra a vontade de um Deus autoritário”.

Essa postura irreverente para a época colocou Eva, de certa forma, como a primeira feminista da história. E isso fez com que a personagem bíblica passasse a ser valorizada por muitas mulheres ao redor do mundo.

Considerada profetisa, a religiosa britânica Joanna Southcott (1750-1814) atribuía a Eva um papel redentor. Segundo seu entendimento, como a primeira mulher havia dado o conhecimento ao homem, causando a queda do paraíso, ela agora tinha a responsabilidade de derrotar Satanás e libertar a humanidade.

Em sua interpretação, Eva traiu Adão porque foi, anteriormente, traída por mentiras. Nesse sentido, a serpente — prosopopeia do diabo — seria a origem de todo o mal.

Eva e a ‘fragilidade humana’

Em seu mestrado, Rohden debruçou-se sobre textos de Gebara em que a freira avalia que, ao longo do tempo, acabou sendo construída uma ligação, por oposição, entre Eva e Maria enquanto “dois símbolos de feminilidade”.

“Enquanto em geral coloca-se Eva como símbolo da mulher pecadora e Maria como símbolo da mulher santa, Gebara propõe uma nova leitura que desloca essas duas valorações”, afirma Rohden, completando que “vemos em Eva um resgate do ‘poder feminino'”.

Ela ressalta que a interpretação cristalizada, contudo, foi a de Eva como “a parte que representa a fragilidade humana, a falta de resistência ao mal […], a expressão do poder incontrolável, misterioso, desconhecido que o ser humano possui, mas que o atormenta”.

“Eva deixa de ser o ‘princípio feminino’ para tornar-se símbolo da mulher”, analisa a acadêmica.

“A fragilidade e o mistério associados ao mito Eva são transferidos a todas as mulheres da história. […] Toda mulher torna-se Eva, a responsável pela corrupção da humanidade, pela fraqueza da carne, volúpia, sensualidade, tentação, pecado.”

À reportagem, Gebara faz um panorama histórico, lembrando que dependendo da época “e das lideranças religiosas” a interpretação mudou.

“Sem dúvida, nos primeiros séculos do cristianismo a figura de Eva foi tomada como existente de fato e não como um mito”, contextualiza.

“Acreditavam que ela era transgressora e por isso se destilava desconfiança das mulheres. Isto é patente nos padres da Igreja e, em especial, em Santo Agostinho.”

A teóloga conta que, durante a Idade Média, em especial a partir do pensamento de Tomás de Aquino, continuou-se “com essa desconfiança das mulheres”, vistas como “porta de entrada do pecado no mundo”.

“E, até hoje no cristianismo, a primeira representação de Deus é sempre masculina”, ressalta.

Bingemer lembra que essa narrativa de uma “sedutora que induz o homem, seu companheiro, e junto com ele toda a humanidade ao pecado” não é da Bíblia, mas sim da leitura posterior.

“E como o pecado é o caminho para a morte, então a mulher estaria aliada à morte”, completa.

“A Bíblia diz exatamente o contrário”, afirma ela. “Eva, através de seu próprio nome, ‘mãe dos viventes’, é aquela cujo nome não é substantivo, mas verbo: viver. O próprio nome Eva significa ‘a que vive’, ‘a vivente’, ‘a que tem vida’ ou ‘cheia de vida’.”

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Legenda da foto, Diversos estudos contemporâneos estão buscando reinterpretar o mítico relato da criação do mundo para mudar a imagem de Eva

Interpretações

“A partir do século 20, muitas mudanças ocorreram. Começamos a estudar mais seriamente os mitos como expressões que tentam explicar os muitos enigmas humanos e valorizar essas construções de sentido sem dar-lhes uma personificação histórica”, acrescenta Gebara.

“Isto é: Adão não foi um personagem histórico, nem Eva, mas construções simbólicas, míticas, para expressar nossas perguntas sobre nós.”

Ela situa aí o surgimento da hermenêutica bíblica, definindo como “a arte das interpretações de maneira mais científica”. Professor de Gebara na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, o filósofo francês Paulo Ricoeur (1913-2005) teve um papel importante nesse movimento.

“A partir dele, se pode dizer que cada ser é Adão e Eva e cada ser é também a serpente tentadora, o convite à liberdade e à transgressão que está lá”, explica a freira.

“Isto significa que somos essa mistura de força e fragilidade, de medo, astúcia, condenação, busca contínua para compreender a nós mesmos. O mito que fala de outros na realidade fala de nós, nos descreve, nos expressa.”

Historicamente, no seio das religiões, não foi o que acabou acontecendo. Segundo ela, “infelizmente” o que se instalou foi “uma estrutura dualista” que faz com que separemos “o homem da mulher, o bem do mal, a justiça da injustiça, em modelo de oposição, como se um lado não coexistisse com o outro”.

“Hoje há uma ressignificação de Adão e Eva a partir dessa ideia de mistura que nos constitui. Dessa forma, a libertação das mulheres toca os homens e dos homens as mulheres, porque somos os dois gêneros uma só carne diversificada também em outras expressões de gêneros que se manifestam”, reflete.

“O ser humano é, portanto, plural em suas formas de agir, de se expressar, de se compreender. É também interdependente em todos os aspectos de sua vida”, argumenta Gebara.

Ela defende que a humanidade supere os dualismos em busca de “uma compreensão mais unitária de nós mesmos para além das rebeldias, dos heroísmos”.

“É muito raso nos dias de hoje ficar no tipo de reflexão em que se distingue Eva como heroína e Adão como fraco e vice-versa. Essa interpretação tem perdido força para muitos grupos, inclusive feministas”, adverte. “Temos que ir mais longe.”

Pesquisadora na Universidade de Machester, a teóloga Holly Morse explica, em artigo publicado no livro The Bible and Feminism, que um dos grandes desafios das teólogas feministas contemporâneas é “remover os entulhos das interpretações do patriarcalismo tradicional para conseguir chegar ao significado real”.

Morse defende que Eva carrega um profundo sentido de “autorreflexão e autoliberação”, a partir do ponto de vista feminino.

Patriarcado religioso

A demonização histórica de Eva tem suas raízes nas camadas de pensamento da sociedade patriarcal, muito associada às bases do cristianismo no decorrer dos séculos.

A teóloga Chaves Dias faz a ressalva de que “toda afirmação radical e com tons de acusações são muito perigosas” e diz evitar “levantar bandeiras referentes a patriarcalismos e matriarcalismos”.

Mas situa nessa história sobre o mito de Eva um importante pensador cristão do século 3º: Tertuliano.

Eu seu texto “De cultu feminarum”, ele apresentou Eva como “a porta do demônio”, acusando-a de ter comido “da árvore proibida” e de ter sido “a primeira a desobedecer à lei divina”, tendo convencido Adão “porque o demônio não teve coragem suficiente para atacá-lo”.

Tertuliano ainda disse que Eva “destruiu a imagem de Deus, o homem” e por causa dela “o Filho de Deus teve de morrer” — aqui a analogia seria pelo entendimento de que Jesus foi crucificado para redimir os pecados da humanidade.

“Interpretações como essa cristalizaram um modelo negativo referente à identidade feminina na sociedade e na família, da qual ainda hoje é difícil de nos libertarmos”, pontua a teóloga e tradutora.

Tradução também é culpada

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Legenda da foto, ‘Hoje, na teologia, se ressignifica Eva. Não tanto no sentido de quem desafiou o Deus patriarcal, mas como aquela que é a mãe da vida’, diz teóloga

Chaves Dias lembra que os métodos e recursos hermenêuticos “são frutos de uma época e dos instrumentos que têm à sua disposição”.

“A exegese é também resultado de uma sensibilidade”, argumenta ela, sobre a interpretação crítica de um texto religioso. “Por séculos o estudo acadêmico foi uma prerrogativa masculina, e mais ainda o estudo teológico e bíblico.”

Com as traduções isso não foi diferente. Se hoje mulheres como a própria Chaves Dias também contribuem para traduzir textos sagrados, isso jamais ocorria em séculos anteriores.

“A tradução e a interpretação do texto bíblico chegou aos ouvidos e aos olhos dos ouvintes e leitores por meio de sermões, traduções, catequeses e publicações de abordagem masculina, pessoas com autoridades, grandes oradores, mestres espirituais, pregadores, artistas e outros”, contextualiza.

Ao longo da história, contudo, pesquisadores começaram a perceber que as interpretações de Gênesis “se distanciaram notoriamente daquilo que o texto original diz”, salienta ela, referindo-se ao texto hebraico.

“Tal feito gerou no imaginário da sociedade uma série de prejuízos e preconceitos referentes ao feminino, levando a projetar a mulher como imagem da tentadora ou da sedutora, inferior ao homem, responsável pela entrada do pecado no mundo”, acrescenta Chaves Dias.

Ela ressalta que o texto bíblico “é fruto de encontros e desencontros culturais”.

“Entre a tradição oral e a fixação por escrito e suas posteriores redações e edições transcorreram séculos e até milênios de histórias. O texto reflete a experiência da comunidade em um determinado momento, visa a interpretar ou dar significado a uma determinada etapa da vida ou responder a questões fundamentais e existenciais”, diz.

Na sua avaliação, “reconstruir a história da composição do texto” é tarefa ao mesmo tempo “exigente e especulativa”.

“Certamente o texto bíblico não é uma catedral no deserto. Recentes descobertas arqueológicas, estudos intertextuais e de história comparada evidenciam o quanto a literatura do antigo Oriente Próximo influenciou a redação dos textos bíblicos”, ressalta a tradutora.

Exemplos mais conhecidos são a Epopeia de Atrahasis, da mitologia Suméria — com narrativas da criação do mundo e do dilúvio — e a Epopeia de Gilgamesh, babilônica.

Chaves Dias observa que o próprio Gênesis traz dois relatos da criação do mundo, um no capítulo primeiro, outro no segundo — este, provavelmente mais antigo na tradição oral.

Em Gênesis 1, “o ser humano é a última obra criada por Deus” e “em momento algum o texto faz referência à primazia ou à superioridade do homem ou à fragilidade da mulher”, pontua. “Muito pelo contrário.”

O trecho diz que “Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança, macho e fêmea os criou”.

“Adão não é nem homem nem mulher, mas o ser humano na sua totalidade”, argumenta a teóloga e tradutora.

“Macho e fêmea são imagem e semelhança de Deus, e o redator bíblico repete duas vezes essa afirmação para enfatizar o conceito.”

De acordo com ela, isso evidencia a chamada “teologia da paridade” que iguala homem e mulher como aqueles que recebem a mesma missão de Deus.

Não é necessariamente uma visão nova. No fim da Idade Média, a filósofa e poeta italiana Cristina de Pisano (1363-1430) refletiu que a bondade da criação de Deus não poderia excluir as mulheres.

Ela usou o mito de Eva para defender a ideia de que a “perfeição” feminina não poderia ser menos perfeita que a masculina. Por fim, teologicamente, argumentou que caluniar contra as mulheres era equivalente a blasfemar.

A teóloga Chaves Dias ainda lembra que a perspectiva antropológica permite situar a narrativa da criação do mundo naquele contexto de antigo Oriente, em que apenas os reis eram vistos como “imagem de Deus”, enquanto os demais seres humanos se limitavam a servir.

Nesse sentido, a narrativa traz a visão revolucionária, colocando todos os seres humanos como “imagem de Deus”. “Podemos imaginar a força dessa afirmação no contexto exílico, quando Israel se encontrava sob dominação babilônica”, lembra Chaves Dias.

Já o relato que é trazido no segundo capítulo do Gênesis coloca Adão como o primeiro ser humano criado. Aí fica clara a etimologia do nome Adão, “aquele que é tirado da terra”.

Segundo explica a tradutora, ele “corresponde ao ser humano na sua totalidade”.

“Tendo verificado a solidão do ser humano, Deus decide fazer um ser que lhe corresponda. Tendo feito o ser humano se adormentar, Deus tira um dos lados, do hebraico ‘tsela’, e faz a mulher”, esclarece ela.

Aqui há uma curiosidade notada pela especialista: na maioria das traduções existentes da Bíblia, somente no capítulo segundo do Gênesis o vocábulo hebraico “tsela” é escrito como “costela”.

“Essa tradução, ao longo dos séculos, se tornou a base da interpretação da inferioridade da mulher em relação ao homem”, explica.

Ela propõe uma tradução literária assim para o trecho: “Tomou, pois, um de seus lados e, em seu lugar, fechou com carne. Depois o Senhor construiu, com a parte que tirara do ser humano, uma mulher, e a levou ao homem”.

Essa ideia de paridade estava presente na interpretação feita por Pisano mais de 500 anos atrás. Segundo Morse, a filósofa italiana entendia que “Eva foi feita como seu semelhante”, considerando Adão.

A teóloga Morse ressalta que a interpretação da italiana, dado o período medieval, era sofisticada: ela entendia que a mulher também tinha sido feita à imagem de Deus.

“Segundo o texto hebraico, a mulher é um auxílio para o homem, não uma auxiliar. O texto hebraico usa um substantivo, não um verbo no infinitivo”, pontua.

“O significado do vocábulo auxílio, em hebraico ‘ezer’, é muito interessante. Ele é comumente um atributo divino, Deus é o auxílio do ser humano, sem o qual seria impossível existir e viver: essa é a função da mulher, ela é um auxílio para o homem, sem o qual seria impossível viver.”

A tradutora atenta ainda para outro trecho, o que diz que a mulher foi criada para “que lhe corresponda”.

Em hebraico, o termo é “kenegdo”, que significa “oposto, a contraparte, de frente ou contra, ao lado”. “Ou seja, alguém que lhe esteja de frente, à altura”, salienta.

“Deus cria a mulher como auxílio ao ser humano, que é homem e mulher, sublinhando a reciprocidade, a paridade, a alteridade com quem se pode interagir”, resume.

“Em momento algum o texto hebraico permite afirmar a superioridade do homem à mulher, ou a inferioridade e submissão da mulher em relação ao homem.”

“Independentemente do gênero de quem redigiu o relato, homem e mulher ocupam o mesmo espaço no universo. Ambos correspondem a lados do ser humano moldado por Deus”, conclui.

No progressista entendimento da filósofa Cristina de Pisano, a ideia da prioridade de que Deus fez primeiro Adão e depois Eva é substituída pela noção de que a força criadora foi aprimorada, ou seja, fez a mulher depois da experiência de já ter feito o homem.

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Visões contemporâneas

Em seu artigo, Morse ressalta que ao longo das últimas décadas começou a ficar mais evidente a ideia de que Eva não foi a única culpada pela queda do Paraíso, mas sim a única incriminada por isso.

Chaves Dias comenta que “soa estranho que, para defender Eva, seja necessário acusar Deus de patriarcal, ou que para libertar Eva das acusações passadas seja necessário culpar Deus por hermenêuticas misóginas”.

Mas ela reconhece que os diferentes métodos e abordagens contemporâneos, que buscam ressignificar a figura de Eva, “ajudam a escavar as diversas camadas hermenêuticas que, ao longo do tempo, encobriram essa personagem arquétipo da literatura bíblica”.

“A Bíblia é um livro aberto. É legítima que este e outros textos continuem a interrogar seus leitores e leituras sobre o sentido da vida e da existência, sobre o papel do homem e da mulher em relação consigo mesmo, com Deus, com o outro e com o universo”, afirma.

“Eva é um personagem arquétipo de muitas facetas e diversos significados a serem explorados. É pertinente que continue a provocar e inspirar homens e mulheres a lidar com questões fundamentais e existenciais.”

Para Morse, a “identificação com Eva”, enquanto “vítima do sistema patriarcal” parece fundamentar o ânimo de muitas mulheres em protesto “contra o ambiente social, político e cultural dominado pelos homens milhares de anos após o Gênesis ter sido escrito”.

Nesse sentido, ela entende Eva como “figura poderosa na interpretação bíblica das mulheres”, em busca “da igualdade e da emancipação”.

Eva foi, portanto, vítima do sistema patriarcal. Ao menos no entendimento dessas leituras contemporâneas.