- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O Brasil encerra o ano de 2022 com alguns recordes acumulados em termos de endividados e inadimplentes – e ao que tudo indica, a situação pode persistir em 2023.
Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a parcela de famílias com dívidas, em atraso ou não, ficou em 78,9% em novembro deste ano. A taxa é inferior aos 79,2% de outubro, mas superior aos 75,6% de novembro de 2021.
O levantamento apontou ainda que as famílias inadimplentes, ou seja, com dívidas em atraso, somavam 30,3% em novembro deste ano. O patamar é o mesmo do mês anterior, que já era o maior da série iniciada em 2010.
Entre os inadimplentes, saltou de 10,6% para 10,9% os que informaram não ter condição de quitar seus débitos.
Há ainda entre os endividados aquelas famílias que solicitaram o empréstimo consignado destinado a beneficiários do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda concedido pelo governo federal.
Segundo o Ministério da Cidadania, uma em cada seis famílias beneficiárias pediu o empréstimo até 1º de novembro – foram mais de 3,4 milhões de concessões no total. A informação foi obtida pelo G1 via Lei de Acesso à Informação.
No empréstimo consignado, as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamentos.
Mas de acordo com o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o momento não é propício para contrair dívidas. “O juro está alto e subindo neste momento, ou seja, o momento não é ideal”, diz.
Além das taxas de juros elevadas, a alta na inflação e a taxa de câmbio também tornam o momento mais difícil, explica o especialista.
“Vejo pouco espaço para a redução da inadimplência, pelo menos até o final do primeiro semestre de 2023”, prevê Rabi.
“A taxa de juros e a inflação podem passar por uma melhora no segundo semestre, mas até lá as expectativas não são boas.”
Para aqueles que estão endividados ou com parcelas de empréstimos em atraso, a BBC News Brasil reuniu alguns dos principais indicadores que valem a pena ser observados e as previsões para o ano que se inicia.
Inflação
Segundo Luiz Rabi, o cenário de inadimplência no Brasil pode ser explicado principalmente pelo aumento da inflação – indicador que tende a melhorar até o final de 2023, mas que pode permanecer alto nos primeiros meses do ano.
Em março de 2022, o país registrou uma inflação de 1,62%, a maior para este mês desde o lançamento do Plano Real, em 1994.
A expectativa do mercado é que o IPCA feche o ano em 5,79%, segundo o Boletim Focus divulgado em 12 de dezembro.
Já para 2023, os economistas ouvidos pelo Banco Central no relatório estimaram que o índice de inflação terminará o ano em 5,08%.
E a alta dos preços afeta diretamente o poder de compra, levando muitas famílias brasileiras a acumular dívidas ou deixar contas em atraso.
Segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e divulgado no final de novembro, o setor credor que concentra a maior parte das dívidas no país é o de bancos, com 61,34% do total. Na sequência aparecem o comércio (12,67%), o setor de comunicação (12,67%) e água e luz, com 10,89% do total de dívidas.
Taxa Selic
Com a inflação subindo, o Banco Central teve também que aumentar a taxa de juros para combater a escalada de preços. “Essa é a segunda variável que impacta a inadimplência”, diz o economista da Serasa Experian.
O processo de aumento da Selic – que representa o índice de juros básicos da economia brasileira – foi iniciado em março de 2021. Desde então, a taxa saiu de 2% ao ano para 13,75%.
E em um cenário de inflação global alta e incertezas políticas como é o atual, a perspectiva é de que os juros não caiam tão cedo. “Se a inflação se estabilizar até o segundo semestre, pode ser que a taxa de juros também seja ajustada”, diz Rabi.
Segundo o mais recente Boletim Focus, a previsão para a Selic no final de 2023 é de 11,75%.
Cartão de crédito rotativo
As taxas para aqueles que parcelam compras no crédito também não dão sinais de desaceleração.
A taxa de juros do cartão de crédito rotativo variou de 390,7% ao ano em setembro para 399,5% em outubro, segundo os dados do Boletim de Estatísticas Monetárias e de Crédito, divulgados pelo Banco Central.
Este é o maior valor desde agosto de 2017, quando ficou em 428%.
O rotativo é a linha de crédito pré-aprovada no cartão e inclui também saques feitos na função crédito do meio de pagamento.
Sem a perspectiva de uma diminuição expressiva da Selic em 2023, economistas também não veem grandes chances de queda nessa taxa.
E segundo a Serasa Experian, o cartão de crédito segue sendo o principal motor das dívidas entre os inadimplentes.
“Em linha com o ano anterior, as dívidas de cartão de crédito impactam 53% dos brasileiros endividados”, destacou uma pesquisa da instituição divulgada em outubro deste ano.
Taxa de câmbio
Segundo Luiz Rabi, a cotação do dólar também impacta de maneira indireta nas taxas de endividamento e inadimplência.
“A taxa de câmbio influencia a inflação, que afeta o poder de consumo da população e a taxa de juros”, diz.
A previsão do mercado é que o dólar feche 2022 no valor de R$ 5,25, uma expectativa que se mantém também para o final de 2023.
Emprego
Quando se trata de emprego no Brasil, as previsões são de estabilização nas taxas positivas dos últimos meses.
O desemprego no terceiro trimestre deste ano registrou a menor taxa desde 2014. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação no país foi de 8,3% no trimestre encerrado no mês passado.
Essa taxa representa uma queda de 0,8 ponto percentual em relação ao trimestre anterior (maio a julho). Na comparação com o mesmo trimestre de 2021, a queda foi de 3,8 pontos percentuais.
Já a população desocupada foi de 9 milhões de pessoas, o que representa um recuo de 8,7% em comparação com o trimestre encerrado no mês de julho. É o menor nível desde julho de 2015.
Entre os desalentados, que são pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por achar que não encontrariam, o número chega a 4,2 milhões de pessoas.
O desempenho reflete o aquecimento da economia no primeiro semestre de 2022, no pós-pandemia, mas segundo especialistas deve perder ritmo entre o final deste ano e o início de 2023.
Você precisa fazer login para comentar.