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Dia Nacional do Voluntariado: data que celebra ato de servir resgata valores sociais e históricos

Desde que existe humanidade, existe solidariedade. Mais do que uma virtude individual, ela se mostra uma postura cívica e política voltada para a coletividade. Sem ela, não seria possível construir o mundo da maneira tal como o conhecemos hoje – com tudo o que ele tem de bom, diga-se. Pois é a ação coletiva, gerada a partir do senso de cooperação, que ergue e mantém de pé as civilizações. 

No fim de semana que celebra o Dia Nacional do Voluntariado, neste domingo (28), a Folha de Pernambuco amplia a discussão sobre a solidariedade e o ato de se voluntariar em favor do bem comum.

A data, instituída no País em 28 de agosto de 1985, reconhece a importância de quem reserva parte da rotina para servir à comunidade, sem esperar nada em troca. Um valor social cada vez mais forte e necessário hoje, mas com profundas raízes no passado.

Embora muitas vezes associada a manifestações religiosas, a atitude de colaborar com o outro, tendo em vista um objetivo em comum, está presente em todos os modelos de sociedade.

O historiador Lucas Silva cita como exemplo os mutirões que se constituíram marcas culturais de povos indígenas brasileiros. “Quando há uma tarefa que exige a mobilização de muitos recursos e muita mão de obra, como a construção de uma grande casa ou a abertura de uma rocha, vemos esses grupos se organizando de maneira solidária”, recorda. “A solidariedade faz parte da experiência humana. Não existe grupo social na História em que a gente não consiga enxergar, de alguma forma, a prática da solidariedade”.

A serviço de uma causa


Conceito mais restrito que o da solidariedade, a noção de voluntariado mudou ao longo do tempo. Antes ligada ao serviço militar, a ideia de ser voluntário era usada para se referir àqueles que se ofereciam para “lutar pelo país” sem que fossem obrigados pelo governo. 

“O voluntário era, originalmente, quem ia lutar contra outro país. Então, você era solidário apenas à sua própria comunidade. À medida que temos a expansão do sistema capitalista, começamos a entender que fazemos parte de uma ‘comunidade global’. Por exemplo, as campanhas criadas na década de 1970, comuns até hoje, em favor da qualidade de vida e do acesso a direitos básicos, feitas por grupos de voluntários em países subdesenvolvidos da África, das Américas e da Ásia”, lembra o historiador, que cita ainda a expansão mundial de organizações como o Rotary e a Fundação de Lions Clubs International (LCIF, em inglês).

Um segmento, sem dúvida, muito forte. Atualmente, mais de 3 bilhões de pessoas atuam como voluntárias em todo o mundo, segundo ranking da organização britânica Charities Aid Foundation (CAF). No Brasil, são cerca de 57 milhões, de acordo com pesquisa do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) divulgada em julho.

Filipe Silva do Nascimento, 26, é voluntário da Cufa (Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco)

Altruísmo sem fronteiras


É nesse contexto que o voluntariado se aproxima de outra palavra-chave: o altruísmo. A postura de “fazer o bem sem olhar a quem”, que hoje também recebe o nome de filantropia, podendo ser descrita como “amor à humanidade”, é tão antiga quanto o ser solidário. Ao longo da História, há inúmeros exemplos de personalidades que se notabilizaram pela defesa de uma sociedade mais igualitária (veja cinco deles no infográfico abaixo).

“Nas sociedades tradicionais, só existe voluntariado dentro da comunidade. Nas contemporâneas, é a solidariedade com pessoas que não são próximas, e isso foi fundamental para formar o que chamamos de democracia”, analisa o sociólogo Paulo Henrique Martins, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia.

“O voluntariado tradicional tinha uma dimensão mais mística, do herói que se sacrifica na guerra para defender sua comunidade. E agora nós vemos um voluntariado envolvendo estrangeiros, com uma dimensão da solidariedade coletiva e pública. É o fato novo que, no meu entender, justifica a ideia de democracia”.

Toneladas de colaboração


Além de socialmente justo, colaborar na construção do bem-estar comum beneficia também quem ajuda. E ganha uma significância ainda maior em um país desigual como o Brasil, especialmente em períodos de crise.

Um exemplo disso, daqui do Estado, é a Central Única das Favelas (Cufa), criada há 15 anos com o propósito de promover o desenvolvimento social nas periferias, com o foco em ações de emancipação, como oferta de cursos e apoio para qualificação profissional.

Mas, nos últimos tempos, a instituição passou a articular campanhas assistencialistas, primeiro, para atender a população afetada pela queda da atividade econômica durante a pandemia e, mais recentemente, as vítimas dos deslizamentos e enchentes deste ano.

Somente neste inverno, a Cufa arrecadou 12 mil toneladas de alimentos, além de 500 toneladas roupas e 800 de materiais de limpeza, para 60 mil famílias. Para pôr em prática toda essa logística, a entidade dispôs de cerca de 300 voluntários na época mais crítica das chuvas. Hoje eles são 140 e se reúnem na sede da organização, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, onde armazenam os donativos e montam as cestas básicas. 

No meio desse batalhão, está Filipe Silva do Nascimento. Desempregado, o jovem de 26 anos, morador de Água Fria, faz questão de participar. “Eu me sinto muito feliz de estar ajudando o próximo e a comunidade que precisa. Quando a gente entrega uma cesta básica, é como se a gente estivesse entregando tudo”, conta.

A artesã Marilene Cardoso, 58, também não deixa de se engajar na causa social. Moradora do Alto Santa Isabel, ela colabora com a Cufa há oito anos. “Ser voluntária tem dois lados. O positivo é você ir de coração, atingir as famílias que necessitam e levar, pelo menos, uma palavra de carinho. A parte negativa são as tragédias. Tem pessoas na minha comunidade que nunca pediram nada a ninguém porque sempre trabalharam, mas, na pandemia, ficaram desempregadas”, relata.

Marilene Cardoso, 58, colabora com a Cufa há oito anos (Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco)

Uma nação solidária


Como em qualquer linha de trabalho, o engajamento é fundamental no voluntariado. O sociólogo Paulo Henrique Martins lembra que, para ser efetiva, a causa empreendida deve despertar nos voluntários uma sensação de “pertencimento comunitário”.

“Quanto menos houver um interesse econômico ou mercantil, mais o voluntariado tem um caráter livre e solidário. A solidariedade é mais espontânea na minha comunidade de pertencimento, seja ela geográfica ou de pessoas com dificuldades compartilhadas”, observa.

Talvez seja por isso que essa conduta de se prontificar para o outro se revela tão potente ao longo dos séculos. Não por acaso, o professor de Filosofia Marcos Gomes, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), vê na solidariedade uma virtude filosófica.

“É uma força interna, que nós temos, de agir e interagir, reconhecendo a completude e incompletude que há no ser humano. Se eu vejo uma pessoa com fome, eu me sinto solidário porque sei o quanto ela está precisando para se completar como pessoa. Não é um simples sentimento psicológico porque, mais do que sentir, ela me incomoda para agir”, avalia.

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