- Thais Carrança
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Nas redes sociais, muitos eleitores — principalmente bolsonaristas — têm lembrado de casos das eleições de 2018 em que as pesquisas eleitorais não coincidiram com o resultado das urnas.
Os exemplos mais citados são os de Dilma Rousseff e Eduardo Suplicy, candidatos pelo PT ao Senado em Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. E Romeu Zema (Novo) e Wilson Witzel (PSC), que disputaram e venceram as corridas pelo governo de Minas e Rio de Janeiro.
A ex-presidente e o ex-senador petistas lideraram as pesquisas Datafolha e Ibope para o Senado em seus Estados durante toda a corrida eleitoral em 2018, mas Dilma acabou em quarto lugar em Minas Gerais e Suplicy em terceiro em São Paulo. Com duas vagas para cada Estado a serem preenchidas naquele ano para o Senado, ambos ficaram sem assento no parlamento.
Zema e Witzel, por sua vez, apareciam ambos no terceiro lugar das pesquisas divulgadas na véspera do primeiro turno e acabaram em primeiro lugar nas pesquisas boca de urna e nos resultados das eleições apurados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Essas discrepâncias entre pesquisas e resultados nas urnas têm sido citadas pelos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) como argumento para justificar a possibilidade de reeleição do presidente, que se mantém até o momento em segundo lugar nas pesquisas, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mas por que algumas pesquisas para senadores e governadores não refletiram os resultados das urnas em 2018? E é provável que movimento semelhante aconteça na corrida presidencial de 2022? Perguntamos a especialistas e explicamos aqui.
Por que pesquisas para senador e governador às vezes não captam resultado das urnas
“Em primeiro lugar, as pesquisas eleitorais têm como função retratar o momento em que elas foram coletadas. Ela não têm como função fazer prognósticos do que vai ocorrer nas eleições”, explica o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan (EUA).
“Como elas retratam o momento em que foram coletadas, se existe uma mudança nas preferências do eleitorado entre o momento da coleta e a eleição, as pesquisas não conseguem captar esse tipo de movimentação”, acrescenta o especialista.
Para além dessa questão, que diz respeito à natureza das pesquisas eleitorais de forma geral, há uma particularidade das disputas para governo e Senado: muita gente deixa para decidir o voto para esses postos na véspera ou no próprio dia da eleição, pois esses são cargos sobre os quais as pessoas acabam se informando menos ao longo da campanha.
“Para governador, em geral, o índice de indecisos na reta final é maior do que para presidente. Como esses indecisos vão ter que se decidir, ainda que seja na última hora, se essa escolha cria um movimento acelerado em direção a um candidato ou outro, pode haver uma distância entre o resultado da eleição e o que foi indicado pelas pesquisas”, diz Emerson Cervi, professor do Departamento de Ciência Política da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Os dados das últimas pesquisas Ipec e Genial/Quaest ilustram bem esse quadro.
Nas pesquisas Ipec divulgadas nessa última semana antes das eleições, 83% dos eleitores dizem que sua decisão de voto para presidente é definitiva, comparado a 58% que dizem o mesmo para o governo de São Paulo, 59% para o governo do Rio e 69% para o governo de Minas.
Nas pesquisas Genial/Quaest, 79% afirmam que seu voto para presidente é definitivo, ante 51% que dizem isso para sua escolha ao governo de São Paulo, 50% para governo do Rio e 57% para Minas. A margem de erro de ambas as pesquisas é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Para senador, a decisão de voto é tomada ainda mais no último momento, diz o professor da UFPR.
“O último cargo que o eleitor vai pensar é no senador”, observa Cervi.
“Ele decide antes para deputado, que é alguém que está mais próximo dele, às vezes o eleitor até conhece o candidato ou já teve alguma relação com alguém próximo àquele candidato. Já o senador não tem capacidade de estabelecer políticas públicas como um governador e não está próximo como um deputado, por conta disso, o senador é o último voto”, acrescenta o cientista político.
Em São Paulo, por exemplo, na pesquisa Ipec espontânea (quando o pesquisador não apresenta uma lista de candidatos ao entrevistado), apenas 14% não souberam ou não responderam sobre seu voto para presidente nesta última semana antes da eleição, ante 46% para governador e 62% para senador.
O que aconteceu em 2018
Para além dessas questões que dizem respeito a qualquer eleição, o pleito de 2018 teve características específicas que também contribuíram para os resultados inesperados.
“2018 foi uma eleição muito atípica, em que movimentos de mudança acelerada se deram na última semana, o que não é comum. Então 2018 foi muito incomum e nada indica que teremos uma repetição disso agora na mesma intensidade”, diz Cervi, da UFPR.
Segundo o cientista político, esse movimento atípico foi impulsionado por uma onda “antipolítica”, de repúdio aos políticos tradicionais, que acabou beneficiando candidatos novatos e percebidos como outsiders.
“Quem costuma concorrer a senador? Ex-governadores, deputados de longa data, senadores, ex-ministros, ex-secretários de Estados. Esses caras tiveram que enfrentar a onda da nova política para duas vagas, o que fez que houvesse ainda mais insegurança na predição de resultados de 2018”, explica Cervi.
Além disso, explica o professor, quando a eleição para o Senado é para duas vagas, a opção de eleitores pelo voto estratégico às vezes sai pela culatra.
“Foi o que aconteceu aqui no Paraná, Requião [MDB] era candidato à reeleição e acabou ficando em terceiro porque muitos eleitores queriam evitar a eleição de Beto Richa [PSDB] em segundo. Os dois acabaram perdendo votos e entraram dois novos”, exemplifica Cervi.
Em São Paulo, parte da esquerda votou em Mara Gabrilli (PSDB) na tentativa de evitar a eleição de Major Olímpio (PSL) na segunda vaga ao Senado e, com votos da direita e da esquerda, Gabrilli acabou eleita ao lado de Olímpio, enquanto Suplicy ficou de fora.
“Nesse ano, há apenas uma vaga para o Senado e não tem mais a onda da antipolítica, então é provável que o grau de previsibilidade das eleições para o Senado seja maior”, acredita Cervi.
A onda de “antipolítica” também foi determinante no sucesso de Zema e Witzel, avalia o cientista político.
“Ambos surfaram a onda antipolítica e a onda bolsonarista. Houve uma verticalização em 2018: os votos de Bolsonaro foram transferidos de um forma que nem PT ou PSDB conseguiram fazer antes na mesma intensidade”, observa.
“Quem votou em Bolsonaro, votou no candidato do Bolsonaro para governador, para senador e para deputado. Quando comparamos os desempenhos de Witzel, Zema e Bolsonaro por zona eleitoral, há uma alta taxa de correlação. Então quem votou em um, tendeu a votar no outro.”
E agora em 2002?
Então, porque algumas pesquisas para senador e governador não conseguiram captar o resultado das urnas em 2018, o mesmo pode acontecer na corrida para presidente em 2002?
Os especialistas avaliam que isso é improvável.
“Existe uma decisão de última hora muito maior para eleições de Senado e governo do que para presidente. Como para presidente muito provavelmente o voto já foi estabelecido dias antes, às vezes até semanas ou meses antes para boa parte do eleitorado, não acontece tanto esse fenômeno de decisão de voto no dia anterior”, diz Nishimura, da Universidade de Michigan.
Cervi, da UFPR, observa que a onda de “antipolítica” de 2018 se dissipou, e a eleição desse ano parece ser de retorno dos políticos tradicionais, com elevada taxa de reeleição esperada nas eleições proporcionais (para deputados).
Além disso, o índice de certeza de voto para presidente esse ano está muito mais elevado do que em anos anteriores.
“Temos uma eleição para presidente que já está pautada há dois anos. Além disso, são dois candidatos muito conhecidos, pela primeira vez teremos um candidato à reeleição e um ex-presidente disputando, então o eleitor está votando pensando no que cada governo fez por ele. Isso abriu pouquíssimo espaço para os demais colocados”, acrescenta.
Se para presidente uma mudança brusca na última hora é improvável, para Senado e governadores, elas são mais plausíveis, avalia o especialista.
“Reviravoltas podem acontecer. Elas são explicadas por movimentos de última hora que não são captados pelas pesquisas, são um resultado normal da política”, conclui.
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